sábado, 12 de janeiro de 2019

Santarém considerada uma cidade sem verde – 1978


Santarém e a segunda cidade do Pará e a terceira da Amazônia. Situada na confluência dos rios Tapajós e Amazonas, o que lhe permite ligação fluvial com Belém e Manaus, é um porto exportador estratégico um entreposto comercial tão agitado que conferiu à cidade o título de Capital do Baixo Amazonas, um título brilhante para um povoado que nasceu em 1626. Quando ali chegou, cheio de ambição, o pioneiro lusitano Pedro Teixeira.

Para os índios tupaius, que os portugueses pronunciavam Tapajós, foi uma tragédia, tanto que, hoje estão extintos. Altivos, orgulhosos, e insubmissos à escravidão, travaram as pretensões dos colonizadores, que organizaram, para dizima-los, uma expedição punitiva comandada por Bento Maciel Parente, filho do governador do Estado do Pará e Maranhão.
 As aldeias foram então arrasadas, e assassinadas as mulheres e as crianças. O antropólogo Curt Nimuendaju escreveu que os registros históricos sobre os Tapajós cessam em 1779, a partir de quando essa nação podia ser considerada oficialmente extinta. Só então Santarém cresceu, agora transformada num forte de resistência aos rebeldes da Cabanagem, movimento nacionalista que pretendia combater a dominação dos "reinós", homens que, apesar da Independência, eram ligados à antiga Corte.

UMA CIDADE SEM VERDE
O município de Santarém hem hoje 180 mil habitantes, dos quais 10 mil no Distrito de Belterra, povoação criada em 1927 pela Ford, para o cultivo seringueiras. Mas, assim como Fordlândia, criada com o mesmo objetivo, também as margens de Tapajós, Belterra está semiabandonada, com suas seringueiras velhas roídas pelas pragas e produzindo apenas três toneladas diárias de borracha, numa área de 285 mil hectares. Belterra e Fordlândia pertencem ao Ministério da Agricultura, por concessão da Ford do Brasil, que não quis levar o projeto adiante.
Santarém, contudo, é uma cidade próspera, que vive do seu comércio e de atividades como pesca, pecuária, fibras, castanha-do-pará, madeiras, arroz, calçados, malas, móveis, pequenos estaleiros e olarias. A energia elétrica vem da hidrelétrica de Curuá-Una, inaugurada recentemente, com uma capacidade inicial de 20.000 KW. Seu porto fluvial, com equipamentos modernos, está no quilômetro zero da BR – 103, a Cuiabá-Santarém, construída polo Exército à mesma época em que se abria a Transamazônica.
Mas, assim como em toda a Amazónia, o Incra tem encontrado dificuldades para legalizar as terras na área do Projeto Fundiário de Santarém, devido à precariedade de documentação pessoal, à má orientação dos órgãos de classe e à própria falta de interesse — e informação — dos ocupantes. O Incra, que já distribuiu 4.030 licenças de ocupação, pretende distribuir no mínimo mais 2 mil este ano. De acordo com o censo demográfico de 1970, a taxa de analfabetismo do município era da 43.72 por cento, ou seja, afetava 48.423 pessoas, naquela época.
As condições sanitárias de Santarém são precárias, faltam escolas para as crianças, das quais mais de 70 por cento são desnutridas ou subnutridas. A mortalidade infantil sobe ao espantoso índice de 50 crianças mortais para cada mil nascidas com vida, supondo-se, entretanto, que seja até maior, pois é impossível o registro nos povoados mais distantes, onde os mortos são enterrados no quintal. Faltam médicos e — o que parece absurdo, na Amazónia — falta até área verde na cidade. Santarém é um deserto estéril cercado pela selva e pelos rios, pois cada habitante tem para si apenas 61 centímetros quadrados de verde, quando a ONU recomenda um mínimo de 12 m2/habitante.
 Entre os problemas de "alta gravidade" de Santarém, segundo um diagnóstico realizado este ano pela prefeitura, está o "impacto" do crescimento acelerado, devido a investimentos de vulto, como a rodovia Cuiabá-Santarém e a hidrelétrica de Curuá-Una, o êxodo rural e a ausência de empregos para todos os que demandam a área urbana. E ainda: o elevado "índice de promiscuidade e delinquência" e a "inibição" das camadas de baixa renda, que aspiram pouco da vida e, por isso, nem sequer exigem mais do que lhes dão.
Santarém elegeu seu último prefeito, Elias Pinto, em 1967. Esse prefeito foi deposto em 1969. Após uma crise política violenta. Houve até mesmo uni tiroteio, com vítimas fatais. A partir de então, os prefeitos têm sido nomeados pelo governador do Estado. Santarém, agora, área de segurança nacional, assim como Altamira, Marabá e Itaituba. Isso, entretanto não assusta o democrata brincalhão que é o bispo da Prelazia de Santarém, dom Thiago Ryan, um irlandês norte-americano que atua numa área de 340 mil quilómetros quadrados, por onde espalhou 600 comunidades eclesiais de base, com 3 mil catequistas.
 Dom Thiago Ryan chegou a esta regalo quando terminava a II Guerra Mundial. Vinha dos Estados Unidos, onde nasceu. Sua nacionalidade, às vezes, causa-lhe problemas: da última vez em que se encontrou com um coronel do 8º Batalhão de Engenharia e Construção, responsável pela Cuiabá-Santarém, este lhe fez ver que os norte-americanos estariam espoliando o Brasil. — Coronel — respondeu dom Thiago ao militar — o  senhor era ainda um moleque de fraldas e eu já estava aqui, nesta região, sou brasileiro.
Os problemas de terra começaram em Santarém com a abertura das estradas. Antes — lembra dom 'Thiago Ryan- ninguém cobiçava a terra. Ficavam anos e anos nos seus terrenos sem documentos. Mas de repente, começaram e chegar os famosos “donos” (grileiros). A Igreja está insistindo: se não houver urna reforma agrária no Brasil, eu não sei onde isso vai chegar.
Dom Thiago é, também, o guardião-mor da Rádio Rural, da Prelazia, e seu mais candente orador. O problema é que os estúdios da rádio ficam exatamente diante do escritório da Polícia Federal, de forma que os agentes dessa repartição pública se dedicam a constantes e nem sempre amáveis visitas à sala onde o bispo grava suas peças oratórias
 — Houve um tempo em que a Igreja bajulava os governos. Esse tempo já era.
Dom Thiago é um homem franco. Frequentemente visitado por políticos da Arena e do MDB, faz questão de manter-se distante de todas as tendências. A bandeira da Igreja, para ele não está a serviço das rasgadas bandeiras temporais.
– Imagine que, vêm aqui, trazem fotógrafos, mostram-se projetos, discutem ideias, fazem-se fotografar... depois apregoam por aí “dom Thiago abençoou tal projeto”, “dom Thiago apoia o candidato do MDB” – Ah, esses políticos. A Igreja não apoia nem Arena nem MDB, mas um governo justo e leal (finalizou o bispo).

NOTA: Publicado Jornal do Baixo Amazonas de 07 de outubro de 1978.

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