Dias amargurados, com prenúncios de tenebrosos
acontecimentos, foram aqueles em que a terra santarense, presa do jogo da
soldadesca sediciosa, viveu, de sobressalto em sobressalto, ilhada do resto do
planeta.
Alarmados em face da ameaça dum napoleão de
azeviche, que intimidava todo o mundo com sua arrogância militaresca, – outra
ameaça maior ainda se nos antojava qual uma fera de hiantes faces e aceradas
garras – a fome, a negra [sic] fome.
Os gêneros de primeira necessidade escasseavam já,
e a maneira de consegui-los um problema era de intrincada solução. Mais dias,
menos dias ver-nos-íamos coagidos a recorrer a um assalto às casas onde alguma
coisa se encontrasse com que enganar o estômago. As criações dos quintais
alheios as primeiras vítimas seriam dessa razia forçada e reclamada pelo império
das circunstâncias.
Foi conjeturando nesse estado de coisas que os
meus bons camaradas Zé Agostinho, Raymundo Fona, Chiquinho Santos, Alberico
Nóvoa e outros solucionaram o caso sem preciso se infringir o 7º mandamento.
Assentado que no rio estava a salvação, resolvido
ficou pelos meus amigos uma batida aos peixes todas as noites. E assim foi.
Munidos as competentes linhas de anzóis estrovados de-cabo-a-rabo, conforme a
perícia de cada um, todas as noites lá se iam eles procurar no abismo das águas
aquilo que produz o chylo...
Uma noite – noite argêntea pontilhada de
pirilampos engastados no esmalte azul da abóboda celeste, noite maravilhosa,
que contrastava com as tenebras que lhes ia na imaginação – os neófitos colegas
do Augusto Testa viram-se na contingência de transferir a pescaria por falta de
embarcações em que efetivá-la. Quis, porém, a bondade do Manelito Corrêa, tirar
da rascada os novos discípulos de São Pedro, oferecendo-lhes por empréstimo um
batelão. Estava garantido o almoço do dia seguinte.
Chegada a hora, lá se foram os pescadores rumo do
trapiche, no possante lenho do meu compadre Ambrósio.
Iniciada a pesca, convenceram-se os bisonhos
pescadores estarem de azar nessa noite. Os candirus e outros peixinhos larápios
roubavam-lhes as iscas tantas fossem postas nos anzóis. Era o diabo. Uma hora,
duas naquela maçante luta, e nada. Desanimados, já os pseudos Z 11 se decidiram
a regressar aos penates quando, mandado por um deus protetor, o anzol do Zé
Agostinho denunciou, pelo peso, que um grande pescado se fisgara. Foi um
alegrão da comunidade piscatória. Hosanas foram conclamados em regozijo pelo
feito inesperado do companheiro.
Muito cuidado era preciso para que não escapasse o
peixe, visto como era ele a salvação. E assim foi que o Zé, valendo-se de toda
a perícia halieutica, numa luta em que parecia que o vencido seria o pescador,
conseguiu, após muito custo, recolher para a embarcação a ambicionada presa.
Decepção tremenda! De alegres que estavam os
colegas do Testa, desolados se tornaram, e lívidos como um defunto.
O pescado, que a destreza do Zé fisgara, o
pescado, que se tornara já o orgulho do pescador, – era uma enorme arraia!...
Foi mais uma das peças pregadas pela Revolta...
Chico Tripa.
NOTA:
Publicada no jornal A Cidade de 13 de junho de 1925. A “Revolta” a que se
refere o autor, aconteceu em 1924, comandada pelo então tenente Magalhães
Barata (descrito, no texto, como “napoleão de azeviche”). O autor do blog se
revela a dizer que também ele já “fisgou” um pescado decepcionante assim, mas a
luta é boa...
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