Abaixo transcrevemos o ofício do Comandante Antônio Firmo Coelho sobre a tomada do quartel cabano em Ecuipiranga. Apesar de o ataque ter iniciado em 10 de julho, Ecuipiranga só foi tomada pelas tropas legais nas primeiras horas do dia 12 de julho de 1837. Este ofício também está publicado no livro “Pequena cronologia da Cabanagem no Baixo Amazonas e Tapajós” (2019. Imagem ilustrativa da cabanagem feita pelo desenhista Denilson Borges.
Ilmo. e Exmo. Sr.
Em data de 13 do
corrente, tive a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. o feliz resultado do
ataque de Ecuipiranga; mas como o não relatei com todas as circunstâncias por
não ter ainda recebido participações Oficiais, agora o faço com todas as
particularidades. A força de Óbidos, reunida no Lago Grande, disposta
convenientemente atacou aquele ponto, tanto pela parte do Lago do Veado, como
pelo lado do Regis Batista; neste lugar a nossa força desembarcou sem ter
recebido um só tiro: mas tendo esta de avançar logo que reconhecesse que a
força do Lago do Veado se achava próxima, isto verificado, corajosamente
investiram a eminente subida, onde os rebeldes tinham a primeira trincheira;
antes de chegar a ela, os malvados, emboscados pela estrada, empregaram seus
tiros com segurança. O capitão Ambrósio Pedro Ayres que havia chegado na
véspera, 9 do corrente, com o comboio do Rio Negro, tendo desembarcado com a
gente do seu batelão, e das canoas, com intrepidez e valor, sustentou o fogo a
peito descoberto, e conseguiram cavalgarem a primeira trincheira: nesta ocasião
houveram bastantes feridos. Honório, comandante da força que marchou pelo Lago
do Veado, foi ferido mortalmente; nada disto obstou a que com o mesmo valor
fossem seguindo o caminho ao Ecuipiranga, sofrendo sempre tiros certos das
emboscadas; foi preciso tomar segunda trincheira, para então chegar a do
Ecuipiranga. Neste intermédio, o Brigue Brasileiro, em frente do ponto acima,
sustentou um vivo fogo; e sendo participado ao seu Comandante que a gente já se
achava cansada, e falta de munição, fez logo desembarcar mil cartuchos e vinte
praças comandadas pelo 2º tenente Geraldo João Damazio de Souza Freire, as
quais apenas chegaram à terra, o fogo renovou com a trincheira do ponto, porém
a proximidade da noite veio por termo a que se pudesse continuar e a força de
bordo retirou-se.
Pelo lado de
Carariacá, a força que daquela parte tinha desembarcado, a reunir-se com a
gente vinda do Rio Tapajós, onde se achava a Escuna Dezenove de Outubro, vieram
batendo por aquele lado os rebeldes, que em pequenos pontos se achavam, porém
estes sempre em retirada a reunirem-se ao Ecuipiranga; com a noite os rebeldes
quiseram evadir-se por mar, mas o fogo que sofreram dos pontos onde tentaram
embarcar-se, fez com que eles abandonassem este projeto, contudo, quase de
madrugada, efetuaram a fuga pelo interior do mato, abandonando completamente o
ponto forte de Ecuipiranga, que foi logo ocupado pela nossa gente. Verificou-se
o que constava de eles terem pouca munição; pois somente estavam municiados a
dois e três cartuchos: eles eram em grande quantidade, e seus tiros de
emboscada eram feitos com toda a certeza, que bastante estrago fizeram na nossa
gente, tendo havido oito mortos, inclusive um soldado do 2º Batalhão de
Caçadores, dos que foram a bordo da Escuna Dezenove de Outubro, e oitenta e
oito feridos, alguns dos quais já tem falecido, não contando outros com bagos
de chumbo, que continuam no serviço.
A Escuna Dezenove
de Outubro, colocada em frente à Capela de Ecuipiranga, no Rio Tapajós, com o
vivo fogo de sua artilharia, e com a gente que desembarcou, muito contribuiu
para a destruição de Ecuipiranga. Este ponto, pelo seu local e fortificado como
estava, parecia inconquistável. Na parte mais elevada da montanha de
Ecuipiranga, em uma grande e quadrada planície entrincheirada de todos os
lados, muitas casas dispostas com alguma simetria, e formando diversas e bem
alinhadas ruas, faziam uma grande Vila, a que os rebeldes chamavam: o seu
invisível BADAJOZ. Desde este lugar até a praia, 3 fortes e bem dispostas
trincheiras defendiam o grande ponto; um pequeno trilho por onde só a um de
fundo se podia andar, e com os lados cheios de estrepes até beira mar, era o
único caminho que havia, e além disso tão eminente, que com dificuldade se
podia trilhar; no entanto, que os rebeldes cobertos com as trincheiras,
bastante maltrataram a nossa gente, mas apesar de se acharem tão bem defendidos,
e da forte resistência que fizeram, não puderam resistir à força legal: o
grande Ecuipiranga está reduzido a cinzas, e pode-se dizer que todo o Amazonas
está restabelecido, pelo muito que influía este ponto. Resta-me agora fazer
ciente a V. Exa. dos bons serviços prestados pelas guarnições dos Navios de
Guerra, e Tropa, que cooperaram para o restabelecimento do Ecuipiranga; e com
particularidade dos Comandantes do Brigue Brasileiro e Escuna Dezenove de
Outubro. O capitão tenente Francisco Manoel Barroso, Comandante do Brigue
Brasileiro, prestou-se com a coragem que não lhe é estranha, o Brigue do seu
comando sempre se achou nos pontos mais arriscados, e onde maior dano podia
fazer ao inimigo; seus tiros bem firmados levavam sempre o estrago aos rebeldes,
e toda a sua tripulação à vista de um tão digno Chefe disputavam a sorte de
serem mandados para terra.
O segundo tenente
Fernando Lázaro de Lima, Comandante da Escuna Dezenove de Outubro, que pelo seu
valor e atividade, bem conhecido é no Amazonas, não cessando de perseguir os
rebeldes, em qualquer ponto onde eles se achavam, e que bastante prejuízo lhes
fez não só na gente, como no seu entrincheiramento, e casas: ultimamente
saltando em terra, à testa da Marinhagem, e Tropa, e acometendo-os com uma coragem
decisiva, muito concorreu para os felizes sucessos deste dia, os serviços que
este Oficial tem feito durante a luta do Sertão não devem ficar no silêncio:
ele tem sido sempre o terror dos rebeldes, e em toda a parte os tem derrotado:
suas Comissões sucessivas tem sempre sido bem desempenhadas, e bem longe de se
escusar a serviço algum, é o primeiro a oferecer-se para as empresas mais
arriscadas; ocorre mais o ter adquirido perfeito conhecimento de todos os Rios
e portos ; e que por isso polpa a dificuldade que as vezes se encontra quando
se procuram práticos, e ultimamente acaba de fazer um grande serviço à Nação,
trazendo de Ecuipiranga quantidade de mandioca apanhada aos rebeldes, pela
Guarnição da sua Escuna, da qual vou mandar fazer farinha para fornecer à força
de mar e terra. Estes dois oficiais tornam-se dignos da atenção de seus
Superiores, e por isso é do meu dever recomendá-los a V. Exa.
Deus guarde a V.
Exa. Bordo do Patacho Januária, surto em Santarém, 19 de julho de 1837.
(Ao) Ilmo. e Exmo.
Sr. Francisco José de Souza Soares d’Andrea, Presidente e Governador das Armas
da Província.
(Assina) Antônio
Firmo Coelho, Capitão Tenente e Comandante.
Está conforme.
Bernardo Joaquim de Matos, secretário do Governo.
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