terça-feira, 20 de junho de 2017

Uma descrição de um holandês do século XVII sobre o povo Tapajó.

Pe. Sidney Augusto Canto (*)

Costuma-se dizer, inclusive nos meios acadêmicos, que a história é escrita e contada pelos vencedores. Mas, a própria história, muitas vezes nos prega peças, ou, como costumo dizer a meu círculo de amigos com quem compartilho essa paixão pela pesquisa histórica, a história também é feita de surpresas...

(Aldeia dos indígenas Tapajó, na cidade de Santarém - 1828 - Desenho de Hercule Florence)

Em minhas pesquisas sou sempre surpreendido pelos documentos que encontro que, muitas vezes, tem colocado luz em cima de fatos obscuros ou destruído mitos. Foi assim que, ano passado (2016), enquanto eu pesquisava sobre a Cabanagem, alguns amigos do Rio de Janeiro e de Manaus muito me ajudaram, enviando documentação oitocentista para minha pesquisa.
Foi aí que veio a surpresa, no meio de farto material, um texto publicado há muitos anos, por um holandês, chamado Pedro Moreau, cujo título denomina-se “Relação Verídica do que se passou na Guerra do Brasil feita entre os portugueses e os holandeses, etc.”, cuja existência me era desconhecida, até então, descrevendo em suas páginas, a vida dos holandeses (que, vale ressaltar, perderam a guerra contra os portugueses pela posse de terras no Brasil) e sua relação com os indígenas Tapajó, que habitavam nossa região.
Transcrevo, agora, como esse holandês via nossos antepassados em princípios dos anos 1600, época das batalhas entre holandeses e portugueses por estas terras, que expõe uma nova perspectiva e olhar sobre nossos antepassados, além daquelas clássicas descrições que já conhecemos. Eis o texto:

Os selvagens (diz Pedro Moreau), que nada mais presavam do que a vida ociosa... não mostram-se ingratos por este rico presente da liberdade que lhes restituíam; ao passo que eles antes, não podendo viver em segurança, procuravam os desertos como guarida, e tinham tal terror pelas armas portuguesas e ao fogo produzido pelos seus mosquetes, e que sem vê-lo causava-lhes feridas mortais, que eles desabituavam-se à conversão dos cristãos. Enlevados, pois, de uma graça tão inesperada, eles próprios vieram oferecer-se ao serviço de seus benfeitores que, astuciosos, os domesticavam com pequenos presentes e ensinaram aos brasileiros o manejo das armas e a atirar reto com eles. Mas os Tapajós, nação mais brutal, e que nus como sua mão, não vivem senão nos bosques à maneira de vagabundos, não cuidam nunca em acostumar-se a isso. Lançavam-se logo por terra, logo que lhes apresentavam uma arma de fogo, levantaram-se prontamente, sem dar, às vezes, tempo de as tornar a carregar, e unicamente traziam clavas, chatas na extremidade, fabricadas de uma madeira rija, com as quais de um só golpe dividiam os homens em duas partes; todavia os holandeses serviam-se mui bem de uns e de outros. Seu exército fazia com eles maravilhosos progressos. Levavam-nos pelos lugares mais ásperos e mais difíceis, eles mesmos levavam a nado os soldados que não ousavam arriscar-se nos grandes rios, andavam e corriam com uma ligeireza não imitada, pela frente, por de traz e de lado, cortavam com machados que lhes entregavam as silvas e as densas sarças, que conservavam antes o mundo todo breve, conduziam de dois a dois em uma maca, que é um tecido de algodão feito à semelhança das redes de pescador, os oficiais cansados ou indispostos, e os oficiais doentes; designavam as emboscadas, conduziam-nos a lugares em que os inimigos fossem surpreendidos e mortos. Se era preciso bater-se em campo, os portugueses tinham certeza de perder a vida se eles se não salvassem; porque estes Tapajós e brasileiros encarniçados queriam mesmo matar aqueles que os retinham prisioneiros; isso também nunca acontecia senão raras vezes, e entre soldados em ausência dos outros.

É a história revelando que a vida segue dinâmica, que as lutas continuam, e que resistir faz parte do sangue tapajoara...


(*) Presbítero da Diocese de Santarém, pároco de Fordlândia – Rio Tapajós. Pós-graduado em História da Amazônia pela Faculdades Integradas do Tapajós – FIT. Membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap e da Academia de Letras e Artes de Santarém – ALAS. 

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