Pe. Sidney
Augusto Canto (*)
Costuma-se
dizer, inclusive nos meios acadêmicos, que a história é escrita e contada pelos
vencedores. Mas, a própria história, muitas vezes nos prega peças, ou, como
costumo dizer a meu círculo de amigos com quem compartilho essa paixão pela
pesquisa histórica, a história também é feita de surpresas...
(Aldeia dos indígenas Tapajó, na cidade de Santarém - 1828 - Desenho de Hercule Florence)
Em minhas
pesquisas sou sempre surpreendido pelos documentos que encontro que, muitas
vezes, tem colocado luz em cima de fatos obscuros ou destruído mitos. Foi assim
que, ano passado (2016), enquanto eu pesquisava sobre a Cabanagem, alguns
amigos do Rio de Janeiro e de Manaus muito me ajudaram, enviando documentação
oitocentista para minha pesquisa.
Foi aí que veio
a surpresa, no meio de farto material, um texto publicado há muitos anos, por
um holandês, chamado Pedro Moreau, cujo título denomina-se “Relação Verídica do
que se passou na Guerra do Brasil feita entre os portugueses e os holandeses,
etc.”, cuja existência me era desconhecida, até então, descrevendo em suas
páginas, a vida dos holandeses (que, vale ressaltar, perderam a guerra contra
os portugueses pela posse de terras no Brasil) e sua relação com os indígenas
Tapajó, que habitavam nossa região.
Transcrevo,
agora, como esse holandês via nossos antepassados em princípios dos anos 1600,
época das batalhas entre holandeses e portugueses por estas terras, que expõe
uma nova perspectiva e olhar sobre nossos antepassados, além daquelas clássicas
descrições que já conhecemos. Eis o texto:
Os selvagens (diz Pedro Moreau), que nada mais
presavam do que a vida ociosa... não mostram-se ingratos por este rico presente
da liberdade que lhes restituíam; ao passo que eles antes, não podendo viver em
segurança, procuravam os desertos como guarida, e tinham tal terror pelas armas
portuguesas e ao fogo produzido pelos seus mosquetes, e que sem vê-lo
causava-lhes feridas mortais, que eles desabituavam-se à conversão dos
cristãos. Enlevados, pois, de uma graça tão inesperada, eles próprios vieram
oferecer-se ao serviço de seus benfeitores que, astuciosos, os domesticavam com
pequenos presentes e ensinaram aos brasileiros o manejo das armas e a atirar
reto com eles. Mas os Tapajós, nação mais brutal, e que nus como sua mão, não
vivem senão nos bosques à maneira de vagabundos, não cuidam nunca em
acostumar-se a isso. Lançavam-se logo por terra, logo que lhes apresentavam uma
arma de fogo, levantaram-se prontamente, sem dar, às vezes, tempo de as tornar
a carregar, e unicamente traziam clavas, chatas na extremidade, fabricadas de
uma madeira rija, com as quais de um só golpe dividiam os homens em duas
partes; todavia os holandeses serviam-se mui bem de uns e de outros. Seu
exército fazia com eles maravilhosos progressos. Levavam-nos pelos lugares mais
ásperos e mais difíceis, eles mesmos levavam a nado os soldados que não ousavam
arriscar-se nos grandes rios, andavam e corriam com uma ligeireza não imitada,
pela frente, por de traz e de lado, cortavam com machados que lhes entregavam
as silvas e as densas sarças, que conservavam antes o mundo todo breve,
conduziam de dois a dois em uma maca, que é um tecido de algodão feito à
semelhança das redes de pescador, os oficiais cansados ou indispostos, e os
oficiais doentes; designavam as emboscadas, conduziam-nos a lugares em que os
inimigos fossem surpreendidos e mortos. Se era preciso bater-se em campo, os
portugueses tinham certeza de perder a vida se eles se não salvassem; porque
estes Tapajós e brasileiros encarniçados queriam mesmo matar aqueles que os
retinham prisioneiros; isso também nunca acontecia senão raras vezes, e entre
soldados em ausência dos outros.
É a história
revelando que a vida segue dinâmica, que as lutas continuam, e que resistir faz
parte do sangue tapajoara...
(*) Presbítero da Diocese de Santarém,
pároco de Fordlândia – Rio Tapajós. Pós-graduado em História da Amazônia pela
Faculdades Integradas do Tapajós – FIT. Membro fundador do Instituto Histórico
e Geográfico do Tapajós – IHGTap e da Academia de Letras e Artes de Santarém –
ALAS.
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