segunda-feira, 5 de junho de 2017

Artigo: Um Eleito

Rodrigues dos Santos

O que é que pode, às vezes, ocultar um grosseiro burel?
A alma simples de um justo, o resplendor magnífico de um santo!
Frei Bernardino foi um eleito; e um espírito erudito e culto. E, com sinceridade, jamais acompanhamos o féretro de um justo, com tanta paz, confiança singeleza, como se acompanhássemos o caixão azul de um anjo! O orador, que à beira de sua tumba falou, ofertando em nome coletivo uma gerba de flores, não teve razão para censurar o silêncio dos jornalistas e a mudez dos poetas.
Por acaso ignora o orador, que a pena também às vezes desfalece, e a lira emudece envolta em crepes, pendurada nas ramas dos salgueiros?

Tudo o que a pena possa rabiscar, não teria cor para expressar o sentimento; tudo o que a palavra pudesse exprimir, não teria sentido mais eloquente, do que a apoteose espontânea que lhe foi feita.
Só o silêncio exprime as grandes dores! A lira terrena igualmente não tem eco, quando a corda lhe estala, ou quando escuta ao longe a lira dos Arcanjos – muito mais harmoniosa e doce!
É a harmonia do céu; é a música divina! O som do bronze, que tangido, soava na tarde silente que via este justo – creio não errar se dissermos este santo – baixar ao túmulo, chorava pela terra, e parecia alegrar-se pelo céu, que o via subir!
Frei Bernardino, que veio de sua formosa Pátria no albor da vida, findou-se aos 59 anos, mais velho, muito mais velho, não pela idade, mas pelos sacrifícios silenciosos, as vigílias e os jejuns, que a si mesmo impunha.
E bastas vezes dissemos, no recesso d’alma, com sinceridade o confessamos, que se há um lugar no céu para os eleitos, de antemão preparado, a este humílimo servo do burel, um era devido.
E não o duvidamos, afinal, que ele o tivesse. Seu enterramento foi uma consagração; tudo o que Santarém tinha de nobre esteve presente, ou fez-se representar. Ninguém diria ser um leigo – um simples e humilde leigo – que baixava à terra tapajônia. Não; é que todos nós sabíamos que era mais um apóstolo que ia amesendar-se com o Senhor, entre os doze das tribos de Israel!
Pálida é a expressão da minha pena, para traduzir o sentimento do sublime; resta-nos agradecer agora a essa nobre alma que empregou toda a sua atividade em prol das causas santas, a esse digno imitador de São Vicente de Paulo – o grande apóstolo da caridade – o muito que fez por nossa terra; o muito que fez por este povo, em curto lapso de tempo, duas vezes sangrado no coração!


NOTA: Publicado no jornal O Mariano de 28 de junho de 1936.

Nenhum comentário:

Postar um comentário