Óbidos, 30 de agosto
de 1932
Ao chefe de
Polícia do Estado do Pará.
É profundamente
desolador e revoltante o que se passou aqui. Um aventureiro, cujo nome procurou
sempre esconder, ora assinando Alberto Oliveira, ora Pompa, mistificando
sargentos e soldados do 4º Grupo, conseguiu arrastá-los à rebelião contra os
oficiais, dos quais, para honra do exército, nenhum aderiu ao movimento, que se
dizia ter o apoio do general Klinger e de São Paulo, intitulando-se Pompa
emissário de Klinger. Desencadeado o movimento, a cidade foi tomada pelos
saqueadores. Havia uma só preocupação: requisitar das melhores casas os
melhores gêneros. Requisitou-se tudo, que era dividido ali mesmo no balcão da
vítima saqueada. Há requisições à mão armada deste gênero:
“Entregue para
as forças revolucionárias em operações nesta cidade o seguinte: duas dúzias de
loção para cabelo, duas dúzias de pastas para dentes, dezoito meias de seda,
cem metros de fazenda à escolha do portador, seis garrafas de whisky, todas as
caixas de cerveja existentes nesta casa (textual)”.
Isso afora
duzentas latas de manteiga, azeite italiano e todos os demais gêneros
imagináveis, além do dinheiro que era extorquido de quantos tinham qualquer
quantia. De um comerciante extorquiram, por meio de requisições, a quantia de
sessenta mil réis; de outro nove contos. Era questão de ter dinheiro. Sem pejo
nem descarga, o dinheiro extorquido era dividido entre Pompa, Lalor e Demócrito
Noronha, que sempre ficava com a maior parte. Outras vezes a desfaçatez era
maior: o dinheiro era ali mesmo entregue às pessoas dos pseudo-oficiais
comissionados por Pompa. A esposa do tenente Cunha foi às vias de fato com a
esposa de um cabo, em plena rua, por causa de uma requisição de dinheiro. Da
Casa Chocron exigiram os rebeldes 25 urinóis. Não ficava nisso a desmoralização
deste movimento, cujo fim único foi o saque à mão armada. Pompa, embriagado,
bebendo em todas as tascas, tinha verdadeiras alucinações alcoólicas: “Gritando
Pompa que era Rei” (textual). Cenas tais foram inúmeras.
O comércio e as
pessoas gradas com quem me tenho avistado verberando os maus
constitucionalistas, que se diziam representantes do general Klinger, fazem
contraste entre este assalto, este latrocínio, e o movimento idealista de 1924,
quando oficiais como Barata, Azamor e Dubois, à frente de suas forças, não
fizeram uma requisição que não fosse justificada e paga a dinheiro. E,
infelizmente, a sorte de uma população ordeira, haveres de um comércio honesto,
a honra das famílias obidenses e segurança deste povo estiveram entregues nas
mãos desonestas destes saqueadores. Houve, em tudo isso, um único protesto: foi
o da esposa de Lalor que, horrorizada pelo que via, clamou publicamente
dirigindo-se a Pompa: “Coronel! Só lamento que meu marido esteja metido nisso,
que não é revolução. Isso é saque, é furto, é roubo”. Posso garantir a
autenticidade do incidente. O dr. Abdias Arruda, Juiz de Direito, em meio à
mashorca [sic], lavrou protesto escrito contra o movimento, suspendendo o
funcionamento da justiça à falta de garantias, entregue como esteve a cidade ao
saque e à anarquia. Os rebeldes vingaram-se da altivez do Juiz, demitindo-o e
nomeando Juiz de Direito ao Demócrito Noronha, que se especializou no saque ao
dinheiro do comércio. Isso diz bem o que foi a rebelião de Óbidos. Cordiais
Saudações.
Abel Chermont.
NOTA: No ano
seguinte, Abel Chermont (foto), seria eleito deputado e posteriormente Senador
pelo Estado do Pará. Teve seu mandato caçado a pedido de Getúlio Vargas.
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