Para estas
colunas, à guisa de informes a respeito da rebelião de Óbidos, sufocada
violentamente no dia de São Bartolomeu, 24 de agosto do corrente ano, chefiada
por Alderico Pompo de Oliveira [sic], fazemos a translação de uma entrevista
concedida ao O Jornal, de Manaus, por um militar que tomou parte na expedição
das forças legais.
Não cabem, no
estreito espaço de que dispomos, as copiosas informações, cada qual mais
interessante, publicadas pelos jornais da capital amazonense, sobre a aventura
que durante quarenta minutos tingiu de sangue brasileiro as águas do “Mar
Dulce”.
Eis a
entrevista:
“Quando daqui partimos já levávamos a nossa
tropa disposta em forma de combate. No castelo de proa, estava localizada uma
secção mista de metralhadoras, constituída por uma metralhadora pesada e por um
fuzil-metralhadora, sob o comando do tenente Luiz Gentil. No poço de proa,
entre o castelo e o passadiço do convés A, estavam postados 20 homens, às
ordens desse mesmo oficial. No convés A, do lado de boreste, um contingente
comandado pelo capitão Galvão, composto de elementos da Guarda Civil e de
soldados da Comissão de Limites do Setor Norte, sob o comando do sargento
Raimundo Nonato Chaves. No convés do lado de bombordo estavam dois
contingentes, um sob o comando do bravo tenente Soter Tapajós Bentes e outro às
ordens do tenente Zeno Ferreira. E à popa, uma esquadra reforçada, comandada
pelo guarda civil de 1ª classe, Horácio Pinto Ribeiro. Além desses, muitos
outros soldados faziam diversos serviços. O nosso efetivo total era de 169
homens assim distribuídos: Guarda Civil, 29 homens, comandados pelo capitão
Galvão; contingente do tenente Soter, 34; contingente do tenente Gentil, 32;
contingente do tenente Zeno, 25 da Guarda Civil e 31 do Exército; contingente
da Comissão de Limites, 18. Distribuído o pessoal, o “Baependy” rumou para o
Baixo Amazonas, rumo a Parintins, tendo tocado em Itacoatiara. Ao amanhecer do
dia 24 de agosto divisamos a flotilha inimiga, composta dos vapores “Jaguaribe”
e “Andirá”, das lanchas “Remo” e “Santa Cruz”; estas estavam fundeadas. Logo
que fomos avistados, as unidades adversárias levantaram ancoras e formaram em
linha de combate, com escalão desbordante para a direita, tendo como base o
capitânia “Jaguaribe”. De acordo com as instruções recebidas, o comandante do
“Baependy” determinou a volta desse paquete a fim de, incorporado ao “Ingá”,
que já havia partido de Manaus, constituírem os dois a flotilha que teria de
enfrentar o inimigo. Perseguidos pela artilharia dos rebeldes, contramarchamos passando
por Itacoatiara, rio acima. O inimigo nos perseguia. Quando fomos alvejados
pelos inimigos, abaixo daquela cidade, as nossas metralhadoras responderam ao
ataque, durante alguns segundos. Felizmente, como o nosso vapor andasse muito
mais, deixamos o “Jaguaribe” a longos metros de distância. Ao passar pelo porto
de Itacoatiara, deixamos uma mensagem, dando instruções às tropas ali
existentes. Por volta das 10 horas, encontramos com o “Ingá”. Retornamos, por
isso, a Itacoatiara. Ia ter começo o grande combate. Era nosso propósito abater
os navios rebeldes, pelo abalroamento, segundo os planos do capitão Lemos
Bastos. Ao atingirmos a ponta do Catarro, reconhecemos a flotilha inimiga
fundeada no porto daquela cidade. Ao ver que caminhávamos em sua direção,
aprestaram-se os sediciosos para a luta. Aproximamo-nos dos navios adversários
a toda força das máquinas, o “Ingá” atingiria o “Jaguaribe” e nós o “Andirá”.
Mais alguns minutos de marcha e este pequeno vapor manobrava, ficando coberto
pelo fogo do “Jaguaribe”. Já nesse momento a batalha tinha se iniciado. O
tiroteio era ensurdecedor. O capitânia dos rebeldes iniciou o combate a tiros
de canhão 75, enquanto a fuzilaria tomava vulto, de lado a lado. Nesse momento
era de ver o espetáculo surpreendente que a luta oferecia, em todos os seus
aspectos. As nossas metralhadoras varriam o inimigo, ajudada pelo fogo cerrado
dos nossos fuzis. Os rebeldes respondiam ao ataque com ânimo resoluto,
atirando, atirando sempre. Já o “Jaguaribe” havia sido abalroado e começava a
soçobrar. Os nossos homens não se arreceavam do perigo, lutando com uma
temeridade a toda prova. A nossa vitória, em grande parte, deve-se a ação das
nossas metralhadoras. Foram elas que desbarataram o inimigo, ajudadas pelos
soldados que atiravam de fuzil. Foi admirável a bravura do tenente Luiz Gentil.
A metralhadora sob seu comando, colocada na barquinha do grande mastro de proa,
despedia uma intensa fuzilaria contra os adversários, da mesma forma que a peça
pesada, dirigida por esse mesmo oficial, localizada na proa do “Baependy” e
exposta a todos os fogos inimigos, metralhou incessantemente os rebeldes.
Enquanto isso, outros contingentes guarneciam a amurada de boreste, lado em que
se realizou quase todo o combate. Com as ordens transmitidas aos soldados pelo
chefe das operações, batemos rudemente o passadiço, a casa das máquinas, as
peças de artilharia, o convés e todas as dependências do “Jaguaribe”, com o
fito de auxiliar a missão do “Ingá”, que visava abalroá-lo. Deve-se à fuzilaria
do nosso vapor, em grande parte, o sucesso do nosso triunfo, que redundou no
afundamento do vapor da Comércio e Navegação, transformado em navio de guerra
pelos sediciosos de Óbidos. Foi ela que desguarneceu as peças do inimigo e
contribuiu, de forma poderosa, para que os canhões de boreste do adversário
fossem imprecisos. Ainda à nossa fuzilaria deve-se o emudecimento da artilharia
dos revoltosos, sendo de justiça salientar que, para isso, muito contribuiu a
bravura e o desprendimento do tenente Gentil, que nos momentos mais difíceis
não abandonou as suas metralhadoras, expondo-se às balas dos nossos
antagonistas, principalmente no momento em que a metralhadora pesada do “Ingá”,
colocada na proa dessa unidade, entre o castelo e o passadiço, entravou,
deixando de atirar. Posto a pique o “Jaguaribe”, e já este vapor submerso,
deu-se a explosão de suas caldeiras. Foi um espetáculo horroroso. Então,
iniciamos o nosso combate contra o “Andirá”, que nos hostilizava acintosamente
a tiros de fuzil. Tendo-se desviado esse vapor da manobra que dizemos para
atingi-lo, a sua gente metralhou-nos com violência inaudita e com a mais
indômita coragem. A sua força combatia tenazmente, e seria injustiça obscurecer
o valor e o denodo com que se bateram até aos derradeiros momentos. Desde que
iniciamos o combate até que conseguimos alcança-lo para o pôr a pique, a força
que viajava nesse vapor da Amazon River lutou heroicamente, atirando
incessantemente contra nós, e a prova do que eu digo são os estragos produzidos
no casco, na escada, no corrimão e nas obras mortas do “Baependy”, que se
encontraram crivadas das balas inimigas. Durante mais de 40 minutos combateu-se
galhardamente de lado a lado. Não fosse, esta é a verdade, a metralhadora sob
comando do tenente Gentil, que destruiu a ponte de comando do “Andirá”,
desbaratando os que os dirigiam, talvez tivéssemos tido muitas mortes a
lamentar. Esse vapor, já depois de abalroado, ainda nos hostilizava com os seus
tiros e já a adernar, ainda éramos atingidos pelas suas balas. Devemos fazer
justiça a quem merece. Os rebeldes do “Andirá” bateram-se com mais persistência
e tenacidade do que os do “Jaguaribe”, que abandonaram o navio logo após o
choque. Os nossos soldados portaram-se bravamente, lutando com um destemor a
toda prova. Enquanto assim procedia o destacamento, os oficiais e inferiores
davam um grande exemplo de coragem e de bravura indómita, animando os seus
comandados. Por várias vezes vi, em pé, no castelo de proa, o tenente Gentil,
indiferente à intensa fuzilaria inimiga, a dirigir os serviços de
metralhadoras, da mesma forma que o capitão Jonathas Corrêa, alheio aos perigos
inevitáveis da luta, a dirigir a tropa, de um lado para outro, dando ordens,
tomando providências, com um destemor a toda prova. Todos, enfim, portaram-se
admiravelmente, com um extraordinário desprendimento pela vida. Tratava-se de
defender, ali, a tranquilidade da população de Manaus, que estava ameaçada de
violências inomináveis, que culminariam pelo saque e pela falta de liberdade e
de respeito às nossas famílias. A vitória das nossas forças foi brilhante. É de
lamentar, apenas, que tivesse sido entre irmãos, que se tivessem perdido tantas
vidas preciosas numa luta que se teve o característico dos grandes feitos
heroicos, não deixa de ser lamentável, sob todos os pontos de vista”.
NOTA: Publicado
no jornal O Acre, edição 153 de 1932.
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