Por Pe. Sidney
Augusto Canto
Com a vinda
dos povos africanos, a música regional ganhou um toque mais lúdico do que
religioso. O Século XIX viu nascer, por influência da cultura africana, os
folguedos, como as danças de boi-bumbá e cordões de pássaros. Duas datas eram
importantes momentos de realização dos folguedos: Natal e Festas Juninas
(principalmente as de São João). Uma das principais contribuições, sem dúvida,
é o folguedo de Boi-Bumbá (vede neste livro um texto sobre esse assunto).
Outro folguedo
junino muito apreciado eram os cordões de pássaros. Na época de Natal outro
auto pastoril era marca presente na sociedade santarena, tratava-se das
“Pastorinhas”. E diversos outros folguedos que existiam na cidade. Alguns
criados aqui e que representavam a criatividade local. Maiores informações sobre boi-bumbá, pássaros, pastorinhas
e outros folguedos, vide a obra “Os
primórdios do Teatro em Santarém”, de minha autoria.
Mas voltemos
aos meados do século XIX. Corria o ano de 1848... Santarém vivia os seus
últimos dias como Vila quando aqui chegaram as notícias informando a nomeação
do Dr. Bernardo de Souza Franco como Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros do Império. Seus amigos santarenos organizaram então um
pomposo festejo, que ocorreu no dia 15 de Agosto de 1848.
A comissão que
organizou (e que também bancou) a dita festa era assim composta: Cônego
Raimundo Antônio Fernandes (Vigário Geral e Pároco de Santarém), Agostinho
Pedro Auzier (Juiz Municipal e de Órfãos), Capitão Antônio Joaquim Deniz
(Comandante Militar), Miguel Antônio Pinto Guimarães (4º Suplente do Delegado
de Polícia), Adrião Xavier de Oliveira Tapajós (Subdelegado de Polícia) e Antônio
de Oliveira da Paz (Promotor Público).
O fato
interessante é que o ato religioso, que foi presidido pelo Pároco Antônio
Fernandes (que teve o auxílio de seu irmão Padre João Antônio Fernandes,
vigário de Vila Franca e do Padre Paulino José dos Santos Már) tendo a presença
de um Coral que, acompanhado de instrumental, cantou o hino sacro “Te Deum”.
A regência do
mesmo estava a cargo do sr. Bento Manoel de Carvalho Pinheiro, professor de
Latim da Vila de Santarém. Até às 3 horas da madrugada seguinte, uma banda de
música percorreu as ruas da Vila (que fora devidamente “iluminada” para a
ocasião), e, entre as músicas se ouvia o som dos “Vivas” a Sua Majestade, o
Imperador, e seu Ministério, especialmente ao recém nomeado Ministro, “amigo de
Santarém”. Este fato foi registrado em um jornal da capital e é uma das
notícias mais antigas que temos da presença de um Coral e Banda na Matriz de
Santarém.
Pouco tempo
depois, em 1849, ao passar por Santarém, o naturalista Henri Walter Bates,
faria a seguinte descrição do gosto musical reinante na agora cidade de
Santarém. Eis o que nos diz:
O povo de Santarém é tão festeiro quanto o das
outras partes da província; parece, entretanto, que cada vez mais fica em voga
substituir as diversões mais racionais pelas procissões e as grotescas
encenações dos dias santos. Os jovens são grandes apreciadores da música, e os
instrumentos que eles tocam são a flauta, o violino, o violão e um pequeno
instrumento de cordas chamado cavaquinho. Nos primeiros tempos de minha estada
em Santarém, um pequeno grupo de músicos, liderado por um mulato alto, magro e
andrajoso, que demonstrava um grande entusiasmo por sua arte, costumava fazer
serenatas para os amigos nas amenas noites de luar, tocando marchas francesas e
italianas e músicas de dança, sendo muito apreciada a sua apresentação. O
violão era o instrumento preferido tanto pelos rapazes quanto pelas moças, no
Pará; atualmente, porém, está sendo suplantado pelo piano.
Esta visão de
Bates nos revela uma Santarém animada e com uma diversidade cultural que já era
impressionante aos viajantes do século XIX. De fato, em toda a região do Baixo
Amazonas havia professores de música, que ensinavam não somente o piano, como
também peças clássicas e religiosas para as Igrejas.
A segunda metade
do século XIX, não somente Santarém, mas toda a região do Baixo Amazonas e
Tapajós, viu florescer a cultura musical. Abriram-se escolas de música onde se
aprendia, além do piano e de instrumentos de corda e sopro, o canto coral,
principalmente a música sacra e erudita, cantada nas igrejas matrizes da
Vigararia Geral do Baixo Amazonas.
Nesse tempo,
com o advento do revanchismo político entre liberais e conservadores, a cidade
de Santarém contava com dois grupos musicais, patrocinados pelos partidários
políticos, que abrilhantavam as atividades políticas, cívicas e sociais
promovidas pelos integrantes de um ou outro partido. Um desses grupos chegou ao
início dos tempos da República: o “Club
Muzical Santarém”, que em 1890 recepcionaria o primeiro governador
republicano a visitar a cidade: o dr. Justo Chermont (vede capítulo sobre esse
assunto neste livro).
Foi nesse
cenário musical que começaram a surgir as primeiras composições locais. Somos
sabedores que uma das filhas do Barão do Tapajós, eximia musicista e pianista,
era também compositora. Trata-se de Ana de Jesus Correa que, entre outras obras
podemos citar o passo dobrado Paes de
Carvalho, a polka para piano intitulada Lauro Sodré e a valsa 2 de
julho, ambas com partituras a venda na casa dos senhores José Mendes Leite
& Cia, na capital paraense, em idos de 1896. Infelizmente, o nome desta
santarena é esquecido dos anais da história da música local, havendo poucas
pesquisas ou tentativas de resgate de sua obra musical.
Para os
momentos cívicos, hinos e marchas. Para as festas e bailes, as polkas e valsas.
Nas ocasiões de carnaval (ainda chamado popularmente de entrudo) algumas
marchinhas e também batuques africanos animavam os brincantes de rua, muitas
vezes vigiados pelo corpo de polícia que, apesar das diversas proibições, não
conseguia conter a realização de tais festas.
E assim,
muitos músicos iam contribuindo para a construção de uma musicalidade
santarena, entre os quais destacamos Francisco Assis dos Santos Filho, mestre
de música e maestro da “Philarmonica Santarena”, que aqui existia quando chegou
o maestro Agostinho Fonseca. Interessante seria analisar a rivalidade existente
entre a já citada banda santarena e o conjunto fundado pelo Maestro José
Agostinho, denominado “7 de Dezembro”, banda essa que foi taxada de
“maxixeira”, por tocar o “maxixe”, enquanto a primeira preferia seguir as
tradicionais valsas e polkas. Outro músico de destaque, que também era maestro
e compositor, no início do século XX, era o professor Raymundo Fona, que animava,
com seu conjunto, os bailes nas casas e clubes da cidade, bem como o
entretenimento que vez ou outra acontecia no Teatro Vitória.
Foi esse
caldeirão musical efervescente que acolheu, em 1906, o jovem José Agostinho da
Fonseca, que aqui contraiu matrimônio com Anna Dias da Fonseca, nascendo deste
casamento seus filhos: Wilson (Isoca), Maria Anita, Wilmar, Adail e Wilde
Fonseca, que se tornaram uma família de referência musical na recente história
da música santarena.
Como muito já
foi (e continua sendo) escrito sobre a musicalidade moderna nos últimos cem
anos, principalmente com o advento da vinda de José Agostinho da Fonseca para
Santarém (e aqui, faço um parêntese para indicar a leitura da obra de Wilmar
Dias da Fonseca, que tem como título “José
Agostinho da Fonseca, o Músico Poeta”) e, posteriormente com o trabalho de
seu filho, o maestro Wilson Dias da Fonseca (abro novo parêntese para indicar
como leitura a obra de Vicente José Malheiros da Fonseca: “A Vida e a Obra de Wilson Fonseca”), deixo por aqui esta modesta
contribuição, esperando que os novos pesquisadores e historiadores aceitem o
desafio de continuar o resgate da história musical dos séculos da vida
artística em Santarém. Uma história que deve muito ao passado e que hoje
caminha para um futuro promissor.
NOTA: O
presente artigo se encontra publicado na obra “Santarém: História e
Curiosidades – Volume 03 (2016)”. A foto que o ilustra é da “Philarmonica
Santarena”, grupo musical do início do século XX, tirada em 1908.
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