Ao extinguir as
missões religiosas e transformá-las em paróquias, diretamente sujeitas à
jurisdição do Bispo do Pará, Dom Frei Miguel de Bulhões, os religiosos,
principalmente jesuítas e franciscanos, opuseram-se veementemente às ordens do
governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Foi o estopim para que o mesmo
prendesse e deportasse para o Reino alguns dos padres revoltosos. Foi a segunda
expulsão de padres missionários no Grão Pará e prévia da expulsão definitiva
que viria dois anos depois. Na lista, constam alguns dos missionários que trabalhavam no Baixo Amazonas e Tapajós. Apesar de não haver indicação do nome, o destinatário
da carta abaixo (onde Mendonça Furtado expõe os “crimes” pelos quais os
religiosos são deportados) é o Ministro Secretário de Estado Tomé Joaquim da
Costa Corte-Real. Eis o texto:
“Ilmo. e Exmo. Sr.
Depois de receber as Reais Ordens de Sua Majestade vindas
nesta Frota sobre o extraminio (sic) do Padre Visitador da Companhia e dos
Padres Manoel dos Santos, Luiz Gomes, Anselmo Ekarte e Antonio Meysterbourg, e
sendo aqui notório, os abomináveis excessos a que se tinham conduzido outros
muitos Regulares, cujo orgulho se devia fazer conter pelas más consequências,
que se podiam resultar assim ao serviço de Deus como ao de Sua Majestade da
Liberdade, que tinham tomado estes Religiosos, e do pouco respeito que tinham
tomado as suas reais ordens. Convoquei uma junta em casa do Bispo, com os
Ministros, e apresentando nela, não só novas reais ordens, mas a outra carta
firmada pela real mão de Sua Majestade datada de 4 de agosto de 1755, que
expressamente compreende aos Regulares desobedientes e absolutos, propus, que
sendo notórios e públicos os insultos que os ditos Regulares tinham cometido,
se deixa assentar quais erão positivamente compreendidos naquelas reais ordens,
para serem extraminados (sic) em observância delas.
Uniformemente se assentou depois de ponderados a maior
parte dos fatos acontecidos, que os que infalivelmente se deviam embarcar para
o Reino, como compreendidos naquelas reais ordens, eram os nomeados no termo,
que se tomou de que remeto a vossa Excelência a copia debaixo do número 1º
pelas causas nele expressadas, cujos nomes irei referindo a vossa excelência
pela sua ordem:
O 1º é o Padre Domingos Antonio, que era Reitor do
Colégio desta Cidade pelo insultante e escandaloso protesto, que me fez, na
resposta ao aviso, que lhe mandei para dar nas Povoações do Crussá e Mamayacú
(sic), as mesmas providencias, que tinha dado o seu Visitador nas mais
Povoações desta Capitania, cuja negociação participei já a Vossa Excelência nas
duas Cartas de 20 do corrente nas quais dei conta a Vossa Excelência largamente
desta matéria.
O 2º é o Padre Luiz de Oliveira, o qual aqui era o
Procurador das Missões e Missionários da Aldeia do Guaricurú, que hoje é vila
de Melgaço, que devendo sair daquela Povoação a roubou tão escandalosamente,
que até lhe vendeu o gado que havia nela, e as Canoas com que se deveria
servir, chegando até ao excesso de furtar da Igreja a Custódia em que se expunha
o Santíssimo, e umas vestimentas preciosas, o que tudo consta aqui, que o Padre
Visitador adjudicou ao Colégio de Tapuytapera, e sobre estes insultos, deixou
umas perniciosíssimas práticas aos Índios, com as quais se meteram no mato, e
tem custado um grande trabalho o faze-los voltar para a Povoação, para a qual
tem vindo muita parte deles, e vão chegando todos os dias os mais.
Este Padre era um dos mais hábeis homens de negócio, que
aqui se conhecia, e tendo curtíssimo talento e ainda menos Letras só para aquele
exercício tem grandíssima aptidão.
O 3º é o Padre Manoel Affonso, que também vendeu o Gado
da Povoação em que se achava, que era a Aldeia de Arucará, e hoje Vila de
Portel, e ele com o seu companheiro o Padre Joaquim de Barros de que abaixo
falarei, introduziram quase as mesmas práticas aos Índios, que também não tem
custado pouco a desvanece-los.
O 4º é o Padre Lourenço Kaulin, Missionário que era da
Aldeia de Piraviry, e hoje Vila de Pombal, de cujo procedimento Vossa
Excelência estará já bem informado pela carta, que ontem lhe escrevi a respeito
da conduta que ele teve na despedida da sua Aldeia, e pelos fatos que ele nela
referi conheceria Vossa Excelência plenamente que este chamado Religioso era um
verdadeiro Regulo, e absoluto sendo este o caráter, porque aqui notoriamente
conhecido, e como tal sumamente prejudicial nesta conquista.
É o 5º o Padre Luiz Alvares, o qual ao menos
interiormente defendeu sempre a Liberdade dos Índios contra muitos votos da sua
Religião, e o que constantemente sempre afirmou que tudo o que havia nas
Aldeias era daquele Comum, agora porém que houve de sair da dos Tapajós que
hoje é Vila de Santarém, cometeu o sacrilégio insulto de ir às Imagens
Sagradas, que estavam nos Altares, e tirar-lhe os resplendores de prata, para
os trazer para o Colégio os quais lhes foram tomados na Fortaleza de Gurupá,
cujo comandante nos remeteu aqui e eu os entreguei ao Bispo para os fazer
restituir àquela nova Paróquia às mesmas Sagradas Imagens.
Também consta aqui, que repartiu algumas Imagens por
índios seus conhecidos em cujas casas não podem ter veneração alguma, pela
miséria e penúria em que vivem todos, sem haver uma casa desta gente, em que
haja um lugar para aquelas Imagens terem algum gênero de culto.
Este miserável Religioso sem embargo de fazer estes
distúrbios merece alguma compaixão, não só pelos seus anos, mas por se achar
estoperado(sic), e cheio de misérias pelas quais se lhe fará a viagem sumamente
penosa.
O 6º é o Padre Joaquim de Carvalho, Missionário que era
da Aldeia de Santo Ignácio e hoje Vila Boim, que se resolveu a cometer a
sacrílega temeridade, de não só roubar da Igreja de que uma Custódia, dois
Cálices, e duas Patenas, mas passar ao excesso de os meter entre uns trapos em
uma frasqueira velha, e indigna, a qual por ir entre uns móveis tão indignos
como ela parar, por engano, à mão do Tesoureiro Geral dos Índios, a mandou
lançar em um quintal, e dando-se-lhe dai a uns dias parte de que a tal
frasqueira pesava mandou examinar o que tinha dentro e achando aqueles Sagrados
vasos deu parte ao Provedor da Fazenda Real, e participando-me esta matéria
aquele Ministro, o fiz logo saber ao Prelado desta Diocese pela carta de que
remeto a Vossa Excelência a cópia debaixo do número 2º, e da resposta que tive
do dito Prelado, mando igualmente a resposta no número 3º.
Esta Frasqueira não quis o Padre mandar na canoa daquela
povoação, e a remeteu a Vila de Alter do Chão, ao Missionário que ainda se
achava nela, entre cujos moveis apareceu, constando porém plenamente sem a
menor duvida a Povoação de que vinha remetida, e de quem tinha cometido aquele
excesso.
Todos estes Religiosos se desculpam dizendo que o seu
Prelado lhes tinha passado ordens para assim obrarem; porém como isto é fato
para eles particular, só constará nos claustros da sua Religião.
O Sétimo é o Padre João Daniel, que depois de em uma
sexta-feira da quaresma tomar a liberdade na minha presença e na do Bispo de
fazer uma Exclamação, dizendo, que Anaz e Caifaz (sic), faziam a sua vontade, e
que os Apóstolos de Cristo estavam a dormir, seguindo esta ideia com expressões
bem claras do fim a que se dirigiam, passou depois ao excesso de andar dizendo
por esta Cidade, que não sabia como havia quem me absolvesse, chegando a tomar
a liberdade de ir tomar uma satisfação ao meu confessor, dizendo lhe que não
compreendia, o como ele me absolvia, quando eu estava fazendo violências
públicas às Comunidades, a cuja ousadia lhe respondeu aquele Religioso com a
modéstia e gravidade, que devia.
Estas práticas feitas a um Povo rústico, e na ocasião em
que estava para se publicar a Lei das Liberdades a qual naturalmente se havia
de fazer desagradável a estas miseráveis gentes, bem compreende Vossa
Excelência as perniciosíssimas consequências que se podem seguir e que por isso
era necessário evitá-las, e fazer sair daqui a este precipitado religioso.
O oitavo é o Padre Joaquim de Barros, que é um moço
louco, arrebatado e sumamente atrevido, o qual depois de me vir insultar à
minha casa descomedidamente publicando-se depois a Lei das Liberdades, e o
breve do Sumo Pontífice, que igualmente as defendia, entrou a dizer que a
excomunhão imposta pelo Sumo Pontífice não ligava naquele caso, e que ele tinha
estudado bastantemente para dar a verdadeira inteligência àquela Bula, e que se
guardassem eles da minha excomunhão, isto é, da violência que eu fazia, que da
do Papa ele os defenderia, espalhando esta Doutrina no Povo e até tomando a
Liberdade de entrar nas outras Comunidades para a estabelecer, e fazer em
consequência desta forma, odiosa, não só a justíssima Lei de Sua Majestade, mas
até a declaração do Sumo Pontífice.
A esta espécie de atrocidades, pertence a que deve
participar a Vossa Excelência que cometeu o Padre Antonio Maysterbourg, o qual
devendo sair da Aldeia dos abacaxis que hoje é Vila de Serpa, adiantou uma
canoa carregada de cacau, e devendo visitar-se na Fortaleza do Gurupá, se
acharam entre o mesmo cacau Imagens, que com o suadouro que tomaram naquele
indigníssimo lugar, chegaram a esta Cidade tão indecentes, como a Vossa
Excelência há de constar pela conta, que creio dará sobre estas matérias o
Bispo desta Diocese, acrescendo, entre outros insultos, mais este Sacrilégio a
este Religioso sobre os que foram presentes à Sua Majestade, e pelos quais o
dito Senhor foi servido mandá-los sair dos seus domínios.
Sendo estes os Religiosos da Companhia, que por hora se
assentou, que deverão sair deste Estado, e sendo também notórios os insultos
dos de outras Comunidades, constará a Vossa Excelência do dito termo que pelo
que respeitava à Província de Santo Antônio deverão sair os Religiosos que vou
a participar a Excelência:
O Primeiro é o Padre Frei Vital de Santa Anna, o qual foi
Guardião deste convento e agora era missionário da Aldeia de Orubucoara (sic),
que hoje passou a ser Vila de Outeiro (hoje Prainha) e constando-lhe das novas
ordens, que havia para se receberem os efeitos pela Provedoria da Fazenda Real,
deu as suas providências em forma que toda a salsa que tinha mandado extrair do
mato, a mandou repartir pelos que estavam nas vizinhanças desta Cidade, com
ordens para que parte dela se desse ao seu Prelado, e a outra para se vendesse
às escondidas do mesmo Prelado, e de mim para se empregar o seu produto em
aguardentes, contravindo assim as positivas ordens que havia para aquela arrecadação.
Este religioso não tem talento algum, em muitas vezes
gasta mais aguardente da terra, do que lhe era permitido ao seu Estado.
O segundo é o Padre Frei Antonio de São Joaquim, o qual
era Missionário do Paru, que hoje é Vila de Almeyrim, que devendo sair da dita
residência deixou aos Índios as torpíssimas, e abomináveis práticas, que a
Vossa Excelência há de fazer presentes o Bispo, porque a ele lhe foram notórias
estas noticias.
Este Padre é sumamente malicioso, tem grande reserva e é
necessário muito cuidado com suas práticas, não lhe faltando também o ser
precipitado.
Da Província da Piedade vão os quatro que vou a referir a
Vossa Excelência.
O 1º é o Padre Frei Simão da Vila Viçosa, que sendo
Missionário da Aldeia de Iamundás (sic), e hoje Vila de Faro, constou que tinha
cometido a ímpia e bárbara resolução de concorrer com as suas práticas para que
os Índios que novamente estavam descidos naquela Povoação tornassem a fugir
para os Matos, inabilitando-os para conseguirem a salvação de suas almas pelo
meio das saudáveis Águas do Batismo.
Este religioso não tem talento algum, tem porém a malícia
que lhe sobeja para fazer contratos públicos, e outras desordens semelhantes.
O segundo é Frei Francisco de Lisboa, que devendo entrar
um clérigo por Pároco na Vila de Porto de Mós, que até agora era Aldeia de
Maturú em que ele estava por Missionário, fez na ocasião da posse que tomou o
novo Pároco uns poucos de protestos indecorosos e irreverentes, contra as reais
Leis de sua Majestade chegando ao extremo de pedir vista daquele ato, e
rompendo em outras proposições igualmente escandalosas, e blasfemas.
Não me admiraram nenhum dos excessos em que rompeu este
Padre quando lhe conheço perfeitamente o caráter, porque é um homem velho,
criado com as prostituições em que aqui viveram sempre e acrescentando aquelas
miseráveis ideias com o desacordo em que repetidíssimas vezes opõem o uso da
aguardente vício predominante, e quase geral em todos os Religiosos desta
Província, que se acham destas partes.
O 3º é Frei José de Borba, que achando-se Missionário na
Aldeia do Cametá, e hoje lugar Azevedo, não só desviou as canoas, e mais
algumas alfaias, que pertenciam àquela Povoação, mas chegou ao excesso de se
meter com umas poucas de Índias no Mato a tirar castanhas de Andiroba para
fazer azeite atacando o novo Diretor que eu tinha mandado para o mesmo Lugar, e
fazendo outra quantidade de insultos totalmente opostos a religiosa vida que
professa, mas mui conforme ao seu regular procedimento porque é um dos mais
absolutos, e arrogantes Padres que passaram a este Estado.
O 4º é Frei Joaquim de Evora, que estava por Missionário
na Aldeia de Gurupatuba, e hoje Vila de Monte Alegre, o qual desviou tudo o que
pôde dos bens pertencentes àquela Igreja, e Povoação com um modo absoluto, e
descomedido.
Este Religioso também não tem talento algum, e nas
imaginações convém inteiramente com os seus Companheiros.
Da Província da Conceição se assentou, que fosse o Padre
Frei Mathias de Santo Antonio, Mestre atual, que era no Convento do Maranhão,
porque contou que ele a principal causa do seu Padre Guardião fazer os
irreverentes e indecorosos protestos de que a Vossa Excelência dei conta pelo
Hyate para com elas embaraçar daquela parte a execução da Lei do Governo
Temporal das Aldeias.
Agora me consta, que depois que viu extraminado(sic) o
seu Padre Guardião, e o Reitor do Colégio daquela Cidade, tem querido virar a
vila para se meter com o Governador, e lhe tem dado bastantes noções da sedição
que naquele tempo estava urdida, porém o seu gênio orgulhoso é tão conhecido
que até os seus mesmos Religiosos me tem certificado que em toda a parte em que
ele assistir, há de haver sem dúvida algumas desordens, e inquietações
continuas.
Estes são os Religiosos que por ora vão para esse Reino à
ordem de Sua Majestade, e se houvessem de ir todos os que tem entrado nestas
infames e perniciosíssimas ideias, nem tinha cá Navios bastantes para os
conduzirem, nem seriam muitos os que cá ficassem porque são raríssimos, os que
não convém nelas, e os que cuidam em exercitar o seu sagrado instituto e
satisfazerem a obrigação de Religiosos como devem. Deus Guarde a Vossa
Excelência muitos anos.
Pará, 22 de outubro de 1757.
Francisco Xavier de Mendonça Furtado”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário