sexta-feira, 19 de maio de 2023

Os primeiros juízes da Comarca de Santarém

 


No ensejo das comemorações da adesão do Pará ao Império do Brasil, o Conselho da Província do Grão-Pará criou, em 12 de outubro de 1823, uma comarca com sede na então Vila de Santarém. O objetivo era conter as recentes crises e revoltas que antecederam a adesão do Pará à Independência do Brasil. Este ato, logo em seguida, seria invalidado, pois se entendeu posteriormente que tal comarca só poderia ser criada com consentimento da Assembleia do Império. Ao longo de uma década, se esperou a criação da comarca. O que viria acontecer, de fato, após a realização da Sessão Ordinária do Conselho de Governo da Província. Foi então que, no dia 21 de maio de 1833 é criada a Comarca de Santarém, abrangendo toda a região do Baixo Amazonas paraense.

Criada a comarca, não terminaram os problemas para que ela viesse a ser provida de um juiz que lhe desse pleno vigor no anseio de defender a justiça. Vejamos alguns desses problemas.

 

O primeiro juiz que desistiu da comarca

Ainda na reunião do Conselho de Governo, que ocorreu entre os dias 10 a 17 de maio de 1833, ao se discutir a proposta da criação de uma comarca para o Baixo Amazonas, com sede em Santarém, também começava a discussão sobre quem poderia tomar as rédeas da comarca recém criada.

Naquele tempo, poucos eram os brasileiros natos formados em direito e, poucos ainda os que gostariam de assumir uma comarca no interior da província do Grão-Pará. Na verdade, ao longo do século XIX, alguns dos juízes que foram nomeados ou não assumiam a comarca, ou desistiam dela após pouco tempo de posse. Alguns a viam não com muita dignidade, pois afirmavam que ser enviado para a comarca de Santarém, tão longe de tudo e de todos, não era promoção e sim um castigo.

Assim, após várias consultas políticas, foi nomeado a 31 de maio de 1833, o primeiro juiz para a comarca de Santarém. Tratava-se do Dr. José Mariano de Azevedo, homem bem quisto pelo governo do Grão-Pará, e formado em direito. Não sabemos ao certo por qual motivo o Dr. José Mariano se recusou a assumir a comarca. Uma hipótese, que é a mais plausível, é que não poderia o governo provincial nomear um juiz para a comarca criada, cabendo ao governo imperial essa prerrogativa. Assim sendo, o juiz de direito nomeado tenha, conhecendo a lei, recusado sua nomeação. O certo é que, do Pará, o mesmo foi para o Maranhão, onde assumiu a função de Chefe de Polícia, na capital daquela Província.

 

O primeiro juiz que assumiu a comarca interinamente

Criada a comarca, a mesma não ficou sem juiz. Sabemos que em 1834 a mesma era dirigida interinamente pelo então juiz municipal, Agostinho Pedro Auzier. Membro de uma das nobres famílias da Vila de Santarém, Agostinho era irmão do primeiro presidente da Câmara Municipal de Santarém, o padre Raimundo José Auzier, que foi quem o elevou à condição de juiz municipal, durante o seu mandato como vereador (1829-1832).

Foi Agostinho Pedro Auzier quem estava à frente da comarca quando da primeira invasão cabana à Santarém, ocorrida em 03 de agosto de 1834. Seu ofício, datado de 07 de agosto seguinte, é assinado por ele como “Juiz Municipal e de Direito interino”. Assim como outros documentos da época. Nesta ocasião, sua perspicácia jurídica garantiu que a revolta fosse contida sem nenhum derramamento de sangue e com a expulsão de alguns portugueses ou simpatizantes dos mesmos, o que serviu para acalmar a revolta e fazer com que todos voltassem aos seus sítios.

Agostinho foi um dos ferrenhos defensores da legalidade, se posicionando contra o movimento revolucionário cabano. Contudo, durante a repressão desencadeada por Soares d’Andrea contra os cabanos, o primeiro juiz interino da comarca de Santarém foi preso, a bordo do patacho “Januária” sob a acusação de ser cabano ou de dar coito aos rebeldes.

 

O primeiro juiz de fato e de direito

Ainda enquanto o juiz interino, Agostinho Auzier, estava à frente da comarca, é nomeado pelo Ministério da Justiça do governo regencial do Império, no dia 30 de junho de 1834, o seu primeiro juiz de direito, na pessoa do bacharel em Direito, o dr. Joaquim Rodrigues de Souza.

 

Ao chegar ao Pará, no início do ano seguinte, encontrou a cidade de Belém no auge da revolta dos cabanos. Ele estava presente na sessão que deu posse ao governador cabano Felix Antônio Clemente Malcher, reconhecendo seu governo e assinando a ata de sua posse, a 09 de janeiro de 1835, ao lado do vigário geral do Baixo Amazonas e deputado provincial, padre Raimundo Antônio Fernandes.

Foi justamente o governo de Malcher que reconheceu suas credenciais como juiz nomeado para a comarca de Santarém e lhe assinou os papéis que garantiam a sua posse nesta função. Interessante que o primeiro juiz da comarca tenha suas credenciais reconhecidas pelo governo cabano de Malcher e, tão logo chegasse e assumisse a comarca que lhe fora entregue, se colocasse a favor do governo legal e não medisse forças para combater os cabanos, fazendo diversas reuniões com as lideranças da Vila de Santarém e elaborando planos de defesa contra os possíveis ataques dos rebeldes.

Seus esforços pareceram em vão. Aos poucos via que suas medidas protetivas eram sabotadas por pessoas em quem ele confiava. Pessoas essas como Antônio Maciel Branches e Miguel Antônio Pinto Guimarães, que estavam junto ao juiz ajudando nos elaboração de planos e ações contra os rebeldes em 1835 e que, no ano seguinte, se colocaram contra o magistrado e tramaram um plano para o assassinar. Só não foi morto porque fugiu às pressas, exercendo suas funções de juiz fora da sede de sua comarca.

Passadas as conturbações e retomada a vila de Santarém (então chamada de Vila de Tapajós) pelas forças legais, voltou o juiz da comarca para a sua sede, tornando-se responsável por restabelecer o direito e a justiça em tempos conturbados, em que se via lutando a favor da legalidade. Apesar de ter suas credenciais suspeitas pelo governo de Soares d’Andrea, acabou por ganhar a confiança deste e continuar em seu cargo ajudando na repressão aos cabanos.

Saindo da comarca, assumiu as funções de juiz na comarca de Cametá e chegou a ser nomeado chefe de Polícia da província do Grão-Pará. Entretanto, a política entrou em seus planos de vida. Sendo eleito deputado para a Assembleia Provincial, foi o primeiro juiz de Santarém que enveredou pelo mundo da política...

 

OBS: Na foto, celebração dos 190 anos da comarca de Santarém, ocorrido na Câmara Municipal de Santarém no dia 18 de maio de 2023.

Nenhum comentário:

Postar um comentário