quinta-feira, 23 de março de 2023

Documentos da Cabanagem: Ofício sobre a tomada de Ecuipiranga pelas forças legais em 1837.

Abaixo transcrevemos o ofício do Comandante Antônio Firmo Coelho sobre a tomada do quartel cabano em Ecuipiranga. Apesar de o ataque ter iniciado em 10 de julho, Ecuipiranga só foi tomada pelas tropas legais nas primeiras horas do dia 12 de julho de 1837. Este ofício também está publicado no livro “Pequena cronologia da Cabanagem no Baixo Amazonas e Tapajós” (2019. Imagem ilustrativa da cabanagem feita pelo desenhista Denilson Borges.

 


Ilmo. e Exmo. Sr.

Em data de 13 do corrente, tive a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. o feliz resultado do ataque de Ecuipiranga; mas como o não relatei com todas as circunstâncias por não ter ainda recebido participações Oficiais, agora o faço com todas as particularidades. A força de Óbidos, reunida no Lago Grande, disposta convenientemente atacou aquele ponto, tanto pela parte do Lago do Veado, como pelo lado do Regis Batista; neste lugar a nossa força desembarcou sem ter recebido um só tiro: mas tendo esta de avançar logo que reconhecesse que a força do Lago do Veado se achava próxima, isto verificado, corajosamente investiram a eminente subida, onde os rebeldes tinham a primeira trincheira; antes de chegar a ela, os malvados, emboscados pela estrada, empregaram seus tiros com segurança. O capitão Ambrósio Pedro Ayres que havia chegado na véspera, 9 do corrente, com o comboio do Rio Negro, tendo desembarcado com a gente do seu batelão, e das canoas, com intrepidez e valor, sustentou o fogo a peito descoberto, e conseguiram cavalgarem a primeira trincheira: nesta ocasião houveram bastantes feridos. Honório, comandante da força que marchou pelo Lago do Veado, foi ferido mortalmente; nada disto obstou a que com o mesmo valor fossem seguindo o caminho ao Ecuipiranga, sofrendo sempre tiros certos das emboscadas; foi preciso tomar segunda trincheira, para então chegar a do Ecuipiranga. Neste intermédio, o Brigue Brasileiro, em frente do ponto acima, sustentou um vivo fogo; e sendo participado ao seu Comandante que a gente já se achava cansada, e falta de munição, fez logo desembarcar mil cartuchos e vinte praças comandadas pelo 2º tenente Geraldo João Damazio de Souza Freire, as quais apenas chegaram à terra, o fogo renovou com a trincheira do ponto, porém a proximidade da noite veio por termo a que se pudesse continuar e a força de bordo retirou-se.

Pelo lado de Carariacá, a força que daquela parte tinha desembarcado, a reunir-se com a gente vinda do Rio Tapajós, onde se achava a Escuna Dezenove de Outubro, vieram batendo por aquele lado os rebeldes, que em pequenos pontos se achavam, porém estes sempre em retirada a reunirem-se ao Ecuipiranga; com a noite os rebeldes quiseram evadir-se por mar, mas o fogo que sofreram dos pontos onde tentaram embarcar-se, fez com que eles abandonassem este projeto, contudo, quase de madrugada, efetuaram a fuga pelo interior do mato, abandonando completamente o ponto forte de Ecuipiranga, que foi logo ocupado pela nossa gente. Verificou-se o que constava de eles terem pouca munição; pois somente estavam municiados a dois e três cartuchos: eles eram em grande quantidade, e seus tiros de emboscada eram feitos com toda a certeza, que bastante estrago fizeram na nossa gente, tendo havido oito mortos, inclusive um soldado do 2º Batalhão de Caçadores, dos que foram a bordo da Escuna Dezenove de Outubro, e oitenta e oito feridos, alguns dos quais já tem falecido, não contando outros com bagos de chumbo, que continuam no serviço.

A Escuna Dezenove de Outubro, colocada em frente à Capela de Ecuipiranga, no Rio Tapajós, com o vivo fogo de sua artilharia, e com a gente que desembarcou, muito contribuiu para a destruição de Ecuipiranga. Este ponto, pelo seu local e fortificado como estava, parecia inconquistável. Na parte mais elevada da montanha de Ecuipiranga, em uma grande e quadrada planície entrincheirada de todos os lados, muitas casas dispostas com alguma simetria, e formando diversas e bem alinhadas ruas, faziam uma grande Vila, a que os rebeldes chamavam: o seu invisível BADAJOZ. Desde este lugar até a praia, 3 fortes e bem dispostas trincheiras defendiam o grande ponto; um pequeno trilho por onde só a um de fundo se podia andar, e com os lados cheios de estrepes até beira mar, era o único caminho que havia, e além disso tão eminente, que com dificuldade se podia trilhar; no entanto, que os rebeldes cobertos com as trincheiras, bastante maltrataram a nossa gente, mas apesar de se acharem tão bem defendidos, e da forte resistência que fizeram, não puderam resistir à força legal: o grande Ecuipiranga está reduzido a cinzas, e pode-se dizer que todo o Amazonas está restabelecido, pelo muito que influía este ponto. Resta-me agora fazer ciente a V. Exa. dos bons serviços prestados pelas guarnições dos Navios de Guerra, e Tropa, que cooperaram para o restabelecimento do Ecuipiranga; e com particularidade dos Comandantes do Brigue Brasileiro e Escuna Dezenove de Outubro. O capitão tenente Francisco Manoel Barroso, Comandante do Brigue Brasileiro, prestou-se com a coragem que não lhe é estranha, o Brigue do seu comando sempre se achou nos pontos mais arriscados, e onde maior dano podia fazer ao inimigo; seus tiros bem firmados levavam sempre o estrago aos rebeldes, e toda a sua tripulação à vista de um tão digno Chefe disputavam a sorte de serem mandados para terra.

O segundo tenente Fernando Lázaro de Lima, Comandante da Escuna Dezenove de Outubro, que pelo seu valor e atividade, bem conhecido é no Amazonas, não cessando de perseguir os rebeldes, em qualquer ponto onde eles se achavam, e que bastante prejuízo lhes fez não só na gente, como no seu entrincheiramento, e casas: ultimamente saltando em terra, à testa da Marinhagem, e Tropa, e acometendo-os com uma coragem decisiva, muito concorreu para os felizes sucessos deste dia, os serviços que este Oficial tem feito durante a luta do Sertão não devem ficar no silêncio: ele tem sido sempre o terror dos rebeldes, e em toda a parte os tem derrotado: suas Comissões sucessivas tem sempre sido bem desempenhadas, e bem longe de se escusar a serviço algum, é o primeiro a oferecer-se para as empresas mais arriscadas; ocorre mais o ter adquirido perfeito conhecimento de todos os Rios e portos ; e que por isso polpa a dificuldade que as vezes se encontra quando se procuram práticos, e ultimamente acaba de fazer um grande serviço à Nação, trazendo de Ecuipiranga quantidade de mandioca apanhada aos rebeldes, pela Guarnição da sua Escuna, da qual vou mandar fazer farinha para fornecer à força de mar e terra. Estes dois oficiais tornam-se dignos da atenção de seus Superiores, e por isso é do meu dever recomendá-los a V. Exa.

Deus guarde a V. Exa. Bordo do Patacho Januária, surto em Santarém, 19 de julho de 1837.

(Ao) Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco José de Souza Soares d’Andrea, Presidente e Governador das Armas da Província.

(Assina) Antônio Firmo Coelho, Capitão Tenente e Comandante.

Está conforme.

Bernardo Joaquim de Matos, secretário do Governo. 

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