terça-feira, 3 de março de 2020

Sobre a Igreja Matriz de Monte Alegre (Parte 03 - Final)


Por Pe. Sidney Augusto Canto

 As descrições de abandono das obras da Igreja Matriz começam a mudar a partir do ano de 1860. Naquele ano, o presidente da Província do Pará, dr. Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, em uma viagem pelo interior da Província, realizado entre os dias 20 de março e 05 de abril de 1860, à bordo do vapor “Monarcha”, da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, fica sensibilizado pela situação do estado em que se encontrava a edificação da Igreja Matriz, conforme podemos ver em seu relato:

Na Vila de Monte Alegre a necessidade mais imperiosamente reclamada é a construção de uma Igreja, pois que a pequenina capela em que o Vigário celebra a Missa e outros ofícios divinos, acha-se em estado de ruína e ameaça a segurança dos fieis que concorrem a esses atos. Os cidadãos que estavam presentes, quando visitei a Vila, prometeram reparar o alpendre que serve para aumentar o corpo da capela. Acredito que eles cumprirão a sua promessa.
A edificação de uma Igreja de vastas e elegantes proporções foi começada, sendo interrompida em 1830. Esta obra acha-se em estado de perfeita conservação e muito adiantada. Com pouco mais poderá receber a coberta. É minha opinião que apenas os cofres públicos permitirem despesas com a construção de matrizes, seja a nova matriz de Monte Alegre continuada sobre as mesmas linhas e plano da sua primitiva construção.

Naquela época, as igrejas eram construídas não somente pela iniciativa popular. As matrizes eram construções que deveriam ser feitas pelo Império, de acordo com as normas do “Padroado”. A visita realizada em 1860 resultou na colocação de 2:000$000 (dois contos de réis) no orçamento do ano seguinte para a continuação das obras. O trabalho, ao que parece, seguia morosamente e, tudo indicava que não seria concluída tão cedo. Quando a Câmara Municipal da Vila de Monte Alegre faz seu relatório ao Governo Provincial, no ano de 1868, e apresenta as necessidades da Vila, ela coloca o seguinte:

1º. Acabar a construcção de urna Igreja, que ha muitos annos ahi existe paralisada, e que por suas proporções pode servir de Matriz, ao passo que a Capellinha que actualmente serve como tal, além de summamente pequena, pois não tem mais de vinte palmos de extensão, tem na sua frente um alpendre que occupa a rua e que é talvez maior que a propria, Igreja.
2.° Achando-se em completa ruina a casa em que, apezar de acanhadissima, funcciona a Camara Municipal, é da maior urgencia a construcção de outro edificio apropriado ás suas sessões e as do jury.

Ainda no ano de 1868, foi feito o orçamento para o serviço de conclusão das paredes e cobertura do templo, importando em 4:737$515,2 (quatro contos, setecentos e trinta e sete mil e quinhentos e quinze réis). Marcada a arrematação pública para o dia 29 de outubro, não houve quem arrematasse a obra. Remarcada para o dia 19 de novembro, novamente não houve interessados em fazê-la. Em 04 de dezembro do mesmo ano, o governo Provincial mandou colocar novamente em arrematação até que houvesse alguém interessando em concluir a Matriz.

Finalmente, um líder da comunidade local, João Valente do Couto, assumiu a responsabilidade para a construção da nova Matriz de São Francisco de Assis e arrematou a obra da Igreja. Iniciados os trabalhos em 1869, o projeto de construção veio a mudar em 1871, havendo uma ampliação do templo que não estava previsto no contrato inicial. Do Relatório do Secretário Ferreira Penna, podemos ter uma ideia do encaminhamento das obras:

Apenas terminada a subida, tem-se entrado na praça da villa, no meio da qual destaca-se o bello e ainda não concluído o edifício da igreja Matriz que, ao menos em presença das casas em geral medíocres que ficam aos lados, apresenta um porte magestoso que causa certa surpresa a quem pela primeira vez visita esta povoação.
(...) A igreja matriz, obra que faz muita honra aos monte-alegrenses e ao seu espírito religioso, não está ainda concluída; falta-lhe uma pequena parte do arco cruzeiro, a coberta e as obras de ornato.
Desde muitos annos serve de matriz uma podre ermida particular que tem na frente um alpendre maior do que Ella, obstruindo uma parte da praça.

O governo provincial conseguiu dispor, entre os anos de 1869 a 1871, a quantia de 43:520$190 (quarenta e três contos, quinhentos e vinte mil, cento e noventa réis) para, finalmente, concluir a Igreja Matriz dos monte-alegrenses. Para se ter uma ideia, um boi custava, em média, 20 mil réis na época. Isso significa que foi gasto, somente naqueles três anos, o valor suficiente para comprar cerca de 2.175 bois. No entanto, a liderança do arrematante, João Valente do Couto, foi essencial, mais do que o dinheiro gasto, para a conclusão da obra no prazo de apenas três anos, um tempo recorde para o período.

Em 1872, o povo de Monte Alegre pode celebrar a festa de seu Padroeiro, São Francisco de Assis, sob o teto de sua nova Igreja Matriz. Para ilustrar, abaixo transcrevemos as impressões do grande imortal, fundador da Academia Brasileira de Letras, o obidense José Veríssimo que, em 1877, fez a seguinte descrição desse novo templo da terra dos Gurupatuba:

No meio do largo, cercado pelas miseráveis construções que o rodeiam, só um edifício nos chama a atenção: é a Matriz, concluída em 1872.
É para o lugar, em relação com outras que encontra o viajante nessas regiões, um soberbo templo pela grandeza, que maior se torna junto das casas mesquinhas que o circundam.
Pertence a esse estilo de decadência que nos legaram os antepassados, a que alguns chamam de latino-lusitano. A igreja, cujo orago é São Francisco de Assis, compõe-se da parte do altar-mor e corpo da igreja; tem duas torres quadradas e baixas para o reto do edifício; a frente, que olha para o S., com ser um pouco baixa, não deixa de ser imponente, e seria mais bela se as portas de entrada não fossem tão baixas e estreitas, e estivessem mais em relação com as outras partes do templo.
O interior é pobre e pode-se dizer que está por concluir. Um altar-mor sem nenhuma beleza, e seis vãos para altares no corpo da igreja e o côro, eis o que há aí para se ver.
É necessário dizer que a culpa disto não recai sobre o encarregado de fazer essa obra, pois não só a achou começada, como, sendo obrigado a fazer um templo imenso, necessariamente viria a faltar capital para o aformoseamento interior do mesmo.

Como podemos ver no texto do ilustre paraense, a Matriz de Monte Alegre passou a apresentar, a partir de 1872, o aspecto que podemos ver até os dias atuais, conforme a foto abaixo. Ela tinha uma arquitetura simples, mesmo sendo imponente. O interior da Igreja ainda não possuía muita formosura, fato que só iria adquirir ao longo dos anos seguintes, mas já estampava, aos olhos dos viajantes, a grandeza de um dos mais belos templos do interior da Amazônia.



Referências:

AGASSIZ, L. e E. C. Viagem ao Brasil (1865 – 1866). Brasília: Editora do Senado Federal, 2000.

BAENA, A. L. M. Ensaio Corográfico sobre a Província do Pará. Brasília: Edições do Senado Federal, 2004.

BETTENDORFF, J. F. (Padre). Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. 2ª Edição. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves; Secretaria de Estado da Cultura, 1990.

BRANDÃO, D. F. C. (Bispo). Diário das Visitas Pastorais. IN: Memórias para a história da vida do Venerável Arcebispo de Braga. Lisboa: Impressão Régia, 1818.

BRAUM, J. V. M. de. Roteiro Corográfico da viagem que Martinho de Souza e Albuquerque, governador e capitão geral do Estado do Brasil, determinou fazer ao Rio das Amazonas, na parte que fica compreendida na capitania do Grão Pará: tudo em destino de ocularmente observar e socorrer a praça, fortalezas e povoações que lhes são onfrontantes. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XII. Rio de Janeiro: 1849.

CANTO, S. A. (Padre). Regional.doc: A história do Baixo Amazonas e Tapajós registrada em documentos. Santarém: Editora e Artesanato Gráfico Tiagão, 2014.

PENNA, D. S. F. A Região Ocidental da Província do Pará: Resenhas Estatísticas das Comarcas de Óbidos e Santarém. Belém: Typographia do Diário de Belém, 1869.

REIS, A. C. F. Monte Alegre: aspectos de sua formação histórica. Belém: 1949.

VERÍSSIMO, J. Estudos Amazônicos. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970.

WALLACE, A. R. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Belo Horizonte: Editora Itatiaia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

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