Por Pe. Sidney
Augusto Canto
Na Vila de Monte Alegre a necessidade
mais imperiosamente reclamada é a construção de uma Igreja, pois que a
pequenina capela em que o Vigário celebra a Missa e outros ofícios divinos,
acha-se em estado de ruína e ameaça a segurança dos fieis que concorrem a esses
atos. Os cidadãos que estavam presentes, quando visitei a Vila, prometeram
reparar o alpendre que serve para aumentar o corpo da capela. Acredito que eles cumprirão a sua promessa.
A edificação de uma Igreja de vastas
e elegantes proporções foi começada, sendo interrompida em 1830. Esta obra
acha-se em estado de perfeita conservação e muito adiantada. Com pouco mais
poderá receber a coberta. É minha opinião que apenas os cofres públicos
permitirem despesas com a construção de matrizes, seja a nova matriz de Monte
Alegre continuada sobre as mesmas linhas e plano da sua primitiva construção.
Naquela época, as igrejas eram construídas não somente pela
iniciativa popular. As matrizes eram construções que deveriam ser feitas pelo
Império, de acordo com as normas do “Padroado”. A visita realizada em 1860
resultou na colocação de 2:000$000 (dois contos de réis) no orçamento do ano
seguinte para a continuação das obras. O trabalho, ao que parece, seguia morosamente
e, tudo indicava que não seria concluída tão cedo. Quando a Câmara Municipal da
Vila de Monte Alegre faz seu relatório ao Governo Provincial, no ano de 1868, e
apresenta as necessidades da Vila, ela coloca o seguinte:
1º. Acabar a construcção de urna Igreja, que ha
muitos annos ahi existe paralisada, e que por suas proporções pode servir de
Matriz, ao passo que a Capellinha que actualmente serve como tal, além de
summamente pequena, pois não tem mais de vinte palmos de extensão, tem na sua
frente um alpendre que occupa a rua e que é talvez maior que a propria, Igreja.
2.° Achando-se em completa ruina a casa em que,
apezar de acanhadissima, funcciona a Camara Municipal, é da maior urgencia a
construcção de outro edificio apropriado ás suas sessões e as do jury.
Ainda no ano de 1868, foi feito o orçamento para o serviço de
conclusão das paredes e cobertura do templo, importando em 4:737$515,2 (quatro
contos, setecentos e trinta e sete mil e quinhentos e quinze réis). Marcada a
arrematação pública para o dia 29 de outubro, não houve quem arrematasse a
obra. Remarcada para o dia 19 de novembro, novamente não houve interessados em
fazê-la. Em 04 de dezembro do mesmo ano, o governo Provincial mandou colocar
novamente em arrematação até que houvesse alguém interessando em concluir a
Matriz.
Finalmente, um
líder da comunidade local, João Valente do Couto, assumiu a responsabilidade
para a construção da nova Matriz de São Francisco de Assis e arrematou a obra
da Igreja. Iniciados os trabalhos em 1869, o projeto de construção veio a mudar
em 1871, havendo uma ampliação do templo que não estava previsto no contrato
inicial. Do Relatório do Secretário Ferreira Penna, podemos ter uma ideia do
encaminhamento das obras:
Apenas terminada a
subida, tem-se entrado na praça da villa, no meio da qual destaca-se o bello e
ainda não concluído o edifício da igreja Matriz que, ao menos em presença das
casas em geral medíocres que ficam aos lados, apresenta um porte magestoso que
causa certa surpresa a quem pela primeira vez visita esta povoação.
(...) A igreja matriz,
obra que faz muita honra aos monte-alegrenses e ao seu espírito religioso, não
está ainda concluída; falta-lhe uma pequena parte do arco cruzeiro, a coberta e
as obras de ornato.
Desde muitos annos serve
de matriz uma podre ermida particular que tem na frente um alpendre maior do
que Ella, obstruindo uma parte da praça.
O governo
provincial conseguiu dispor, entre os anos de 1869 a 1871, a quantia de
43:520$190 (quarenta e três contos, quinhentos e vinte mil, cento e noventa
réis) para, finalmente, concluir a Igreja Matriz dos monte-alegrenses. Para se
ter uma ideia, um boi custava, em média, 20 mil réis na época. Isso significa
que foi gasto, somente naqueles três anos, o valor suficiente para comprar
cerca de 2.175 bois. No entanto, a liderança do arrematante, João Valente do
Couto, foi essencial, mais do que o dinheiro gasto, para a conclusão da obra no
prazo de apenas três anos, um tempo recorde para o período.
Em 1872, o povo
de Monte Alegre pode celebrar a festa de seu Padroeiro, São Francisco de Assis,
sob o teto de sua nova Igreja Matriz. Para ilustrar, abaixo transcrevemos as
impressões do grande imortal, fundador da Academia Brasileira de Letras, o
obidense José Veríssimo que, em 1877, fez a seguinte descrição desse novo templo
da terra dos Gurupatuba:
No meio do largo, cercado pelas miseráveis
construções que o rodeiam, só um edifício nos chama a atenção: é a Matriz,
concluída em 1872.
É para o lugar, em relação com outras que
encontra o viajante nessas regiões, um soberbo templo pela grandeza, que maior
se torna junto das casas mesquinhas que o circundam.
Pertence a esse estilo de decadência que nos
legaram os antepassados, a que alguns chamam de latino-lusitano. A igreja, cujo
orago é São Francisco de Assis, compõe-se da parte do altar-mor e corpo da
igreja; tem duas torres quadradas e baixas para o reto do edifício; a frente,
que olha para o S., com ser um pouco baixa, não deixa de ser imponente, e seria
mais bela se as portas de entrada não fossem tão baixas e estreitas, e
estivessem mais em relação com as outras partes do templo.
O interior é pobre e pode-se dizer que está
por concluir. Um altar-mor sem nenhuma beleza, e seis vãos para altares no
corpo da igreja e o côro, eis o que há aí para se ver.
É necessário dizer que a culpa disto não recai sobre o encarregado
de fazer essa obra, pois não só a achou começada, como, sendo obrigado a fazer
um templo imenso, necessariamente viria a faltar capital para o aformoseamento
interior do mesmo.
Como podemos ver
no texto do ilustre paraense, a Matriz de Monte Alegre passou a apresentar, a partir de 1872, o aspecto que podemos ver até os dias atuais, conforme a foto abaixo. Ela tinha uma arquitetura
simples, mesmo sendo imponente. O interior da Igreja ainda não possuía muita
formosura, fato que só iria adquirir ao longo dos anos seguintes, mas já
estampava, aos olhos dos viajantes, a grandeza de um dos mais belos templos do
interior da Amazônia.
Referências:
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viagem que Martinho de Souza e Albuquerque, governador e capitão geral do
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compreendida na capitania do Grão Pará: tudo em destino de ocularmente observar
e socorrer a praça, fortalezas e povoações que lhes são onfrontantes. IN:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XII. Rio de
Janeiro: 1849.
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