sexta-feira, 2 de novembro de 2018

História de uma “FERRA” no Lago Grande de Curuai em 1935


Os nossos prosadores folcloristas deviam bem conhecer a vida rústica do nosso vasto sertão amazônico e poder assim idealizar para seus contos e narrativas pitorescas as adjetivações desopilantes que, de instante a instante, nos forcem à contínua hilaridade.
Acidentalmente me encontrei a assistir uma ferra no Lago Grande.
A impressão que colhi denotou achar-me no Nordeste, onde comumente se reproduzem tais acontecimentos brejeiros, nos arrebaldes.
Cavalos equipados, vaqueirada à postos, recebiam ordens do capataz que, de momento a momento, com o ferro em brasa, legalizava a res que recebia a marca a indicar a legitimidade do fazendeiro.

O serviço prosseguia, cumulando-se com os tragos frequentes à vaqueirada, que se reanimava na fúria entre os laçadores que disputavam entre si a primazia do jogar a corda para, no final da peleja, receberem o quinhão merecido.
A alegria reinava e, do grupo, sobressaia o vulto de um tipo a Chico Boia, revolver à cinta, ares de brigador, que de vez em quando verificava a aplicação do ferro nas reses que recebiam a prova do fogo.
Estava a finalizar a ferra quando. Do meio do curral, ouve-se o vozeiro da vaqueirada – última vez – garrote carimã!
Como a imitar o tigre, pula arena o nosso Chico que, disposto ao box, colérico a esguichar a baba da sua celafobia, grita: “Este é meu! Não cedo, tem que levar o ferro GAO”.
Os vaqueiros, sem mais delongas, ante a atitude leonina do patriarca, que ameaçava uma carnificina numa festa toda de alegria, aplicaram ao animal as letras malditas a cujo protesto o irracional demonstrou aos que o subjugavam para o suplício do fogo.
Depois, entre a tropa da fazenda, deu-se este curto diálogo:
“– Atanásio, viste que o Jacamim vai começar fazenda com um garrote?
– Pudera... ele antes de ser, já era a maior vaca do curral...”
E assim terminou uma ferra no Lago Grande, com a cedência de um garrote para início da fazenda.

NOTA: Publicado no jornal O Momento, em Santarém, no dia 12 de outubro de 1935, texto de autoria de Dido Israel.


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