sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Para que serve o dia de Finados


Todos os anos, quando chega a data rememorativa de 02 de novembro, temos um dever a cumprir – o indeclinável dever de levar aos nossos mortos queridos, com as flores da nossa saudade e o balsamo das nossas orações, a certeza de que ainda não os esquecemos, mas de que os trazemos sempre em lembrança, vivos em nosso espírito, latentes em nossa imaginação. Porque ninguém haverá, de certo, que não tenha um inesquecível ente a chorar no grande dia consagrado aos que se foram para “Au De Lá”. Aqui é um pequenito ser a irrigar com as lágrimas pungentes que lhe brotam da alma o pai bondoso que o deixou na orfandade a amargar as vicissitudes da existência; ali é um coração de mater dolorosa a planger compungido a ausência eternal do filho amado que lhe era arrimo e esperança; acolá é um irmão saudoso a implorar a Deus o descanso perpétuo de irmã querida que a morte arrebatara; mais adiante é a esposa inconsolável a deplorar o companheiro desaparecido, aquele que lhe era guia na vida, que era a alma de sua alma; em toda parte, enfim, é a Saudade, a “grande alma branca do passado”, a se manifestar num sincero e espontâneo culto de veneração.

Vem de tempos remotos a comemoração dos Finados, e em todos os tempos e lugares tem ela o seu rito, embora de ano para ano a impiedade da civilização (será mesmo civilização!) a vem deturpando. Antigamente, o 02 de novembro era um dia de preces e recordações; ia-se ao Campo Santo cumprir o dever cristão de prestar aos chorados mortos a homenagem sincera do amor, da gratidão, da saudade imorredoura. Hoje... como tudo mudou! Salvante raras exceções, para muita gente o dia de finados é como um dia de festas arraianas, é como um dia de feira livre, com diversões de toda a casta. Se há pessoas que se conduzem ao cemitério com o piedoso fim de rezar pelos que ali repousam e iluminar-lhes e adornar-lhes a campa fria, grande parte para lá se dirige com o só propósito de passeio, de pandega, sem respeito à alheia dor, com desprezo ao sagrado cofre de inestimáveis relíquias. Mas quem assim procede, não tem, porventura, um único parente a quem render a homenagem que devemos aos mortos? Ou será que a sua má educação chegue ao ponto de fazê-lo esquecer que é humano?
Não! O dia dos mortos não é um dia de regabofes, como pensam muitos que procuram a Necrópole para campo de recreações; a data sagrada da comemoração dos que se foram tem um fim mais nobre, mais santo, mais grandioso. E quem assim não compreende, se não quer respeitar os sagrados ossuários, que ao menos tenha piedade dos que vão cristãmente cultuar os que descansam deste vale de lágrimas.

NOTA: Publicado no Jornal de Santarém de 28 de outubro de 1967.

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