Todos os anos,
quando chega a data rememorativa de 02 de novembro, temos um dever a cumprir –
o indeclinável dever de levar aos nossos mortos queridos, com as flores da
nossa saudade e o balsamo das nossas orações, a certeza de que ainda não os
esquecemos, mas de que os trazemos sempre em lembrança, vivos em nosso
espírito, latentes em nossa imaginação. Porque ninguém haverá, de certo, que
não tenha um inesquecível ente a chorar no grande dia consagrado aos que se
foram para “Au De Lá”. Aqui é um
pequenito ser a irrigar com as lágrimas pungentes que lhe brotam da alma o pai
bondoso que o deixou na orfandade a amargar as vicissitudes da existência; ali
é um coração de mater dolorosa a
planger compungido a ausência eternal do filho amado que lhe era arrimo e
esperança; acolá é um irmão saudoso a implorar a Deus o descanso perpétuo de
irmã querida que a morte arrebatara; mais adiante é a esposa inconsolável a
deplorar o companheiro desaparecido, aquele que lhe era guia na vida, que era a
alma de sua alma; em toda parte, enfim, é a Saudade, a “grande alma branca do
passado”, a se manifestar num sincero e espontâneo culto de veneração.
Vem de tempos
remotos a comemoração dos Finados, e em todos os tempos e lugares tem ela o seu
rito, embora de ano para ano a impiedade da civilização (será mesmo civilização!)
a vem deturpando. Antigamente, o 02 de novembro era um dia de preces e
recordações; ia-se ao Campo Santo cumprir o dever cristão de prestar aos
chorados mortos a homenagem sincera do amor, da gratidão, da saudade
imorredoura. Hoje... como tudo mudou! Salvante raras exceções, para muita gente
o dia de finados é como um dia de festas arraianas, é como um dia de feira
livre, com diversões de toda a casta. Se há pessoas que se conduzem ao cemitério
com o piedoso fim de rezar pelos que ali repousam e iluminar-lhes e
adornar-lhes a campa fria, grande parte para lá se dirige com o só propósito de
passeio, de pandega, sem respeito à alheia dor, com desprezo ao sagrado cofre
de inestimáveis relíquias. Mas quem assim procede, não tem, porventura, um
único parente a quem render a homenagem que devemos aos mortos? Ou será que a
sua má educação chegue ao ponto de fazê-lo esquecer que é humano?
Não! O dia dos
mortos não é um dia de regabofes, como pensam muitos que procuram a Necrópole
para campo de recreações; a data sagrada da comemoração dos que se foram tem um
fim mais nobre, mais santo, mais grandioso. E quem assim não compreende, se não
quer respeitar os sagrados ossuários, que ao menos tenha piedade dos que vão cristãmente
cultuar os que descansam deste vale de lágrimas.
NOTA: Publicado
no Jornal de Santarém de 28 de outubro de 1967.
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