Por Pe.
Edilberto Sena
O Círio, ao que
parece, é um dos regionalismos populares do Norte. É uma festa. Nem sei mesmo
se o que sobressai seja a fé do povo simples, se o folclore ou se o desfile de
assim ditos "líderes do povo". Há um pouco de tudo isso.
É um dia em que
o povo sofredor para (não digo que esquece) sua via sacra da vida, deixa de
pensar por uns momentos na carne que não pode mais comprar, no café e açúcar
que lhes sangra o bolso magro e vai à rua com sua Santa no andor. Não tem vergonha
de cantar e rezar nas ruas, vai alegre na certeza de que Santarém é da
Conceição.
O Círio marca o
início da festa, a maior festa do Baixo Amazonas. Há aí o sentido religioso
visível. A religião por muitos anos, foi usada para atender os interesses da
classe dominante e exploradora dos pobres. Durante o ano o trabalho suado do
pobre produzindo a farinha, cujo lucro fica com os grandes, pescando o peixe
para alimentar as madames, cuidando do gado - do patrão - e assim por diante. A
Igreja é o lugar onde todos "são irmãos" com o mesmo pai. A festa da
padroeira "irmana" todos. O patrão dá o mamote para a Santa, o pobre
dá o maço de vela, todos cantam e rezam numa quase pantomina religiosa. O povo
alimenta sua fé, na padroeira, no Deus Todo Poderoso. Agradece a vida, a cura
de uma doença, a bondade dos vizinhos. O grande se diverte. Também ele tem fé.
Agradece a Deus a rentabilidade de seu capital, os bezerros ferrados, a
prosperidade do seu comércio.
Antigamente o
Círio ainda disfarçava essa diferença social, era todo mundo caminhando
misturado com sua Santa. Hoje, não, sofisticaram o ato. Há uma corda de
isolamento fora vai o povo, a massa da via sacra. Dentro dos isolamentos
protegidos "pela Santa" vão as pessoas "de liderança", “os
soldados vêm manter a ordem”, servir de proteção a quem?
Assim é o Círio
hoje. Um dia vai mudar. Deixará de ser a festa da ilusão para ser a festa da
libertação. Um dia não haverá mais diferença de ofertas (velas x mamote) nem
diferença de ação de graças (vida x lucro) será a festa verdadeira do povo, um
só povo sem desigualdade, sem grandes e pequenos.
A religião pouco
a pouco vai deixar de ser o guarda-chuva de uma situação social desigual. O Pai
Nosso será rezado por aqueles que realmente têm Deus como Pai comum e, portanto,
respeita os irmãos na terra. Um dia, um dia!!!
NOTA: Texto publicado
originalmente no Jornal do Baixo Amazonas de 26 de novembro de 1978. Naquela
época o autor ainda era pertencente à Ordem dos Frades Menores, hoje é padre
Diocesano.
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