João Santos
Mais um ano se
vai celebrar a Festa de Nossa Senhora da Conceição dentro do figurino da melhor
tradição de anos anteriores: círio, arraial, barraca da santa e procissão de
encerramento...
A Festa teve
suas origens na devoção a N. Sra. da Conceição, que o missionário jesuíta
Betendorf colocou como padroeira da missão que fundou na aldeia dos tapajós, na
segunda metade do século XVII.
Essas festas
eram importantes acontecimentos que motivavam a vinda de muita gente da
redondeza, para participar dos oito dias festivos. Era ocasião oportuna para
celebrar os batizados, casamentos, crismas e até 1ª comunhão. Como não tinha
lugar para alojar tanta gente, em torno da igreja se faziam moradias provisórias,
estabelecendo-se um ajuntamento “festivo” – O ARRAIAL – onde o pessoal ficava
estabelecido durante a festa.
A festa se
constituía da “novena”, quando, na igreja, era cantada em latim, a ladainha de
Nossa Senhora. O início da festividade era assinalado com o “levantamento do
mastro”, onde era içada a bandeira na qual se estampava a efígie do padroeiro.
A festividade terminava com a “derrubada do mastro”.
Não restam
dúvidas que o “Círio da Bandeira”, a que se refere o autor de “Tupaiulândia”
tenha as suas origens naquele ritual de “mastro da bandeira” e que depois, por
volta de 1895 se tenha concretizado no atual “círio”, levando no devido plágio,
o “Círio de Nazaré” de Belém.
A missão
passou. A aldeia virou vila, depois cidade, mas a tradição ficou, sofrendo a
natural modificação ditada pelos novos costumes do povo.
A Festa de
Nossa Senhora da Conceição tomou impulso a partir de 1844 quando foi fundada a
Confraria de Nossa Senhora da Conceição, que tinha como finalidade “celebrar o
culto da Imaculada Conceição de Maria Santíssima no dia 8 de dezembro de cada
ano”.
Pelo artigo
dezoito do estatuto da aludida Confraria, ficava estabelecido que, a
festividade se constituía de “novenário, vésperas solenes pelas sete e meia
horas da tarde, missa solene com o Santíssimo Sacramento Exposto, sermão no
Evangelho e procissão a tarde”. E o mesmo estatuto, no artigo vinte determinava
que a “festividade anual tivesse um juiz, uma juíza, vinte mordomos e dez
mordomas”. Data desse tempo uma certa organização na promoção da Festa.
O grande
acontecimento do “arraial” se constituía nos três leilões, que eram promovidos
em benefício da festa: no início, no meio e no final dos festejos, quando eram
leiloadas as oferendas mais variadas: animais, licores de frutas, comidas e as “prendas”,
que as “senhorinhas” das famílias importantes faziam com certa dedicação para o
leilão da santa esperando provocar grandes lances dos seus “fãs”. Para esses
leilões tinham os grandes PREGOADORES, que sabiam como provocar competição nos
lances entre os fazendeiros, os comerciantes e outros componentes da “elite
santarena”.
Nessa época, a
praça da matriz – como se chamava a atual Praça Mons. José Gregório – era desprovida
de arborização e de calçamento. Era um platô de terra amarela que terminava na
rampa à margem do rio. Em frente à matriz se colocava um coreto de madeira
removível e que só veio a ser fixado nos primeiros anos deste século, depois
que desapareceu um grande cruzeiro que dominava a praça.
As barracas
eram erguidas em frente da matriz em volta do coreto improvisado. A iluminação
provinha das lanternas de carbureto colocadas em pequenos postes, e que eram
assistidas permanentemente por pessoa incumbida de providenciar o combustível e
água assim que se fizesse necessário.
Mas o tempo
foi andando e as coisas foram mudando, e ditando novos comportamentos na festa.
O arraial se
foi ampliando. Em novos locais foram erguidas as barracas, cada ano em maior
quantidade. No chalé “Miosote” localizado no lugar onde hoje se ergue o “Olímpia”,
D. Agapita instalava a sua barraca para a venda de açaí, que depois passaria
para sua irmã, D. Silvia, até os dias de hoje.
Foi durante a
Festa da Conceição de 1894, que se registrou um fato inédito em Santarém: o
funcionamento de um gramofone – “essa máquina fenomenal, que fala, ri, canta e
chora” – conforme noticiava o jornal “Baixo Amazonas”, colocada no botequim do
Sr. Fileto Miranda. Não é preciso dizer do sucesso que alcançou, da mobilização
do povão, que se postava no botequim do seu Fileto para ver e ouvir os discos
tocados pela “máquina fenomenal”.
A Festa da
Padroeira motivava o povo, que para ela se preparava. O povo procurava vestir
roupa nova, calçar sapato novo e usar exalantes perfumes. Dificilmente alguém ia
ao “largo” no dia da Festa sem estar vestindo roupa nova, ou calçando um
sapato, que logo era identificado como novo pelos CALOS que provocava o andar
coxo de alguém desacostumado com os borzeguins especialmente importados pelo “Castelo”
ou “Primavera”, para o tempo festivo.
No botequim
permanente do seu Bahia, que pela sua localização na praça, ficava com maior
movimento durante a Festa, os catraieiros nas suas costumeiras reuniões, sempre
na rotina da espera do navio, eram olhados com certa desconfiança pelo pequeno
contingente da polícia, que temiam as arruaças do João Cavalo, um negro forte,
capaz de colocar o destacamento em fuga. Era do botequim do Bahia que surgiam
as “confusões” que em certas noites quebrava a cadência do passeio no “largo”,
no “corre-corre” salvador...
A “barraca da
santa” só começou a funcionar por inspiração do prefeito Ildefonso Almeida, na
sua primeira administração em 1932, localizada ao lado direito da Praça.
Logo se tornou
o ponto de preferência da “elite”. Nos primeiro anos, cada noite da barraca era
entregue a um grupo de famílias que se encarregava do movimento.
Para alegrar o
arraial, duas bandas de música se revezavam no toque dos dobrados, marchas e
maxixes.
Para quem
gostava de saborear sorvete, Geraldo Boa Morte e Cigarrinho batalhavam noite
adentro em movimentar, manualmente, pequenas sorveterias que eram reabastecidas
das caldas de graviola ou abacaxi, à medida que os sorvetes, em pequenas taças
eram consumidos pelos inúmeros fregueses.
Outra
preferência que continua pelos anos, era a “garapa” do Pequenino, que antes de
ter a “Ypiranga” montava o “Bar Camarada”.
Entre as
distrações se destacavam o carrossel “Anel de Saturno”, do seu Figueira e a “casa
de sorte” do Sírio Abdon.
O bazar do Abdon
era o atrativo da criançada com grande porção de brinquedos que o Sírio
arrumava nas prateleiras abarrotadas com lindas bonecas, sanfonas, gaitas e
outros que eram identificados com grandes números para o sorteio feito através
de uma roda que girava e cujos prêmios dados eram sempre “grampinhos” para
cabelos ou latinhas de brilhantina perfumada para a mesma finalidade.
Na noite
escura subiam aos céus os balões coloridos fabricados pelo Professor Carvalho.
Alguns antes de ganhar altura, incendiavam-se, outros subiam e se perdiam no
espaço...
Era assim a
Festa da Conceição...
(Publicada originalmente no Jornal do Baixo
Amazonas em 26 de novembro de 1978)
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