Realizando uma viagem em 1859 a bordo de
embarcação a vapor, subindo o Rio Amazonas, Robert Avé-Lallemant nos deixou um
bonito relato de muitas localidades situadas às margens do Rio Amazonas.
Apresentamos aqui suas impressões sobre a Vila de Prainha que, naquela época,
havia sido transferida para junto das margens do grande rio. Eis o texto:
“Às
11 horas chegamos a Prainha, a primeira localidade do Rio Amazonas que pude ver
de dia, a 374 milhas inglesas do Pará e 123 de Gurupá, distante 120 milhas de
Breves.
Prainha
foi fundada recentemente. Antes se erguia ai (e existe ainda) mais para o interior,
uma capela com algumas casas, chamada Nossa Senhora do Oiteiro. Uma pequena
ligação por água, um igarapé, levava até lá, pois Oiteiro tinha um pequeno
comércio.
Desde,
porém, que os vapores começaram a circular, e fizeram naquela zona uma estação
para o abastecimento de lenha, a população de Oiteiro ou Outeiro mudou-se para
a margem e fundou Prainha.
Uma
pequena clareira na floresta, um renque de casas subindo, em cujo alto se
levanta uma capela muito pobre, de barro, coberta de telhas, um cruzeiro em
frente, e por trás, muitos ranchos de barro, cobertos de palha, num chão firme
e enxuto, alguns pés mais alto, habitados por gente pacífica, poucos inteiramente
brancos e muitos de cor – eis mais ou menos Prainha, um lugarejo humilde.
Entre
grandes troncos flutuantes, viam-se diversos barquinhos e canoas, indicativos d’alguma
atividade comercial. Uma canoa grande, carregada de lenha, encostou no “Marajó”
e uma turma de tapuias pardos descarregou-a, sem pressa, para dentro do nosso
vapor, enquanto os passageiros visitávamos a povoação.
O
que mais me prendeu a atenção em terra foi a quantidade de urubus, abutres
pretos, carúnculas cinzento-escuros no pescoço. A matança de gado nas povoações
ribeirinhas do Amazonas, os despojos das tartarugas, que são comidas em grande
quantidade, os restos de peixe, as sobras da salga do pirarucu e todos os
outros resíduos, atraem-nos em numerosos bandos. E como gostam que venham e
procuram positivamente atraí-los, ficaram tão mansos e atrevidos, que se veem
diante de todas as portas em companhia de galinhas e porcos, exatamente como
animais domésticos. São certamente muito úteis para a limpeza e saúde públicas.
Muito
selvagem me pareceu uma pequena onça pintada, que vi numa jaula de madeira, ao
lado duma casa. Esse animal mostrava-se terrivelmente arisco e furioso, quando alguém
se aproximava dele, exatamente como um gato doméstico zangado, que não pode
fugir. Aliás, aqui no Amazonas, a onça é mais perseguida do que temida. A onça
vermelho-escura, muitas vezes verdadeiramente preta, de que vi uma pele em
Maceió e no Mucuri, inspira mais medo. A suçuarana, que, pela descrição do
povo, me parece ser o puma, um pequeno leão sem juba, persegue mais o gado
miúdo e as galinhas do que o grande gato malhado da floresta.
Prainha
vive de pesca e salga do pirarucu, da preguiça e dum pequeno negócio de cuias
pintadas, essas escudelas de cascas de fruto da Crescentia cujeto, já tantas vezes descritas. Compram-se essas
escudelas chinesas – pois são pintadas em estilo chinês – muito barato em
Prainha. Fariam certamente sucesso na Europa como genuínos produtos naturais do
Amazonas e da arte tapuia.
Para
maior satisfação da boa gente de Prainha, o comandante comprou um novilho em
terra. Teve que nadar para bordo, rebocado pelo bote do vapor. Foi difícil
fazê-lo entrar na água, o bastante para poder nadar e oferecer assim menos
resistência. Mas então a correnteza interveio; o animal e o bote foram
arrastados do caminho, pouco faltando para que pelo menos o novilho perecesse
afogado, perda certamente muito penosa para nós, porque, além dele, só havia
para vender um bezerro magro e em precárias condições de saúde. E já não tínhamos
carnes fresca a bordo.
Depois
do boi e da lenha, embarcamos também e o vapor prosseguiu viagem”.
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