quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Descrição de um viajante: Vila de Prainha em 1859

Realizando uma viagem em 1859 a bordo de embarcação a vapor, subindo o Rio Amazonas, Robert Avé-Lallemant nos deixou um bonito relato de muitas localidades situadas às margens do Rio Amazonas. Apresentamos aqui suas impressões sobre a Vila de Prainha que, naquela época, havia sido transferida para junto das margens do grande rio. Eis o texto:


Às 11 horas chegamos a Prainha, a primeira localidade do Rio Amazonas que pude ver de dia, a 374 milhas inglesas do Pará e 123 de Gurupá, distante 120 milhas de Breves.
Prainha foi fundada recentemente. Antes se erguia ai (e existe ainda) mais para o interior, uma capela com algumas casas, chamada Nossa Senhora do Oiteiro. Uma pequena ligação por água, um igarapé, levava até lá, pois Oiteiro tinha um pequeno comércio.
Desde, porém, que os vapores começaram a circular, e fizeram naquela zona uma estação para o abastecimento de lenha, a população de Oiteiro ou Outeiro mudou-se para a margem e fundou Prainha.
Uma pequena clareira na floresta, um renque de casas subindo, em cujo alto se levanta uma capela muito pobre, de barro, coberta de telhas, um cruzeiro em frente, e por trás, muitos ranchos de barro, cobertos de palha, num chão firme e enxuto, alguns pés mais alto, habitados por gente pacífica, poucos inteiramente brancos e muitos de cor – eis mais ou menos Prainha, um lugarejo humilde.
Entre grandes troncos flutuantes, viam-se diversos barquinhos e canoas, indicativos d’alguma atividade comercial. Uma canoa grande, carregada de lenha, encostou no “Marajó” e uma turma de tapuias pardos descarregou-a, sem pressa, para dentro do nosso vapor, enquanto os passageiros visitávamos a povoação.
O que mais me prendeu a atenção em terra foi a quantidade de urubus, abutres pretos, carúnculas cinzento-escuros no pescoço. A matança de gado nas povoações ribeirinhas do Amazonas, os despojos das tartarugas, que são comidas em grande quantidade, os restos de peixe, as sobras da salga do pirarucu e todos os outros resíduos, atraem-nos em numerosos bandos. E como gostam que venham e procuram positivamente atraí-los, ficaram tão mansos e atrevidos, que se veem diante de todas as portas em companhia de galinhas e porcos, exatamente como animais domésticos. São certamente muito úteis para a limpeza e saúde públicas.
Muito selvagem me pareceu uma pequena onça pintada, que vi numa jaula de madeira, ao lado duma casa. Esse animal mostrava-se terrivelmente arisco e furioso, quando alguém se aproximava dele, exatamente como um gato doméstico zangado, que não pode fugir. Aliás, aqui no Amazonas, a onça é mais perseguida do que temida. A onça vermelho-escura, muitas vezes verdadeiramente preta, de que vi uma pele em Maceió e no Mucuri, inspira mais medo. A suçuarana, que, pela descrição do povo, me parece ser o puma, um pequeno leão sem juba, persegue mais o gado miúdo e as galinhas do que o grande gato malhado da floresta.
Prainha vive de pesca e salga do pirarucu, da preguiça e dum pequeno negócio de cuias pintadas, essas escudelas de cascas de fruto da Crescentia cujeto, já tantas vezes descritas. Compram-se essas escudelas chinesas – pois são pintadas em estilo chinês – muito barato em Prainha. Fariam certamente sucesso na Europa como genuínos produtos naturais do Amazonas e da arte tapuia.
Para maior satisfação da boa gente de Prainha, o comandante comprou um novilho em terra. Teve que nadar para bordo, rebocado pelo bote do vapor. Foi difícil fazê-lo entrar na água, o bastante para poder nadar e oferecer assim menos resistência. Mas então a correnteza interveio; o animal e o bote foram arrastados do caminho, pouco faltando para que pelo menos o novilho perecesse afogado, perda certamente muito penosa para nós, porque, além dele, só havia para vender um bezerro magro e em precárias condições de saúde. E já não tínhamos carnes fresca a bordo.

Depois do boi e da lenha, embarcamos também e o vapor prosseguiu viagem”.

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