Corria o ano de 1954. Apesar de
todo o esforço e dedicação da Diretoria da Festa, nem tudo foram flores no
Arraial da Padroeira. O arraial era, naquele já longínquo ano de 1954, um
termômetro da economia santarena: o poder aquisitivo do povo era medido na sua
afluência ao evento em homenagem da padroeira que também servia como medidor da
inflação da época (que de um ano para o outro foi de cerca de 50% tanto na
cerveja, como no vatapá). Esse problema por questão financeira, não foi o único
registrado naquela década. Vejamos uma avaliação do Arraial feito pelo “O
Jornal de Santarém”, após a realização da festa daquele ano:
“Com
as cerimônias do rito, os quais, como todos os anos, atingiram brilho invulgar,
encerraram-se quarta-feira última os festejos em honra à Imaculada Conceição,
excelsa padroeira de Santarém. Notamos no arraial grande afluência de fieis
que, cumpridas as suas obrigações religiosas, regressavam aos lares sem tomarem
parte nos festejos profanos. Notamos também que esse fato se verificava não por
determinação ou a conselho dos ministros de Deus, mas tão somente pela falta de
“gaitas”, falta essa oriunda da tremenda crise econômica que está avassalando o
nosso Município, com repercussão em todos os setores da coletividade. Em quase
todas as noites a cena era a mesma: terminada a reza o arraial se enchia de
gente. Dai a cinco minutos esse povo todo desaparecia como que por encanto. É
isso mesmo. O dinheiro sempre foi a mola propulsora do mundo e sem dinheiro não
se pode passear no arraial.
Ora,
no ano passado uma cerveja custava em todas as barracas do arraial a quantia de
dez cruzeiros. Esse ano, quem quisesse “chupar” uma “virgem loira dos cabelos
brancos” tinha que morrer com “quinzão”, quer ela fosse “Antartica”, “Boemia”
ou “Quitandinha”. A saudosa “Brama” desapareceu do mercado, isto porque ela só
é vendida com a “prata” na frente, dizem os entendidos. E em matéria de
pagamento o nosso pessoal prefere o método do “deixa pra depois”, pois é mais
suave. Na chamada “Barraca da Santa” os petiscos subiram de preço e diminuíram
em tamanho. Há um ano atrás um alentado prato de vatapá com direito a arroz e
pão não custava mais de dez cruzeiros. Este ano o vatapá em uma ou duas noites
que andou aparecendo pela barraca era um negocinho todo “miado”, que mal dava
para matar as saudades. Mas o preção lá estava no cardápio: quinze cruzeiros
sem dó nem piedade. Mesmo assim o saboroso prato de origem baiana, quando dava as
caras, sofria um avança de todo mundo, desaparecendo em diminuto espaço de
tempo. É que os “comilões” já estavam fartos do ramerrão de todas as noites,
isto é, galinha com ervilha, com farofa, imperador, assada, cozida, souflê de
camarão feito de galinha, enfim sempre galinha, galinha e mais galinha.
Muito
embora esses fatores contrários, a Barraca da Santa como sempre foi a que teve
mais afluência. Mas em que pese essa prestigiosa preferência das classes mais
abastadas, procurando elogiavelmente cooperar com a Diretoria da Festividade,
concorrendo com seu apoio financeiro às meritórias obras da Diocese, o serviço
das refeições ali feito está longe de constituir algo de aceitável. O cidadão,
muitas vezes forasteiro que vem em romaria homenagear a milagrosa padroeira dos
mocorongos [sic], entra na Barraca certo de que irá saborear deliciosos pratos
regionais e logo fica surpreendido, porque o que menos encontra ali é prato
regional, desta ou de outras regiões”.
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