O rio Amazonas sempre teve ciclo de
enchentes e vazantes. O povo nativo conhecia essa sequencia anual dos eventos
que regia boa parte da vida das pessoas, principalmente na região da várzea.
Acontece que vez ou outra o rio excede os limites comuns da vazante ou da
cheia. As grandes cheias atuais são conhecidas e algumas das antigas foram
registradas no passado como no texto que publicamos, que tinha por título “A
enchente do Amazonas”, extraída do jornal “Monarchista Santareno” publicado em
1859 no auge da grande cheia:
“Quiséramos
traçar, ao vivo, um quadro que bem pusesse ao alcance de todos os incalculáveis
danos que o povo amazoniense tem sofrido, e continua a sofrer com a grande
crescente do rio, e de uma tão espantosa maneira, que não há tradição, levando
em sua voraz corrente tudo quanto poderia embaraçar sua impetuosidade.
A
única tradição que existe sobre as grandes cheias do Amazonas, são as de 1807 e
1819, e estas que serviram de regra aos lavradores, para a procura de suas
terras para cultura, e edificação foram completamente iludidos no ano de 1859 (!)
em que a enchente cobriu todos os marcos daquelas; cobriu todas as terras, e
ainda foi prejudicar alguns estabelecimentos edificados em terras do continente
e bem altas; e sua invasão ainda foi aos povoados como Santarém e Alenquer em
que a primeira rua ficou completamente intransitável, podendo agora fazer-se o
trânsito por canoa, quando antes se fazia por terra! Pelos distritos de
Santarém, Alenquer, Óbidos e Vila Franca, onde os estabelecimentos são edificados
nas várzeas, não se encontra uma única casa cujo pavimento não esteja afogado
com 2 ou mais palmos de água. Isto nos lugares mais elevados, quanto aos outros
a água em algumas roçam o teto. Não exageramos, dizemos a verdade pura e
apelamos para o testemunho de todos quantos tem corrido os diferentes distritos
nesta quadra.
Nosso
fim é fazer chegar ao longe as vicissitudes porque passamos; os nossos recursos
acabados, nossa lavoura morta, nosso comércio estacionário, e sem encontrarmos
um meio que nos possa garantir, para diante, um recomeço de vida! Porque, o que
constituía a fertilidade, e parte da riqueza do Amazonas era o gado e o cacau
que, agora, vemos tudo acabado. A mortalidade do gado vacum e cavalar, causada
pela inundação dos campos, calcula-se em 60 mil cabeças, termo médio. Temos ainda
a destruição de muitas casas de vivenda, pelos sítios, e a maior parte das
outras em grandes ruínas. Sendo este o tempo da colheita do cacau, esta se não pode
fazer, porque os cacauais estão na água; e o lavrador sem poder gozar do seu
trabalho; em alguns lugares a força da corrente do rio tem arrebatado grande
número de pés, e completamente derrubado os bananais.
Os
estragos e os prejuízos não são só no distrito de Santarém, tratamos de toda a
comarca, que compreende Santarém, alto-Tapajós, vila Franca, Monte Alegre,
Prainha, Alenquer, Óbidos e Faro, e em todos estes lugares, exceto o Tapajós, o
único ramo de indústria é a criação de gado e a plantação do cacau, e todos
eles tem sofrido, e sofrido gravíssimos prejuízos!
Não
contamos aqui (no nosso cálculo de 60 mil cabeças) com o que se tem perdido em
Faro e Maria-pixi, cujos campos são ainda mais baixos que os de vila Franca e
de Santarém. Se nestes lugares houveram fazendeiros que contando 700 cabeças não
puderam salvar uma só, e outros que possuindo de 2 a 3 mil cabeças, se dão por
felizes se puderam salvar 200 ou 400 cabeças, que ideia não se poderá fazer
daqueles lugares como já dissemos!
Não
podemos fazer um cálculo, nem ainda aproximado, porque o avultado número de
cifras em que ele daria, nos espanta.
Talvez
exceda a dois mil contos!!!...
E
como, e com que meios reparar os estragos e perdas causados pela enchente em um
lugar que dava começo à sua indústria, que já alguma coisa prometia e parecia
assegurar um meio a imigração? Tudo vemos aniquilado em pouco tempo! O que nos
resta pois? O governo, que fará tudo para suavizar os nossos infortúnios; que
lançará suas vistas paternais para a comarca de Santarém; que deixando de
dizimar seus habitantes para recrutá-los, os animará a entregar-se com ardor à
lavoura e à criação. É doloroso nosso estado, não exageramos, antes omitimos
muito, e as vicissitudes porque temos passado e havemos de passar, só nós, amazonienses,
o podemos compreender, mormente quando nossos conterrâneos do Alto Amazonas,
nos repetem – a enchente não tem limites [!] é só crescer, e no seu crescimento
vai destruindo casas e plantações!...
Que
fazer-se? – Resignamo-nos com a vontade do Criador, e dele esperar o verdadeiro
conforto”.
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