quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Isto foi notícia: Grande Cheia de 1859 no Baixo Amazonas

O rio Amazonas sempre teve ciclo de enchentes e vazantes. O povo nativo conhecia essa sequencia anual dos eventos que regia boa parte da vida das pessoas, principalmente na região da várzea. Acontece que vez ou outra o rio excede os limites comuns da vazante ou da cheia. As grandes cheias atuais são conhecidas e algumas das antigas foram registradas no passado como no texto que publicamos, que tinha por título “A enchente do Amazonas”, extraída do jornal “Monarchista Santareno” publicado em 1859 no auge da grande cheia:


Quiséramos traçar, ao vivo, um quadro que bem pusesse ao alcance de todos os incalculáveis danos que o povo amazoniense tem sofrido, e continua a sofrer com a grande crescente do rio, e de uma tão espantosa maneira, que não há tradição, levando em sua voraz corrente tudo quanto poderia embaraçar sua impetuosidade.
A única tradição que existe sobre as grandes cheias do Amazonas, são as de 1807 e 1819, e estas que serviram de regra aos lavradores, para a procura de suas terras para cultura, e edificação foram completamente iludidos no ano de 1859 (!) em que a enchente cobriu todos os marcos daquelas; cobriu todas as terras, e ainda foi prejudicar alguns estabelecimentos edificados em terras do continente e bem altas; e sua invasão ainda foi aos povoados como Santarém e Alenquer em que a primeira rua ficou completamente intransitável, podendo agora fazer-se o trânsito por canoa, quando antes se fazia por terra! Pelos distritos de Santarém, Alenquer, Óbidos e Vila Franca, onde os estabelecimentos são edificados nas várzeas, não se encontra uma única casa cujo pavimento não esteja afogado com 2 ou mais palmos de água. Isto nos lugares mais elevados, quanto aos outros a água em algumas roçam o teto. Não exageramos, dizemos a verdade pura e apelamos para o testemunho de todos quantos tem corrido os diferentes distritos nesta quadra.
Nosso fim é fazer chegar ao longe as vicissitudes porque passamos; os nossos recursos acabados, nossa lavoura morta, nosso comércio estacionário, e sem encontrarmos um meio que nos possa garantir, para diante, um recomeço de vida! Porque, o que constituía a fertilidade, e parte da riqueza do Amazonas era o gado e o cacau que, agora, vemos tudo acabado. A mortalidade do gado vacum e cavalar, causada pela inundação dos campos, calcula-se em 60 mil cabeças, termo médio. Temos ainda a destruição de muitas casas de vivenda, pelos sítios, e a maior parte das outras em grandes ruínas. Sendo este o tempo da colheita do cacau, esta se não pode fazer, porque os cacauais estão na água; e o lavrador sem poder gozar do seu trabalho; em alguns lugares a força da corrente do rio tem arrebatado grande número de pés, e completamente derrubado os bananais.
Os estragos e os prejuízos não são só no distrito de Santarém, tratamos de toda a comarca, que compreende Santarém, alto-Tapajós, vila Franca, Monte Alegre, Prainha, Alenquer, Óbidos e Faro, e em todos estes lugares, exceto o Tapajós, o único ramo de indústria é a criação de gado e a plantação do cacau, e todos eles tem sofrido, e sofrido gravíssimos prejuízos!
Não contamos aqui (no nosso cálculo de 60 mil cabeças) com o que se tem perdido em Faro e Maria-pixi, cujos campos são ainda mais baixos que os de vila Franca e de Santarém. Se nestes lugares houveram fazendeiros que contando 700 cabeças não puderam salvar uma só, e outros que possuindo de 2 a 3 mil cabeças, se dão por felizes se puderam salvar 200 ou 400 cabeças, que ideia não se poderá fazer daqueles lugares como já dissemos!
Não podemos fazer um cálculo, nem ainda aproximado, porque o avultado número de cifras em que ele daria, nos espanta.
Talvez exceda a dois mil contos!!!...
E como, e com que meios reparar os estragos e perdas causados pela enchente em um lugar que dava começo à sua indústria, que já alguma coisa prometia e parecia assegurar um meio a imigração? Tudo vemos aniquilado em pouco tempo! O que nos resta pois? O governo, que fará tudo para suavizar os nossos infortúnios; que lançará suas vistas paternais para a comarca de Santarém; que deixando de dizimar seus habitantes para recrutá-los, os animará a entregar-se com ardor à lavoura e à criação. É doloroso nosso estado, não exageramos, antes omitimos muito, e as vicissitudes porque temos passado e havemos de passar, só nós, amazonienses, o podemos compreender, mormente quando nossos conterrâneos do Alto Amazonas, nos repetem – a enchente não tem limites [!] é só crescer, e no seu crescimento vai destruindo casas e plantações!...

Que fazer-se? – Resignamo-nos com a vontade do Criador, e dele esperar o verdadeiro conforto”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário