A descrição abaixo foi feita
por Manuel Buarque, em Belém, no ano de 1914 e publicada em “O Estado do Pará”
de 10 de março daquele ano. Oferece um retrato da Cidade Presépio do Baixo
Amazonas no início do século passado. Deve-se, no entanto fazer algumas correções
históricas ao texto daquela época.
“Na garganta do Amazonas, à sua margem direita, sobre um terreno muito
acidentado, está edificada a cidade de Óbidos, antiga Vila dos Pauxis, cujo
nome conservara até 2 de outubro de 1854, época em que foi elevada à categoria
de cidade.
Divide-se
em cidade alta e cidade baixa; sendo que, nesta última, é onde se acha toda a
sua importante vida comercial; e, naquela, a vida militar, porque Óbidos é uma
cidade forte. É ponto obrigatório de passagem de vapores, que perambulam pela
Amazônia. Possui a melhor ponte de desembarque do interior deste Estado,
benefício inestimável que lhe prestara o dr. João Coelho, quando Governador do
Pará.
Sede
de comarca e de município, Óbidos é a fortaleza da Amazônia, e pode, por si só,
fazer face à invasão estrangeira nessas regiões, onde se encerram os mais ricos
tesouros da natureza, no Novo Mundo. Tem um ótimo quartel federal, uma
importante Mesa de Rendas Federais, confortáveis prédios particulares, boa
Intendência, esplêndida matriz, um cemitério muito bem tratado, estação
telegráfica, uma esplêndida casa de residência dos frades franciscanos. E, mau
grado, ser uma terra habitada por militares, reina ali sempre a paz, devido aos
comandantes da guarnição que são homens de educação e cultura e que bem sabem
com os seus oficiais pesarem a responsabilidade do cargo que exercem. As lutas
que conheço nesta cidade paraense, são lutas políticas, lutas verbais: e “palavras
não arranham pedras”. A Prelatura de Santarém, que tem sido um dos mais fortes,
mais poderosos elementos de progresso no Baixo Amazonas, tem nesta cidade um
Colégio de meninas, regido pelas Irmãs de Santa Clara, e uma escola de meninos,
regida pelos franciscanos, que tem prestado muitos bons serviços aos obidenses,
porque os frades menores são verdadeiros agricultores da alma, e bebem nas
regras que lhes foram deixadas pelo grande Patriarca de Assis, o verdadeiro
método de educação das crianças; incutindo-lhes no espírito o amor de Deus, que
é o princípio da sabedoria, e o amor do próximo, que é a morte do egoísmo
humano.
Tem
Óbidos um Grupo Escolar que funciona em um ótimo prédio, mas contra cuja
existência me insurgirei sempre em qualquer lugar em que seja adotado este meio
de dissimular a instrução, porque a promiscuidade de sexo é uma fomentação da
imoralidade: “o homem é a palha, a mulher é o fogo, o diabo sopra e o incêndio é
certo”. Se em Óbidos não há incêndios desta natureza, infelizmente, em outros
lugares, ou melhor, em alguns grupos, tem fumegado as labaredas de tão tétrico
meio de proclamar-se a liberdade fatal da concupiscência da carne. O clima da
cidade é sadio e a sua população pode ser computada em 2.500 habitantes. O
município é rico: produz o cacau, a castanha; o comércio é importante e a
indústria pastoril cresce dia a dia. No rio Trombetas encontram-se os mais
ricos castanhais do Estado; e, segundo rezam as crônicas dos Jesuítas, nos
tempos coloniais, possui grandes jazidas de ouro, até agora completamente
inexploradas.
Segundo
o autor das “Viagens no Sertão do Amazonas”, o primeiro homem civilizado que procurou
conquistar os índios “araras”, que habitavam essa região, foi João Mendes,
cujos pais foram devorados pelos selvagens e ele obrigado a banquetear-se com
as suas carnes. Era, então, criança João Mendes, que fora submetido ao martírio
da tatuagem em todo o corpo, e a cara coberta de riscos azuis para ser
distinguido dos selvagens que o educaram nos seus usos e costumes.
Havendo,
porém, os “araras” tido um combate renhido com os “mundurucus” e sido vencidos,
Mendes, preso pelos vencedores foi, depois, constituído o seu chefe, vigando-se
depois, cruelmente, da morte bárbara que aqueles fizeram sofrer aos seus pais.
Em 1825, Mendes foi visitar o Presidente da Província, em Belém, e este
conferiu-lhe as honras de “capitão dos mundurucus”: e, voltando depois a Pauxis
foi recebido pelos seus “súditos”, como um verdadeiro monarca. Mendes nunca
abandonou a vida selvagem, vivendo trinta anos com os “mundurucus”,
aproximando-se dos jesuítas, dos quais receberam os influxos benefícios da
religião do Crucificado. Faleceu este Robinson de nossas selvas aos 36 anos de
idade, sendo a sua morte lamentada por todos que o conheceram, quer entre as
hordas selvagens que dominava, quer entre os mensageiros da fé que espalharam o
germe fecundo da civilização cristã no seio das civilizações selvagens do Novo
Mundo.
Devido
a sua posição estratégica, sempre se pensou, no Brasil, de fazer-se de Óbidos uma
cidade forte: em 1854, ali construiu-se uma fortaleza mascarada, que mal se
divisava do Rio Mar, por achar-se escondida por entre arvoredos densos.
Hoje
possui duas fortalezas, que bem podem manter os direitos brasileiros, na Amazônia,
quando algum estrangeiro ousado procure, levado pela cobiça, profanar o solo
sagrado da Terra de Santa Cruz. Sentinela avançada, postada à margem do
Amazonas, respira-se em Óbidos uma atmosfera de paz e de segurança dos nossos
direitos nacionais, que jamais respira-se em qualquer outra localidade da
Amazônia!”.
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