“Com o nome de Lago Grande de Vila Franca ou
com o, pouco vulgar mas muito mais significativo, de Lago Grande das Campinas,
se designa especialmente a mais extensa bacia d’água doce que se encontra na
Região Amazônica da Província do Pará.
Esta
parte é quase completamente desconhecida dos geógrafos e, se não me engano,
também da administração.
Como
quer que seja, era eu provavelmente um dos que menos adiantados andavam a este
respeito, não obstante o empenho com que sempre procurei estudar as coisas da
Província. Semelhante ignorância molestava-me sobremodo o espírito e, para
dissipa-la, consultava todos os escritos e cartas, sem que me achasse mais
esclarecido.
Assim
é que, tendo de percorrer vários distritos das duas comarcas ocidentais do
Pará, não quis perder esta oportunidade de estudar aquela interessante região;
por isso, antes de partir de Óbidos, eu a inscrevi no meu programa, como um dos
assuntos a estudar. É o que tratei de executar ao largar de Maracauassu (lugar para onde recentemente
havia sido transferida a antiga freguesia de Juruty, grifo meu).
Quatro
furos ou canais dão, durante o inverno, entrada para o Lago Grande ou, para
exprimir-me com exatidão geográfica, para as campinas que o precedem do lado
ocidental. Estes furos que em sua marcha do Amazonas às campinas atravessam uma
floresta gigantesca (?) com extensão de 5 a 8 milhas, são: O Curumucury, o
Irateua, e os dois Muiratubas.
Entrei
pelo primeiro por ser o único que, em qualquer estação, tem corrente permanente
e, como tal, oferece muito maior interesse.
A
sua forte correnteza, devida à pressão que uma parte do Amazonas exerce sobre
seu extreito leito de 10 metros de largura, levou-me num momento ao sítio do
sr. Alfredo Brelas, distinto cidadão da Suíça, em cuja companhia agradável e
instrutiva passei o resto do dia que era o de Sexta-feira Santa, o mais
venerado dos católicos.
Fiz
depois uma digressão pelo lago Curumucury, mui pitoresco, tanto pelas lindas
praias alvas e terras altas que o rodeiam, e pela aproximação d’uma pequena
serra, como pelas numerosas habitações rústicas que povoam suas margens.
Do
Cumurucury foi-me forçoso retroceder para ir a Óbidos, afim de substituir o
relógio que sofrera um desarranjo, e munir-me de viveres que, por um d’esses
acidentes a que frequentemente está sujeito quem viaja em canoas, vieram de
repente a faltar totalmente.
Chegado
a Óbidos, tive, pouco tempo depois, a fortuna de ver fundear ali o vapor Belem,
cujo comandante, o sr. Capitão de Mar e Guerra Pereira Leal, com seu
cavalheirismo habitual e nunca desmentido, que lhe tem merecidamente valido a
estima e consideração de todos que o conhecem, não só cedeu-me o seu meio
cronometro, mas prestou-me ainda outros muitos recursos valiosos.
Subindo
de novo o Amazonas e ganhando a corrente do Carapanim, entrei pelo furo Irateua
que é para os obidenses o caminho mais curto para as campinas, onde saí em
poucas horas.
Saindo
nas campinas e passando sucessivamente pelos lagos de Irateua, da Boca e da
Porta, no rumo geral de SSE cheguei ao Igarapé das Fazendas e ao lago do Salé.
A
SE e cerca de 12 milhas deste lago está o igarapé Piraquara que, confluindo com
outro menor, forma a cabeceira do Lago Grande que pouco adiante, a partir das
Fazendas de Santo Amaro e Arary, toma as proporções de um vasto rio, largo como
o próprio Amazonas, mas sem outro movimento sensível que não seja o do jogo dos
ventos que perturbam sua superfície.
Este
lago que, até a sua foz no Amazonas, não tem menos de 40 milhas de extensão,
com largura de ½ a 2 milhas até a ponta dos Campos, onde a margem norte
desaparece no horizonte, divide as terras altas e férteis que lhe ficam a
direita, das campinas niveladas, a esquerda, cortadas pelo igarapé das Fazendas
e salpicadas, somente durante o inverno, de uma infinidade de lagos de todas as
dimensões, desde 20 metros até 8 milhas de extensão.
As
fazendas de gado em Nº de 52, algumas das quais não contam mais de 50 cabeças,
estão situadas todas nessas campinas, havendo somente 2 ou 3 do lado das terras
enxutas ao S. do lago.
O
Nº total de cabeças de gado vacum nas 52 fazendas não excede de 8.000, e o do
cavalar mal chega a 400.
O
gado esquartejado e o peixe de que, apesar do estrago que lhe fazem os
pescadores, há ainda grande abundancia, constituem a riqueza relativa deste
ponto da Província.
Muitos
barcos, na estação do verão, para ali se dirigem, procurando uns o Igarapé das
Fazendas, e outros acompanhando as terras altas, todos para o mesmo fim: para
carregar o peixe salgado, alguns a carne de moura ou seca e às vezes o gado em
pé.
Nessa
época, a ponta do Uacay, umas das mais belas e mais pitorescas situações do
lago, constitui-se em um centro, ou melhor, em um bazar onde o comércio de
permuta se faz em larga escala entre os regatões e os moradores vizinhos que
ali levam seus gêneros.
A
margem direita do lago, com raras e mui curtas frações do solo, é toda de
terras altas, frequentemente bordadas de belas praias, as vezes acidentadas por
massas de penedos amontoados e sempre revestidas d’uma vegetação vigorosa e
ordinariamente d’uma forte camada de terra vegetal que as torna de uma fertilidade
admirável.
Ali
com efeito floresce e frutifica sem dificuldade toda a sorte de plantas uteis,
adaptadas ao clima equinocial ou intertropical; assim, em vários sítios, como
aquele onde pousei na enseada do Cururu, tive ocasião de ver cultivados com
esmero, posto que em pequena escala, mas produzindo abundantemente o café,
cacau, mandioca, algodão, cana, laranjas, abius e outras árvores frutíferas.
A
falta de braços, porém, ali, como em toda a região ocidental do Pará, é o
escolho em que naufraga o agricultor; é o maior e muito sério obstáculo que se
opõe irresistivelmente ao desenvolvimento da agricultura e dos inesgotáveis
recursos que se podia tirar destas terras preciosas, mas atualmente quase
inúteis para seus possuidores e para o país.
O
Lago Grande, depois de passadas as pontas do Uacay e do Jacaré, contrai tão
rapidamente as suas margens que, pouco adiante, passa o seu braço principal por
um canal cuja largura não excede de 300 metros, e depois chega ao Amazonas por
duas pequenas bocas, defronte da ilha de Marimarituba, ao pé da barreira
Ecuipiranga.
Esta
barreira, que ai acompanha o Amazonas em rumo NE, não é senão um prolongamento
da linha de eminencias que acompanham o lago desde o serro Aracury, belo monte
que se ergue ao S. do igarapé do seu nome como uma pirâmide cônica, coberta de
abundante vegetação.
Falo
aqui unicamente do aspecto que o Lago apresenta durante o inverno, aspecto que
muda quase completamente no verão; nesta última estação todos os lagos parciais
desaparecem e o mesmo Lago Grande fica reduzido a um pequeno igarapé de 300 a
400 metros de largura, que ora se encosta às terras altas, ora corre por um
vasto areal ou lodaçal que, na estação do inverno, é, totalmente coberto pelas
águas”.
Parabéns pelo belo trabalho, através desses relatos, pude viajar no tempo e espaço de minha querida região do Lago Grande.
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