Os viajantes descrevem sempre o
que veem, o que sentem, ou ainda o que ouvem falar. Assim temos, nas descrições
dos viajantes não somente um olhar histórico, mas também um olhar social e cultural.
Vejamos abaixo uma descrição de um viajante do século XIX sobre a cidade de
Óbidos feita pelo francês Auguste François Biard, que entre 1859 e 1861 fez uma
viagem ao Brasil. De suas anotações, tiramos o que segue abaixo, quando o mesmo
já estava descendo o rio Amazonas, trecho escrito quase no final da sua viagem,
visto que em sua subida do Rio Amazonas apenas descreve rapidamente o forte e o
motivo pelo qual o forte havia sido construído naquela parte do rio. Eis o
texto:
“A canoa ficou amarrada perto de terra
ao lado de várias outras nas quais se achavam muitos indígenas. Aproveitei o
ensejo e pintei um muras e uma mulher das margens do Andira. Não foi sem custo
que tive de me meter em trajes de cerimônia para ir fazer visitas. Procurei
furtar-me a esse protocolo. Havia um vapor no outro dia e podia me dispensar
dessas novas amizades. Tinha, porém, de tratar de assunto importante:
desembaraçar-me da canoa, pois não podia levá-la para Belém. Nesse momento uma
mulata já idosa, saltando de canoa em canoa, veio sentar-se ao lado da minha e
me perguntar se ela estava para vender. No caso afirmativo iria buscar o patrão
para nos entendermos. Vinha a calhar a proposta, e tratei de não perdê-la.
Efetivamente um quarto de hora depois um gordo português veio a mim e indagou
do preço da canoa. Ou melhor, ofereceu-me logo uma soma que era apenas inferior
em 30 francos do que me custara a embarcação. Aceitei sem relutar: negócio bom
para ambos. Eu me desembaraçava do que não mais precisava; ele adquiria um
barco com que negociara no transporte de madeira do Amazonas. Fiquei apenas com
a vela para enrolar com ela os objetos para os quais não dispunha de caixas.
Vesti-me, então, vagarosamente para ir
concluir a transação. De caminho entreguei uma das cartas trazidas para Óbidos,
e como o destinatário não me ligasse importância rasguei a outra, destinada ao
comandante do forte. Sendo intolerável o calor, voltei para bordo. Ali
esperaria o vapor, segundo combinara com o comprador, e este confiou tanto em
mim que pôs nas vizinhanças uns escravos de vigia para não me perderem de
vista, nem de dia nem de noite. Ao lado, uma embarcação cheia de cavalos e
imunda. Miguel armara perto minha rede. Passei a noite com um calor tremendo,
quase nu, e a me coçar desesperadamente. Ainda por cima a guerra aos mosquitos.
Ao clarear, fui para dentro da barraca. Mais tarde dei uma volta pelas
cercanias do forte e arrependi-me de ter rasgado a carta para seu comandante.
Aproximando-me do portão, vi que era desnecessária: nem soldados, nem
sentinela. Entrava-se à vontade. Dentro, apenas os canhões sobre rodas numa
esplanada em semicírculo, diante de uma muralha de um metro de altura. Causou-me
reparo que essas peças tivessem na frente, como para não lhes permitir
atirassem para baixo, uma espécie de jardim.
E o vapor a demorar. Fui dar um
passeio numa praia defronte de uma ilha que esse vapor deveria contornar antes
de entrar no porto. Assim o veria chegar mais depressa. O calor ali era tão
forte que eu ia andando dentro d’água. Cansado, parei. Tomei um banho que durou
uma hora; não tinha vontade de sair dele. Era quase meio-dia. Nem sombra.
Avistei uns arvoredos e encaminhei-me para lá. Mas, ao alcançá-los, verifiquei
que não podiam oferecer-me proteção suficiente. Sentei-me, porém, ali, contra o
sol. Havia certa umidade nos rochedos da praia e seminu encostei-me a essas
pedras embora pudesse adoecer. Tentei desenhar. Impossível. Tomar notas, ainda
menos. Meus olhos estavam tontos de luz, minha cabeça doía, não atinava com o
que fazer. Ficar ali, não me era possível; voltar, era tão longo o caminho! E o
vapor que não chegava! Meti-me n’água de novo, mas não demorei. O primeiro
banho parecera-me morno; agora sentia frio. Tremia. Vesti-me e regressei à
canoa, num lastimável estado. Duas horas após ardia em febre. Deitei-me na
rede. Delirei.
Assim esperei ainda três dias o vapor.
Sem dúvida um acidente demorava-lhe a chegada. Afinal entrou no porto. Era
tempo (...)”.
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