No dia 05
de agosto de 1908 o Jornal “A Província do Pará” publicou uma notícia que foi
reproduzida até mesmo em jornais e revistas da capital federal. Abaixo transcrevemos
a publicação que chamou a atenção dos médicos e curiosos de então. Leia com
cautela, pois o texto retrata algumas das superstições amazônicas da época:
“Há poucos dias batizou-se na Matriz de
Alenquer uma criança de quatro a cinco meses que representa um curiosíssimo e
estranho caso de sugestão materna, realmente interessante, é um fenômeno digno
de estudo. Por ocasião da cerimônia de batismo, o pequeno templo encheu-se de
curiosos, contando-se entre eles o sr. Heitor Araújo, interessado da joalheria
Goetschell, à rua Conselheiro João Alfredo, e que também teve ocasião de
admirar a extraordinária criança.
Trata-se de um pequeno ser com todas as
formas humanas, mas com o couro perfeito de uma jibóia, desde as manchas brancas,
vermelhas, pretas, etc., à escamosidade desse repulsivo réptil. A cabeça não tem
cabelo; é ornada por grandes escamas ligeiramente arrepiadas.
A estranha criança conserva-se muda, nunca
se lhe tendo ouvido o menor gemido. Sua mãe vive de continuo a umedecer-lhe o
corpo, borrifando-o com água, pois há momentos em que a pele seca de tal modo,
que chega a rachar.
Segundo ouviu o sr. Heitor Araújo, foi causa
desse horrível fenômeno uma impressão muito funda recebida pela mãe do menino
nos primeiros meses de gestação.
Indo seu marido a uma pescaria, longe de
casa, no igarapé central, Arapiry, encostou a canoa a uma das margens, passando
a ver, próximo, um espinhel que armara. Ao regressar à canoa, encontrou dentro
desta enorme jibóia, que matou, tratando logo de retirá-la para terra. Feito
isso, voltou de novo à embarcação e, ao pisar sobre uma taboa, ao fundo da canoa,
sentiu-se picado por outra cobra, igual à primeira, que ali se abrigara. Como é
sabido, há um tempo em que a jibóia é venenosa, e então é perigoso tomá-las
como bichos inofensivos. Foi justamente nesta quadra que o fato se passou.
O pescador estava um tanto alcoolizado e não
apareceu mais em casa. A mulher que, como acima dissemos, estava no primeiro
período da gravidez, passou a noite inquieta e saiu no dia seguinte bem cedo, a
procurar o marido.
Depois de algumas pesquisas pelo mato,
encontrou-o morto, caído no chão, por sobre a cobra, também morta.
Foi este quadro que sugestionou fundamente a
pobre mulher, incutindo-lhe no ânimo uma tão poderosa impressão de horror e
repugnância, que nunca mais conseguiu esquecer o terrível espetáculo.
O parto ocorreu em condições normais, mas a
vítima desta inclassificável fatalidade estava reservada ainda uma desdita bem
mais desesperadora e bem mais triste – gerar e dar à luz um ser desgraçadamente
deformado pelos inexplicáveis e caprichosos mistérios da natureza.
Já veio para Belém o menino-cobra.
Em companhia do farmacêutico sr. Álvaro
Benício de Mello, chegaram ontem à tarde, Maximiana Maria da Costa e seu filho,
a vítima do monstruoso infortúnio, de nove meses de idade. Chama-se Manoel de
Sant’Anna Costa, o pequenito.
O sr. Benício de Mello, tendo lido a notícia
de “A Província”, resolveu transportar-se ao local em que se achava o
extraordinário pequeno, com sua mãe, no intuito de conduzi-los a esta capital
e, em seguida, apresentar o monstrengo à observação médica.
Na cidade de Alenquer, onde o prático de
farmácia Francisco Batista fez, espontaneamente, uma subscrição em favor do
pequeno, rendendo 115$, o sr. Benício de Mello ministrou alguns curativos aos
olhos da criança, que estavam entumecidos medonhamente e com as pálpebras em
estado de inspirar verdadeiro horror. O pequeno melhorou bastante com o
medicamento aplicado.
Chegados a Belém foram a bordo além dos repórteres
dos jornais, grande número de curiosos, que desejavam ver de perto o
menino-cobra.
O sr. Benício de Mello, que vai submetê-lo
ao exame dos srs. Doutores Azevedo Ribeiro e Tertuliano Pacheco, especialistas
em moléstias da pele, forneceu mais algumas informações interessantíssimas:
Sempre que a mãe o amamenta, o menino Manoel
Costa dá com a língua estalidos secos e vibrantes, que assemelham os que se
notam nas cobras. E só se encontra perfeitamente bem quando a sua desditosa
genitora lhe umedece a escamosidade, passando-lhe de quando em vez sobre o
corpo um pano embebido em água fria.
Vive sempre metido numa bacia com água e não
suporta o calor.
Uma particularidade curiosíssima, observada
pelo sr. Benício de Mello: a casca da jibóia, perfeitamente desenhada e urdida,
que reveste o desgraçadinho, parece, ao tato, não estar aderida à carne,
conservando-se bamba, flácida, como que despegada da verdadeira epiderme humana”.
Já tinha ouvido falar. Mas sempre achei que fosse lenda. É interessante notar a linguagem jornalística preconceituosa da época: o pobre menino foi taxado de "desgraçadinho", por se tratar de uma criança "diferente". Coisa que o Estatuto da Criança e do Adolescente hoje não admite. Talvez o "menino-cobra" fosse apenas um caso grave de psoríase (do greso psora = coceira, + sis = ação, condição) -- uma doença cutânea de fundo hereditário e forte componente psicológico, mas não contagiosa, caracterizada pela erupção de placas eritematosas cobertas de escamas esbranquiçadas ou nacaradas, mais frequentes nos membros inferiores e superiores e no couro cabeludo. Na primeira década do século XX talvez ainda não fosse suficientemente conhecida ou estudada. O Dr. Dráuzio Varella diz que psoríase não tem cura, mas tem tratamento. Aguardo, curioso, a postagem da foto que ilustrou a reportagem,
ResponderExcluirMeu Deus , como se explicar isso, e o que ouve com a criança
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