“Um negociante da Vila de Santarém, tendo ido
ao giro do seu negócio pelo rio Tapajós, aportou na Vila de Boim. Ainda a canoa
não tinha largado âncora; eis que se apresenta o Porteiro intimando-lhe que de
Ordem da Câmara se apresentasse em continente nos Passos do Conselho.
–
Como pode a Câmara saber que eu me acho aqui – disse o negociante – se apenas
acabo de chegar e ainda ninguém me viu?
O Porteiro enfurecido por não ser de pronto
obedecido virou costas protestando que em breve tempo lhe faria conhecer melhor
quem ele era... O negociante, não sabendo a causa deste enfado, chamou pelo
Porteiro, rogando-lhe esperasse enquanto se vestia; mas o Porteiro sem o querer
ouvir se retirou.
Não tardaram dez minutos; eis que se
apresentam cinco homens, índios, vestidos com calções curtos de pano de
algodão, camisas do mesmo com a fralda para fora, descalços, com chapéus de
palha, tendo cada um deles um comprido pau na mão e uma saia preta deitada
pelos ombros: então o negociante espantado com a vista desta procissão, se
dirigiu a eles perguntando-lhes quem eram e o que queriam.
– Quem somos? – disse um deles – Pois não se
vê que este é o Senado desta Vila, a quem Vossa Mercê a pouco desobedeceu,
incorrendo assim em pena de morte?
O negociante rodeado daqueles sujeitinhos,
receoso de que levassem a asneira mais longe, deu mil desculpas que felizmente
foram atendidas, dizendo que ele já se ia vestir para acompanhar aonde
quisessem, mas o Juiz Presidente o interrompeu dizendo:
– Nada, nada, venha assim mesmo, porque esta
Câmara não é de cerimônias.
Assim foi o negociante levado em procissão
até os passos do Conselho aonde se lhe deu o lugar de Presidente que ele recusou
aceitar, porém a Câmara lhe ordenou que sem réplica o aceitasse. Aberta a
Sessão disse o Presidente:
Meus Senhores há quatro dias que estamos em
variação, sem que apareça uma só pessoa que saiba ler, para nos dizer o que
contem neste ofício do Excelentíssimo Senhor Presidente da Província, ele aqui.
Então todos prestaram atenção e o negociante
começou a leitura do ofício, findo o qual lhe ordenou a Câmara que respondesse.
– O que querem vossas Senhorias que eu
responda? – disse o negociante.
– Responda – lhe tornou o Presidente –
Responda o que quiser, e não desobedeça à Câmara.
O negociante para se ver livre deles,
escreveu o que lhe pareceu, e cada um dos Vereadores se prestou prontamente com
a sua cruz, sem que soubessem o que continha a resposta.
Concluído este ato, foi o negociante
acompanhado pela Câmara até a sua canoa, aonde despedindo-se deles até ao outro
dia, lhe ordenaram não saísse daquele porto sem nova ordem.
Apareceram no outro dia e o mimosearam com
belo peixe fresco, e caça que tinham ido agenciar e agradecendo-lhe muito o
grande serviço que lhes tinha feito, lhe permitiram licença para se retirar”.
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