Nesse grande sítio tem Sua Majestade uma fortaleza
que chamam “O Presépio”, situada na Cidade de Belém; dista do mar 25 léguas (e)
fica na banda do leste, numa ponta de terra firme mui saudável e fertilíssima
de todos os frutos da terra e muitos de Espanha, como são melões, melancias,
pepinos, hortaliças, romãs, laranjas, cidras, limas, doces, toranjas, figos,
algumas uvas de cachos tão grandes que pesam três e quatro libras, e tudo com
tão lindo sabor que excede às de Espanha. Está situada a dita fortaleza sobre
uma grande enseada que ali faz o rio, tendo à vista três caudalosos rios; o
primeiro se chama Capim, o segundo Oacaza (Acará?), o terceiro Moysu (Moju),
todos abundantes de alguns peixes e muita caça do mato. Tem a enseada fundo
limpo de seis até vinte braças próximo à terra e debaixo da artilharia, ainda
que aberta a baía. Tem algumas ilhas de onde com pouco custo se pode defender;
tem ainda outro sítio, na costa da mesma parte do leste, que os índios chamam
Porto do Sol, que é o melhor do mundo para sua defesa, e basta para sê-lo estar
no mar; perto há muitíssimas choças dos portugueses, feitas com escravos deles,
e alguns povoados de índios libertos.
A segunda fortaleza está situada em Curupá (sic),
a 100 léguas da cidade de Belém; a povoação tem por nome São José; o forte
Santo Antônio está também por este lado. Atributasse (sic) para ir lá, Camutá,
o rio dos Tocantins, o rio de Yguape, o rio de Pacajá, o rio de Guanapus, todos
rios mui caudalosos e com tal número de índios de diferentes nações que é
impossível podê-los nomear; o (rio) de Tocantins, por outro nome das Pedras,
tem fama de conter muitas riquezas, e por não haver gente não se tem sabido a
verdade. Esta fortaleza do Curupá tem fama, (mas) não defende coisa alguma por
estar sobre uma grande barranca; é somente para conservação dos índios
alforriados que vivem ali próximos, e para correr a costa do cabo do Norte, por
onde continuamente entram os inimigos a povoar e comerciar com os Aruaca,
Araguoazi, Comaú e todos os moradores de Tocusingue (sic). É uma mata de mais
de 50 léguas até Genipapo, pela beira do rio, e mais 150 léguas pela terra
adentro; tem umas 15 nações de índios diferentes a cada nação tem grande número
de povoados, gente mui irmanada com os estrangeiros e mui grandes soldados
(guerreiros) e por sê-lo, em defesa de seus compadres lhes custou a vida a mais
de 15.000 almas; toda a dita terra (é) mui plana de savanas com mui grandes
pastos para gado, e as mais terras (próprias para) tudo que lhes enviarem para
o sustento humano; (é) terra arenosa e há algumas matas, principalmente de
Yaguoara coru até Genipapo, donde dizem que saem as pedras verdes e se tirarão
metais se os buscarem; neste Curupá faz desaguadouro o grande rio de Parnayva
(Parnaíba, hoje Xingú) que corre ao sul; terá de largo três quartos de légua,
lindas águas e melhores terras, de uma parte e de outra muito cheia de índios
corpulentos, os rostos pintados de riscos tão cerrados que ficam enegrecidos e
têm por nome Seruna (Juruna), que quer dizer boca negra; é gente tão valorosa
que quando saem em suas canoas à guerra levam as mulheres consigo e tão
confiantes nelas que pelejam os maridos e elas fiam seus algodões conversando
umas com outras. Não há ninguém que dê relação do nascimento desse rio, a não
ser que vem de muita terra adentro.
Atravessando esse rio vai-se (per)correndo terra
até os Tapajós, que distam oitenta léguas do Curupá, e todo esse caminho é
despovoado sobre o rio, mas a duas ou três léguas terra adentro são incontáveis
os índios que há; usam já, todos os deste quadrante, de flechas ervadas tão
venenosas que vertendo mesmo um pouco de sangue não há remédio algum, nem os
que as usam o conhecem; são todos notavelmente carniceiros, comendo-se uns aos
outros como fazem todos os do rio. Os tapajós estão situados na boca de um
grande rio que para mim é braço do de Pernaíba (sic), porque a mim o afirmam
alguns naturais. Terá este povoado de 15.000 moradores (vecinos) para cima (e)
no rio muitíssimos. Aqui trataram mal os religiosos de São Francisco que desceram
desta cidade de Quito, tirando-lhe o habito ao padre Fr. Andrés de Toledo
dando-lhes alguns empurrões, e lhe pos o nome de baruiarrojas (barbaroxas?) por
as terem tingidas e riscadas (as faces?) como os Xeruuna (Juruna). Neste mesmo
povoado mataram alguns homens de Francisco de Orellana, que (e) ainda hoje há
arvores (troncos?) das estacas de sua cerca; no mesmo lugar fizemos as nossas
(pousadas?) quando lá viemos.
Deixando este rio caminhamos para oeste umas 80
léguas, tendo o rio sempre de duas léguas e meia de largura até um estreito que
não tem mais que um quarto de légua, mas tão fundo que a 80 braças não se pode
tomá-lo. Tem lindas praias para fortalezas e defesa do rio e lindos sítios
junto à terra e ainda que despovoado junto ao rio de uma banda e de outra, bem
perto daí é tanto o gentio como nas demais partes. Deste sítio para cima volta
a alarga-se o rio com tal largura que nos foi mister vir sempre pela mão
esquerda (de quem sobe) para não desviar do nosso rumo, e assim da outra parte
(a margem norte) até o rio Negro não darei razão. Havia 120 léguas deste sítio
(o estreito de Óbidos) até os Tupinambá; esta nação é de gente mui feroz e
carniceira e nunca quis conhecer sujeição; por isso vieram fugidos do Brasil
rompendo por terra e conquistando grande números de gentios até chegar ao
grande rio e sítio onde hoje vivem. Eles nos deram muitas noticias das
Amazonas, muito averiguadas que estavam somente a seis jornadas dali; como não
as vi só o afirmo por verdade; haverá dessa gente e de outras diversas nações
que eles (elas?) têm sujeitas ao seus domínios uns 300 povoados e mais não
terão, e até 500 ou 800 casales (casais, casas?) cada um. Aqui se acabam as
flechas ervadas perigosas e ainda que por todo o rio as haja, não matam como as
sobreditas.
Desta (região) até o rio que, segundo as
informações, nasce no Cusco, haverá 40 léguas; o rio (é) mui caudaloso e de
muita profundidade. Pusemo-lhe o nome de Madeira, pela muita que trazia
consigo. Tivemos informações de haver nas (suas) cabeceiras espanhóis e padres
e sinos e muito gado; o rumo que ele segue e os demais rios de importância e
suas alturas os declarará o piloto-mor, que por ser oficio seu não tratei de
guarda-los de memória. Haverá daqui até o rio (Negro) uma 60 léguas; terá
(este) na boca pouco mais de meia légua, mas a pouca distância para dentro vai
aumentando com largura de duas a três léguas; no que andei por ele, que foram
duas jornadas, este rio é notável pela grandeza e muita profundidade, que sem
ser verão, no tempo que entrei nele não lhe vi baixios nem coroa (?) alguma; a
água é muito má para se beber por ser muy grossa, mas entram nele muitíssimos
rios de água muy clara e boa de se beber; não corre nada o rio (?) e está (tão)
enegrecido que parece fino azeviche e (mais) colhendo um pouco dela é clara
como as demais. Tem estreitos para se fazer todas as defesas que se quiserem,
com muita pedra para fortalezas e casarios, lindas praias para fazendas; as
terras prometem muita fertilidade pelo que vi; nos povoados de índios que conheci
são tantos (os índios) que não me atrevo a lhes dar o numero; (é) gente de
guerra, mais política que os demais que até ali vivem; em deu poder encontrei
alguns pedacinhos de prata metidos em madeiras que traziam nas orelhas, mas
pouca quantidade (de prata?) tem o rio, assim como pouco peixe, mas muita
tartaruga e muitíssima caça; pusemos-lhe o nome de Santa Luzia porque no seu
dia chegamos lá; aqui fizemos 500 fânegas de farinha mandioca para nosso
resgate (suprimento), por haver muitíssima, e milho, que (é) o sustento de
todos os moradores de um e outro rio.
Deixei contente e satisfeito todos os moradores do
rio de Santa Luzia com dádivas de machados, cosillas (ou “cuchillos” = facas?),
anzóis, miçangas, pentes e outras coisas, por me parecer assim conveniente ao
serviço de Sua Majestade pelo muito que aquelas partes prometem. E saindo dali
voltei a buscar o caminho do rio Marañón, e metido nele caminhei sete dias (no)
despovoado, embora tenha encontrado muitas canoas de que não pude tomar fala, e
ao cabo delas entrei no princípio da máquina do gentio que está assentado sobre
o rio, tão vizinho um do outro que em 300 léguas pode se dizer (que) é somente
um povoado e termina onde pusemos o nome de rio do Ouro por terem os moradores
quantidade feito em panmetas (palhetas) que traziam nas orelhas e narizes e do
qual trouxemos algum para cá, e feito exame achou-se ser algum vasinilla (?) e
outro ouro de 21 quilates e mais, e de tudo isso a muitíssima quantidade porque
todos os índios o trazem, e muito cobre, de que não tratei por ser conhecido.
Lindo gentio o que o usa, bem arrumadas as suas mulheres, de bons modos e
confiantes trazendo de comer a nossos remadores e aos soldados.
E (fomos) caminhando dali por outros sete dias sem
gente no rio até o primeiro povoado dos Omágua, havendo no meio (do caminho) um
grande rio que chamam das Barreiras por te-las grandes na boca; corre ao sul
(e) não dão os naturais relação do seu nascimento, somente que vem de muito
longe e (é) todo povoado de muito gentio e valentes porque nenhum se atreve a
(...?); dizem (que vem) também do Peru.
Ao cabo dessas sete jornadas começam os Omáguas que usam as cabeças chatas;
ocuparão de longitude do rio 100 léguas e terão de povoados 400, pouco mais ou
menos; gente mui carniceira, e suposto que todos os do rio o são e se comem uns
aos outros, esses passam da conta porque não usam de outra carne senão a humana
e tem por troféu as caveiras dos que matam penduradas em suas casas e são tão
grandes comedores que a grossura da gente os faz todos pelados (?) e essa gente
desceu fugida dos Quijos; a maioria dos povoados são grandes e abundantes de
todo o necessário.
Deixando esses povoados, até o rio Napo nos Quijos,
é todo o rio despovoado nas margens, mas terra adentro não há terra despovoada,
assim como em todo o rio, atrevo-me a afirmar, é incontável a gente que há. É
incrível a fertilidade desse rio, porque tem muitos peixes de diferentes
qualidades, muitas carnes do mato, muitíssima mandioca e ainda muitíssimas
frutas de diferentes castas, grande número de tartarugas (e) madeiras em grande
número de diversos tipos; há muitíssimos rios que descem ao rio grande tanto de
uma parte como de outra; entre eles o grande rio Tungurágua e outro, o Curaray,
dos quais aqui há notícia em todo o rio; (há) grande número de casos (?) de
duas ou três castas; há também grande quantidade de algodão de que fazem os
moradores suas camisetas e mantas de que se servem. Todo esse grande rio é
navegável e podem chegar embarcações grandes até o rio do Ouro partindo de
Curupá com as monções que começam pelo (dia de) São João, e com elas pode se
vencer a correnteza, e dali pra cá se pode navegar senão a remo, por falta de
ventos, que começam ali a ser contrários, que é fundo (e) até o Napo há muito
(?). Há neste rio mais de 30.000 ilhas e muitas delas habitadas e mui grandes;
pelas muitas voltas que faz há tão grande número de léguas que por vezes
chegando a cinco e seis graus no sul e muito ao (...) equinocial (?).
A cidade do Pará está ao sul em dois terços (de
grau) menos alguns minutos. Os holandeses têm chegado sondando (explorando) até
o sítio de caça Juro (?), quatro jornadas inteiras acima do Tapajós e tem feito
muitíssimo esforço para povoá-lo.
Todo esse grande rio é mui saudável porque não tem
calor rigoroso nem frio que obrigue a aumentar as roupas; prova de (que é)
sadio (é) não haver um enfermo em toda a máquina de povoados que há.
A quantidade de léguas não a declaro, nem as conveniências
(rotas) da máquina dos rios que entram no grande Marañón, porque como tenho
dito não tomei de memória seus rumos nem alturas, uma vez que o piloto-mor o
fez e disso dará relação sobredito.
Suposto que este grande rio tem 83 léguas de boca,
desde a sua ponta irá se parar até a ponta de Araguoari, com tudo isso é
defensável, porque na costa não pode ficar o inimigo por causa das muitas
correntezas (e) entrando (pelo rio), como tudo são ilhas e canais diferentes,
ainda que pelas armas não se possa impedir sua presença, com balsas de fogo (?)
não pode passar nenhuma, e suposto que a S.M. lhe têm enviado relação e que o
grande canal que dá na parte que chamam Cabo do Norte são advertidas imaginadas
somente pelo inimigo a ser por ali mais curso (?), a causa é porque nunca têm
sabido (?) até hoje o Porto do Sol, e por essa causa não o cursam (frequentam).
E da outra banda, além de muitos baixios que tem, a cada hora mudam-se os
canais com tanto perigo que não há ano em que não se percam navios por causa da
pororoca, que é tão impetuosa que colhendo um navio surto, ainda que esteja a
quatro amarras o faz em pedaços; e disso só eu posso dar verdadeira relação,
por tê-lo navegado e experimentado por algumas vezes e encontrado navios de
grande porte perdidos; e todo o contido nessa relação o certifico e juro pelos
Santos Evangelhos ser tudo verdade por ter andado nele e visto com meus olhos e
me ter certificado de muitas coisas para não parecer fabuloso.
Feita nesta cidade de São Francisco de Quito aos
dois dias do mês de janeiro de mil seiscentos e trinta e nove anos.
O General Pedro Teixeira
Nota: A presente versão desta “Relação” é
uma tradução, com notas em parênteses, do pesquisador Antônio Porro.
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