sexta-feira, 21 de julho de 2017

Sobre o mais famoso vinho de caju de Santarém – 1859

Inumeráveis cajueiros vegetam e frutificam nos campos e florestas dos subúrbios desta cidade de Santarém. Produzem anualmente copiosos frutos dos quais o povo escolhe sempre os mais doces para chupar o suco, isto sem utilidade alguma para a indústria.
Do ano de 1854 a esta parte, o gênio curioso e altamente empreendedor do sr. Joaquim Honório da Silva Rebello, conhecendo que, do sumo desta fruta, algum proveito de maior interesse poderia tirar-se, deu-se ao improbo trabalho de examinar suas qualidades naturais em ordem a reconhecer qual o melhor uso que a indústria poderia fazer dele em utilidade comum. Depois de repetidos ensaios e acuradas experiências conseguiu, enfim, obter um delicioso vinho, preparado por um processo inteiramente de sua invenção, e bem assim outras muitas bebidas.

Na sazão própria, que anualmente coincide com o outono, o sr. Rebello, acompanhado com algumas pessoas do seu serviço, dirige-se ao campo a fim de colher esses frutos, e apenas lhe cabem os mais azedos, refugos abandonados pelo povo que, como acima se disse, se aproveita com avidez dos mais doces. Da mesma qualidade são os que, em paneiros, costuma comprar, e todos não chegam a fazer a 3ª parte dos frutos, produzidos em cada sazão, devido isto a falta de meios, que não o habilitam para maiores despesas. Tem fabricado todos os anos cerca de 4 pipas, e se lhe fosse possível fazer a colheita em maior escala poderia fabricar, por um termo médio, para mais de 12 pipas anualmente.
Começando a sua empresa em pequeno, tem com o andar do tempo progredido, em proporção de suas forças, exportando em maior quantidade, nos três últimos anos precedentes, nos quais o fabrico se tem elevado a maior perfeição e pureza de modo, que se lhe pode dar, sem exageração, o título de genuíno vinho de caju, correndo parelhas com os mais excelentes vinhos da Europa.
Tem igualmente fabricado, do mesmo suco do caju, o vinho abafado, o champanhezado, o composto com salsa, a aguardente, o licor dulcificado, o vinagre, o capilé e mesmo a geleia.
Suas experiências se tem do mesmo modo exercido sobre o suco de outras diversas frutas, a cana de açúcar há também sofrido seus ensaios, em ordem a obter de sua calda um vinho igual ao de caju, e os resultados tem coroado seus esforços posto que, acanhados ainda, pela mesma razão da exiguidade de meios à sua disposição.
O sr. Rebello, com quanto destituído dos preliminares precisos para entrar no santuário da química, todavia seu gosto e tendência natural por este importante ramo dos conhecimentos humanos o tem levado a estuda-la, mediante as sábias explicações dos seus dedicados amigos, o ilustrado sr. Affonso Maugin Dezincout e o habilíssimo farmacêutico, o sr. João Batista de Mattos, que com seus esclarecimentos muito o tem ajudado, e a quem ele se confessa sumamente grato.
Concluímos, pois, repetindo que o sr. Rebello, baldo de recursos, apenas possuí o amor ao trabalho, e uma dedicação a toda prova: eis os elementos com que tem adquirido um crédito sem limites, e é estes em contradição o único capital com que há lucrado os meios de uma subsistência honesta. Necessita, portanto, de mais valiosos incentivos, que o animem a progredir com vantagem, neste ramo de sua invenção, de tanta consequência para a indústria do país, e que no futuro promete ser um dos gêneros mais preciosos do nosso comércio de exportação.
Quando se trata de criar novas indústrias e de lhes dar o devido impulso, a solicitude do Governo é, sem dúvida, a primeira condição de tais melhoramentos, pois, sem esta garantia e animação, perdidos serão os mais bem combinados planos da parte dos empreendedores.
Santarém, 28 de junho de 1859.

Assina: O Amante dos melhoramentos úteis.

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