domingo, 22 de novembro de 2015

Artigo: Como era a Festa da Conceição

João Santos

Mais um ano se vai celebrar a Festa de Nossa Senhora da Conceição dentro do figurino da melhor tradição de anos anteriores: círio, arraial, barraca da santa e procissão de encerramento...
A Festa teve suas origens na devoção a N. Sra. da Conceição, que o missionário jesuíta Betendorf colocou como padroeira da missão que fundou na aldeia dos tapajós, na segunda metade do século XVII.
Rezam as “crônicas” do padre fundador, que nas missões, durante o ano, se celebravam quatro festas importantes: Natal, Páscoa, Pentecostes e a do “padroeiro”.
Essas festas eram importantes acontecimentos que motivavam a vinda de muita gente da redondeza, para participar dos oito dias festivos. Era ocasião oportuna para celebrar os batizados, casamentos, crismas e até 1ª comunhão. Como não tinha lugar para alojar tanta gente, em torno da igreja se faziam moradias provisórias, estabelecendo-se um ajuntamento “festivo” – O ARRAIAL – onde o pessoal ficava estabelecido durante a festa.
A festa se constituía da “novena”, quando, na igreja, era cantada em latim, a ladainha de Nossa Senhora. O início da festividade era assinalado com o “levantamento do mastro”, onde era içada a bandeira na qual se estampava a efígie do padroeiro. A festividade terminava com a “derrubada do mastro”.
Não restam dúvidas que o “Círio da Bandeira”, a que se refere o autor de “Tupaiulândia” tenha as suas origens naquele ritual de “mastro da bandeira” e que depois, por volta de 1895 se tenha concretizado no atual “círio”, levando no devido plágio, o “Círio de Nazaré” de Belém.
A missão passou. A aldeia virou vila, depois cidade, mas a tradição ficou, sofrendo a natural modificação ditada pelos novos costumes do povo.
A Festa de Nossa Senhora da Conceição tomou impulso a partir de 1844 quando foi fundada a Confraria de Nossa Senhora da Conceição, que tinha como finalidade “celebrar o culto da Imaculada Conceição de Maria Santíssima no dia 8 de dezembro de cada ano”.
Pelo artigo dezoito do estatuto da aludida Confraria, ficava estabelecido que, a festividade se constituía de “novenário, vésperas solenes pelas sete e meia horas da tarde, missa solene com o Santíssimo Sacramento Exposto, sermão no Evangelho e procissão a tarde”. E o mesmo estatuto, no artigo vinte determinava que a “festividade anual tivesse um juiz, uma juíza, vinte mordomos e dez mordomas”. Data desse tempo uma certa organização na promoção da Festa.
O grande acontecimento do “arraial” se constituía nos três leilões, que eram promovidos em benefício da festa: no início, no meio e no final dos festejos, quando eram leiloadas as oferendas mais variadas: animais, licores de frutas, comidas e as “prendas”, que as “senhorinhas” das famílias importantes faziam com certa dedicação para o leilão da santa esperando provocar grandes lances dos seus “fãs”. Para esses leilões tinham os grandes PREGOADORES, que sabiam como provocar competição nos lances entre os fazendeiros, os comerciantes e outros componentes da “elite santarena”.
Nessa época, a praça da matriz – como se chamava a atual Praça Mons. José Gregório – era desprovida de arborização e de calçamento. Era um platô de terra amarela que terminava na rampa à margem do rio. Em frente à matriz se colocava um coreto de madeira removível e que só veio a ser fixado nos primeiros anos deste século, depois que desapareceu um grande cruzeiro que dominava a praça.
As barracas eram erguidas em frente da matriz em volta do coreto improvisado. A iluminação provinha das lanternas de carbureto colocadas em pequenos postes, e que eram assistidas permanentemente por pessoa incumbida de providenciar o combustível e água assim que se fizesse necessário.
Mas o tempo foi andando e as coisas foram mudando, e ditando novos comportamentos na festa.
O arraial se foi ampliando. Em novos locais foram erguidas as barracas, cada ano em maior quantidade. No chalé “Miosote” localizado no lugar onde hoje se ergue o “Olímpia”, D. Agapita instalava a sua barraca para a venda de açaí, que depois passaria para sua irmã, D. Silvia, até os dias de hoje.
Foi durante a Festa da Conceição de 1894, que se registrou um fato inédito em Santarém: o funcionamento de um gramofone – “essa máquina fenomenal, que fala, ri, canta e chora” – conforme noticiava o jornal “Baixo Amazonas”, colocada no botequim do Sr. Fileto Miranda. Não é preciso dizer do sucesso que alcançou, da mobilização do povão, que se postava no botequim do seu Fileto para ver e ouvir os discos tocados pela “máquina fenomenal”.
A Festa da Padroeira motivava o povo, que para ela se preparava. O povo procurava vestir roupa nova, calçar sapato novo e usar exalantes perfumes. Dificilmente alguém ia ao “largo” no dia da Festa sem estar vestindo roupa nova, ou calçando um sapato, que logo era identificado como novo pelos CALOS que provocava o andar coxo de alguém desacostumado com os borzeguins especialmente importados pelo “Castelo” ou “Primavera”, para o tempo festivo.
No botequim permanente do seu Bahia, que pela sua localização na praça, ficava com maior movimento durante a Festa, os catraieiros nas suas costumeiras reuniões, sempre na rotina da espera do navio, eram olhados com certa desconfiança pelo pequeno contingente da polícia, que temiam as arruaças do João Cavalo, um negro forte, capaz de colocar o destacamento em fuga. Era do botequim do Bahia que surgiam as “confusões” que em certas noites quebrava a cadência do passeio no “largo”, no “corre-corre” salvador...
A “barraca da santa” só começou a funcionar por inspiração do prefeito Ildefonso Almeida, na sua primeira administração em 1932, localizada ao lado direito da Praça.
Logo se tornou o ponto de preferência da “elite”. Nos primeiro anos, cada noite da barraca era entregue a um grupo de famílias que se encarregava do movimento.
Para alegrar o arraial, duas bandas de música se revezavam no toque dos dobrados, marchas e maxixes.
Para quem gostava de saborear sorvete, Geraldo Boa Morte e Cigarrinho batalhavam noite adentro em movimentar, manualmente, pequenas sorveterias que eram reabastecidas das caldas de graviola ou abacaxi, à medida que os sorvetes, em pequenas taças eram consumidos pelos inúmeros fregueses.
Outra preferência que continua pelos anos, era a “garapa” do Pequenino, que antes de ter a “Ypiranga” montava o “Bar Camarada”.
Entre as distrações se destacavam o carrossel “Anel de Saturno”, do seu Figueira e a “casa de sorte” do Sírio Abdon.
O bazar do Abdon era o atrativo da criançada com grande porção de brinquedos que o Sírio arrumava nas prateleiras abarrotadas com lindas bonecas, sanfonas, gaitas e outros que eram identificados com grandes números para o sorteio feito através de uma roda que girava e cujos prêmios dados eram sempre “grampinhos” para cabelos ou latinhas de brilhantina perfumada para a mesma finalidade.
Na noite escura subiam aos céus os balões coloridos fabricados pelo Professor Carvalho. Alguns antes de ganhar altura, incendiavam-se, outros subiam e se perdiam no espaço...
Era assim a Festa da Conceição...


(Publicada originalmente no Jornal do Baixo Amazonas em 26 de novembro de 1978)

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