Poema, suspende
a taça
Pelos dias que
vivi.
Espelho, diz-me
em que jaça
Mais fiel me refleti.
Quarenta anos
correram
E neles também
corri.
Quarenta anos,
quarenta.
Quantos mais
inda virão?
Morrerei hoje de
infarto
Ou amanhã de
solidão?
Serei pasto da
malária?
Serei presa do
avião?
A morte engendra
esperança.
A morte sabe
fingir.
A morte apaga a
lembrança
Da morte que vai
ferir.
E em cada
instante que passa
A morte pode
surgir.
Quem pode medir
um homem?
Quem pode um
homem julgar?
Um homem é terra
de sonhos,
Sonho é mundo a
decifrar.
Naveguei ontem
no vento,
Hoje cavalgo no
mar.
Hoje sou. Ontem
não era.
Amanhã de quem
serei?
Um homem é
sempre segredos.
Por qual deles
purgarei?
Dos meus netos,
qual o neto
Em que me
repetirei?
Que virtudes
foram minhas?
Que pecados
confessar?
Que territórios
de enganos
A meus filhos
vou legar?
A quem passarei
meu canto
Quando meu canto
passar?
Ah! Como a vida
é ligeira!
Ah! Como o tempo
deflui!
Este espelho não
mais fala
Da criança que
já fui.
Das minhas rugas
ruindo
Apenas um nome
rui.
Quede rede
balançando?
Quede peixinho
do mar?
Quede figo da
figueira
Pru passarinho
bicar?
E o anel que tu
me deste
Em que dedo foi
parar?
Dezembro chama
janeiro.
Fevereiro irá
chamar?
Monte-Cristo se
me visse
Não iria
acreditar.
Como está velho,
diria
A donzela
Dagmar.
Um homem cresce
espalhando
O reino em que
foi feliz.
Onde Athos? Onde
Porthos?
Onde o tímido
Aramis?
Um homem cresce
querendo
E cresce quando
não quis.
Crescer é rima
de vida
Mas também é de
morrer.
Crescer é terna
ferida
Que só dói no
entardecer.
Em cada raiz de
morte
Há sempre um
verbo crescer.
E cresço: macho
e poeta.
Subo em linha,
volto em cor.
Cresço
violentamente.
Cresço em
rajadas de amor.
Cresço nos
filhos crescendo.
Cresço depois
que me for.
Cresço em tempo
e eternidade,
Cresço em luta,
cresço em dor,
Não fiz meu
verso castrado
Nem me rendo ao opressor.
Cresço no povo
crescendo,
Cresço depois
que me for.
E cresço na
aurora livre
Galopando esse
corcel.
Cresço no verso
espumando
Entre as linhas
do papel.
Cresço rubro de
esperança
Na barba de Don
Fidel.
Quarenta anos,
quarenta.
E nem sequer
percebi.
Quarenta anos
correram
E neles também
corri.
E nesses
quarenta anos,
Oitenta de amor
por ti.
NOTA: Poesia
publicada no jornal “O Liberal” de 25 de junho de 1989.
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