Fragmento do mapa de 1562 (a seta indica o "Rio de topaios").
Por
Pe. Sidney Augusto Canto (*)
Santarém...
Província dos Aruaquinas... Humos... Tapajó-tapera... Missão de Nossa Senhora
da Conceição... Vila do Tapajós... Tupaiulândia... Tantos nomes para um mesmo
lugar, com muitas “histórias” para contar.
O
“22 de junho” vêm levantando debates há muito tempo. Sempre que a data se
aproxima surgem dúvidas, questionamentos, hipóteses, teses, antíteses e
sínteses... Mas, afinal, porque o “22 de Junho” inflama tanto assim a mente de
um povo?
Vamos
voltar um pouco no tempo...
ANTES
DOS PORTUGUESES, JÁ HAVIA UMA HISTÓRIA...
Muito
antes dos povos europeus chegarem à confluência dos rios Tapajós e Amazonas, o
lugar era uma grande ocupação indígena, habitada por um povo hoje comumente
conhecido como “Tapajós”. Esse povo se encontrou com os europeus no século XVI.
Mas, há evidencias (e muito estudo para se fazer a respeito) de que, antes
deles, outros povos tenham habitado a mesma região, sendo conquistados pelos referidos
Tapajós.
Até
o momento (digo isso, pois podem surgir documentos que nos mostrem o
contrário), é comum afirmar que o primeiro contato dos povos do Tapajós com os
europeus (mais precisamente, espanhóis), se deu na noite do dia 25 de junho do
ano de 1542 (segundo a versão de “Oviedo Y Valdés”), quando Francisco Orellana,
ao descer o Grande Rio (que receberia o nome “das Amazonas”), rumo ao oceano
Atlântico, estacionou sua expedição às margens de um “carvalhal”, onde duas
canoas indígenas se aproximaram para ver aqueles seres totalmente estranhos à
cultura e aos povos da região.
Diga-se,
de passagem, não foi um contato pacífico, pois os espanhóis vinham assaltando e
roubando os roçados próximos da foz do “rio Preto”, a fim de não morrerem de
fome. Mas, com certeza, foi um contato que marcaria para sempre a vida daquele
povo nativo que, até então, eram desconhecidos na historiografia ocidental.
Sendo assim, temos a mais primitiva data da historiografia ocidental em nossa
região como sendo essa: 25 de junho de 1542. Foi fundação? Podemos dizer que
foi mais um PRIMEIRO ENCONTRO, cheio de medo e desespero, por parte dos
espanhóis e de revolta e desconfiança pela outra parte.
Naquele
momento, tais povos nativos não sabiam, mas os europeus mais poderosos de então
(espanhóis e portugueses) já haviam dividido a sua terra em duas grandes
propriedades. E a foz do “Rio Preto” era tida como propriedade da coroa
espanhola. Ninguém perguntou aos indígenas o que eles achavam disso. Aliás,
somente em 09 de junho de 1537 (5 anos antes do encontro com Orellana) o papa
Paulo III, por meio da Bula VERITAS IPSA, havia declarado que os povos do “Novo
Mundo” eram realmente humanos e possuidores de alma.
Assim,
ao analisarmos este encontro, temos que ter em mente que, para os “brancos”,
aquele mundo estranho parecia ter saído de um livro de fábulas. Não é a toa
que, como sabemos pelo relato da viagem de Orellana, escrita pelo padre Frei
Gaspar de Carvajal (que possui mais de uma versão), muito daquilo que se via
(inclusive o encontro com uma tribo, composta por uma grande maioria de
mulheres), despertava uma explicação fundada nas antigas crenças mitológicas
europeias e não na realidade em si. Foi nesse contexto do “fabuloso”, que
entrou para história ocidental o nome de NURANDALUGUABURABARA (seria esse o
nome de uma pessoa ou um título?) senhor das terras que, supõe-se hoje,
habitavam os Tapajós.
Menos
de 20 anos depois, entre os anos de 1560 e 1561, nova expedição espanhola chega
até a foz do rio. Trata-se da expedição de Pedro de Ursua e Lope de Aguirre. Desta
expedição temos alguns relatos sobre a “província” dos “Aruaquinas” (o termo
Tapajós, ao que parece ainda não existia), situada logo abaixo do “Estreito” (hoje,
Óbidos).
Os
cronistas da expedição (existem quatro relatos conhecidos sobre a mesma) narram
que os índios dessa província tinham sua maloca à direita do rio, em terra
firme, e que os mesmos tinham flechas envenenadas e, como nos relata o Capitão
Altamirano, um dos membros da expedição, dois soldados morreram meia hora depois
de serem acertados com as flechas ervadas (Lope de Aguirre mandou ferir um dos
índios desse lugar com uma de suas próprias flechas, morrendo o mesmo índio sem
viver mais do que um dia).
Esses
indígenas tinham o costume de comer milho e mandioca e adoravam o sol (o ser
masculino) e a lua (o ser de figura feminina). Eram também canibais e
praticavam sacrifícios humanos. Os espanhóis da expedição de Aguirre fizeram as
pazes com os indígenas da foz do rio Tapajós e ali pararam de 12 a 15 dias (os
relatos variam) enquanto consertavam mastro e velas de suas embarcações.
Foi
graças aos Tapajós que os membros da expedição puderam sobreviver até
Margarita, pois aqui Aguirre abasteceu as embarcações com água potável e
bastante milho. Alguns dos relatos falam que foi entre os indígenas da foz do
rio Tapajós que os índios Tupis, que serviam como guias da expedição, escaparam
para os matos próximos, pois talvez lhes seriam parentes ou conhecidos.
Assim
sendo, tendo não somente o fato de que os mesmos permaneceram vários dias entre
os indígenas, podemos dizer que a citada expedição foi a primeira e efetiva
interação entre os dois povos de cultura diferente. Sendo assim, Santarém teria
cem anos a mais do que hoje se supõe? E seria uma fundação espanhola e não
portuguesa? Não ajuda muito o fato de ter sido apenas uma passagem, mas se
deveria creditar à Lope de Aguirre, o fato de ter sido o primeiro a “descobrir”
o Rio Preto e a interagir efetivamente com o povo da foz daquele rio, 65 anos
antes de Pedro Teixeira e 100 anos antes da vinda do padre Bettendorff.
Mas
será que esse povo se chamava a si mesmo de Tapajó?
Analisando
a cartografia feita, ainda no século XVI, pouco depois do contato entre
espanhóis e o povo do Tapajós, podemos ver que a foz do rio (que já tinha esse
nome antes da chegada dos portugueses na região). Entre esses mapas podemos
destacar o de mapa de Diego Gutierrez, feito em 1562, (apenas 20 anos depois de
Orellana e muito antes de Pedro Teixeira chegar à foz do rio Tapajós - vide fragmento acima), sendo um
dos primeiros registros cartográficos a estampar o nome “Rio de Topaios”, bem
como as “Províncias” da viagem de Francisco de Orellana.
Ou
ainda o mapa de de Johannes Van Doetechum, feito em 1585 que, além de estampar
o nome “Rio de los Topajos”, faz questão de desenhar uma cidade na foz do
referido rio com a denominação de “Humos”. Até o momento, desconheço o motivo
de tal nome ser dado, repito, não pelos portugueses, mas por cartógrafos de
outras nacionalidades.
O
Tapajós, hoje nome do rio (que os nativos chamavam de Paraná-Pixuna = Rio
Preto, nome que figura em documentos até o século XIX), foi dado ao povo nativo
não por ele mesmo, mas pelos povos conquistadores. Em seu trabalho de pesquisa,
o santareno Felisberto Sussuarana, afirma que o nome Tapajós foi dado pelo
inglês Sir Walter Raleigh que esteve entre os tapajós, comercializando com eles
no final do século XVI (colocando esse topônimo em um mapa de 1595).
O
fato é que o nome Tapajós aparece já cerca de 30 anos do que se costuma
creditar a Raleigh, em mapas espanhóis e, inclusive, em outros mapas de cartógrafos
do mesmo período do mapa feito pelo citado inglês, como o de Theodore de Bry
(1592); o de Cornelis de Jode (1593) e o de Jan Huygen van Linschoten (1596),
que também coloca uma cidade com o nome de HUMOS na foz do “Rio de los Topajos”.
Muitos desses mapas foram feitos em decorrência de expedições comerciais de
vários povos europeus que frequentaram os rios da Amazônia e interagiram com
seus povos nativos antes dos portugueses.
Até
aqui, muitos poderiam tomar para si o papel de “descobridores” europeus do “Paraná
Pixuna” (como os indígenas o chamam). A historiografia patrícia, entretanto,
comumente atribui esse título a um português, o capitão Pedro Teixeira,
ignorando as muitas fontes que apontam o contrário, bem como quase um século de
presença colononizadora entre os povos da foz do Rio Preto. Bem como também a nomenclatura
“Tapajós”, dado ao povo que habitava
a foz do rio, ignorando os registros que falam dos ARUAQUINAS e dos HUMOS. Seria
o nome Tapajós um vocábulo não indígena, mas que foi dado pelos europeus e que hoje
foi absorvido pela nossa atual cultura e até assumido pelos povos vencidos?
Como
se pode ver, o conhecimento de novos documentos (e muitos outros ainda podem
surgir) estão nos ajudando a repensar e a reconstruir a história entre a viagem
de Orellana e a fixação de uma Missão Religiosa entre os povos do Tapajós: um
tempo de 119 anos. O certo é que, ao longo desse mais de um século, os povos da
foz do Tapajós (e ao longo de todo o “rio das Amazonas”) não teve mais sossego.
Já sabemos que, antes dos portugueses e depois dos espanhóis, aqui estiveram
franceses, ingleses e holandeses, negociando com esses povos e mantendo
contato, muitas vezes pacífico. A paz, entretanto, não seria o costume.
A
CHEGADA DOS PORTUGUESES E O COMÉRCIO DE “PEÇAS”
Com
a chegada dos portugueses e a implantação de seu sistema colonial fundamentado
na escravidão indígena, os povos do Amazonas passaram a serem vistos como
“peças” a serem conquistadas, compradas ou trocadas. A partir de 1626, com a
vinda de Pedro Teixeira até a maloca da foz do Rio Tapajós, boa parte do povo
do Rio Preto foi levado, como escravos, para a recém-fundada cidade de Belém e
para as fazendas da redondeza. A partir daqui a historiografia deixa claro que
o objetivo era estritamente opressor. E o interesse era o mais comum e vil possível
a todos os colonos: fazer dos indígenas sua mão de obra escrava.
Proliferou
pelo interior do rio Amazonas as famosas “tropas de resgate”, cujo objetivo
maior era o de conseguir, mesmo que (e geralmente) à força, mão de obra escrava
para os colonos, incentivando as brigas intertribais para que pudessem assim “resgatar”
os chamados “escravos de corda”, que estariam condenados a morrer por meio de
canibalismo ritual. Diziam os portugueses que era melhor um indígena ser
escravo do que morrer devorado por tribos inimigas. Mesmo que, para isso, essas
guerras tribais fossem incentivadas pelos próprios portugueses.
Aqui
vale a pena ver a descrição feita pelo frade Frei Laureano Montesdoca de la
Cruz, um frade que, em 1650, enfrentando alguns problemas em seu trabalho
missionário entre os Omáguas, decidiu descer o rio Amazonas buscando caminho
para a província de Caracas. Foi assim que um grupo de frades ficou alguns dias
estacionados em Monte Alegre, chegando a entrar no rio Tapajós e a testemunhar
o modo como eram feitos os resgastes entre os indígenas da foz do Rio Preto:
Nessa época foi oficiado ao capitão
Manoel de los Santos, cabo da dita tropa, para que fosse a dois dias de caminho
desse sítio assentar as pazes entre os Trapajosos e outros índios seus
vizinhos, as quais já se haviam começado a fazer.
Ofereci-me a acompanhá-lo e ele o
estimou muito, e deixando ali um capitão e parte de sua gente, fomos com os
mais briosos fazer essa viagem.
Levei como meu companheiro o irmão
frei Francisco Gonzaléz e deixei ali o Padre frei Juan de Quincoses com os rapazes.
Chegamos a tomar porto numa praia
muito grande, perto do lugar onde os índios estavam assentados e ali saíram a
nos receber e nos trouxeram do que comer e assentaram-se as pazes, embora mal,
porque aqueles homens (os portugueses) não procuravam outra coisa senão o seu
proveito temporal.
Feitas tais pazes, trataram logo de
resgatar cativos, que chamam assim os que os índios cativam em suas guerrilhas,
que sendo injustas, também o são os cativeiros.
As razões com que os portugueses
procuram encobrir a sua iniquidade são dizendo que os índios que eles vão
resgatar já os tem os seus amos sentenciados à morte para comê-los e que fazem
a obra bondosa ao livrá-los da dita morte e leva-los à terra dos cristãos, onde
o serão, embora escravos.
Continuando,
o frade cronista fala também da astúcia dos portugueses que se aproveitam das
guerras tribais (e até as incentivam) para que mais e mais resgates possam ser
realizados. Foi assim que para subsistir, os tapajós tornaram-se caçadores e
comerciantes de “peças” que eram trocadas por “três ferramentas, uma camisa, e duas facas, pouco mais ou menos”.
Sendo
assim, antes do dia 22 de junho, a vida na foz do rio já era movimentada. Não
somente pela presença indígena, mas também pelo crescente movimento das “tropas
de resgate”, que vinham comerciar os escravos que moviam o trabalho colonial.
Para o povo que aqui vivia, com sua cultura e suas relações sociais,
intensificava-se o massacre feito pelo modelo de colonização portuguesa, realizado
massivamente a partir da conquista da Amazônia por Portugal. O que significaria
então aquele “22 de junho de 1661”?
Aqui,
entra na história um grupo religioso extremamente eficaz no trabalho de
catequese: a Companhia de Jesus, popularmente conhecidos como Jesuítas.
A
CATEQUESE COMO INSTRUMENTO DE COLONIZAÇÃO
Desde
que o papa Júlio III afirmara que os indígenas eram pessoas humanas possuidoras
de alma, a ordem dos Inacianos voltou os olhos para essas almas do Novo Mundo.
A Igreja vivia a chamada “Contra-Reforma” e a catequese passou a ser levada
mais a sério do que na Idade Média. A ideia dos religiosos era a de que eles
precisavam ganhar essas almas para Cristo (e para a Igreja Católica) nem que,
para isso, tivessem que se opor ao sistema colonial que fazia dos indígenas o
braço escravo da Colônia.
A
colônia do Grão Pará, se opôs veementemente à entrada dos Jesuítas na cidade de
Belém. No entanto, com promessas de não interferir diretamente na exploração da
mão de obra escrava, os Jesuítas entraram na Amazônia, e entraram com um
baluarte da ordem, o Padre Antônio Vieira.
Ainda
hoje se estuda a importância da atuação de Vieira para a Amazônia. É certo que
o mesmo pensava o Grão Pará de modo diferente dos colonos de então. Suas cartas
e outros escritos revelam um plano muito bem elaborado para conquistar os povos
indígenas para as fileiras católicas. Sua carta de 21 de junho de 1661 bem
reflete seus anseios e desejos para com o povo do Tapajós, que o próprio Vieira
teria visitado:
(...) e o Padre João Filipe Estanderf
(sic) reside novamente entre os tapajós, para os instruir, e batizar, e para
visitar todas as aldeias vizinhas e ir adiantando a fé, quanto lhe for
possível, por aquele grande rio das Amazonas. O modo de pregar destes
missionários é com o Evangelho em uma mão, e com as leis de Sua Majestade na
outra; por que tem mostrado a experiência, que só na confiança do bom
tratamento, que nas ditas leis se lhe promete, e na fé, e crédito, que darão
aos religiosos da Companhia, se atrevem as ditas nações a sair dos matos, onde
geralmente os tem retirado a lembrança, o temor das opressões passadas; crendo
até agora, que o patrocínio das ditas leis, e dos ditos padres, os defenderia
das ditas opressões: mas quando agora virem, que nem as leis, nem os padres se
defendem a si, como crerão, que os podem defender a eles? (...)
Esse
“reside novamente” parece não corresponder ao que Bettendorff escreve na sua “Crônica”.
Corresponderia talvez ao fato de o próprio Vieira já haver passado um tempo
entre os Tapajós, prometendo que lhes enviaria um missionário fixo para os
mesmos. Com os documentos que temos acesso hoje, torna-se impossível negar a importância
da figura do Padre João Felipe Bettendorff na historiografia da hoje cidade de
Santarém.
Antes
dele, não há registro de outro europeu que viesse até os indígenas para FIXAR
RESIDÊNCIA entre os mesmos. Recentemente se questionou a presença de João
Corrêa entre os Tapajós, antes da chegada de Bettendorff. É certo que, apesar
de ser conhecido entre os Tapajós, João Correa, filho de um Capitão Mór do
Ceará, tinha sua propriedade nas proximidades da fortaleza de Gurupá, onde
tinha uma filha. Era dono de escravos indígenas (sim, o “amigo” dos Tapajós
pode até ter vindo comprar ou trocar escravos na foz do rio). Tornou-se Atoassanã,
isto é, “compadre” dos indígenas, e isto em vista do trabalho catequético
desenvolvido pelo próprio Bettendorff, de quem João Corrêa era colaborador, em
substituição ao irmão leigo Sebastião Teixeira, primeiro companheiro de missão
do jesuíta, pois o “apadrinhamento” vinha por meio do Batismo Católico.
Antes
dos missionários não era comum um português, branco, fazer moradia e roçado
entre os indígenas. Aliás, na foz do Tapajós, os primeiros “brancos” a fixarem
residência, vieram depois dos religiosos, quando da construção da Fortaleza dos
Tapajós (pois a foz do rio era considerada ponto militar estratégico pelos
militares portugueses). Construíram suas casas bem junto à Fortaleza, para
dentro da qual acorriam quando das investidas dos indígenas que,
frequentemente, faziam guerra aos brancos naqueles primeiros anos. Há que se
considerar ainda que, protegidas pelo Rei, as Missões eram locais fechados, as
quais os colonos não podiam frequentar. João Corrêa teve essa graça pelo fato
de ser um RARO colono que simpatizava com a Companhia de Jesus, obtendo o aval
do padre Antônio Vieira, para que o mesmo acompanhasse Bettendorff até a nova
missão.
E
foi justamente o ódio dos colonos que levou Bettendorff a deixar a missão menos
de um ano depois de instalada entre os indígenas. Voltaria a visita-la outras
vezes, sempre demonstrando seu amor pelo “primeiro grande trabalho” missionário
de sua vida. Incontestavelmente, não se pode negar o fato de que há um antes e
um depois de Bettendorff. Sobre o trabalho e a importância do Padre João Felipe
Bettendorff, não somente para Santarém, mas para a Amazônia, meu amigo Karl
Heinz Arenz publicou um interessante trabalho sobre o assunto: “Do Alzette ao
Amazonas: vida e obra do padre João Felipe Bettendorff (1625-1698)”.
Não
se pode negar que, para os indígenas, a Missão foi o começo do fim. Os que
aceitaram a presença de um missionário morando entre eles, conseguiram uma
relativa proteção contra a escravidão por parte das tropas de resgate. No
entanto, foram, pouco a pouco, perdendo a sua identidade cultural e tornando-se
cidadãos portugueses, não sem oferecer resistência.
Deixo
aqui minha sugestão para estudos posteriores sobre este assunto:
A
história dos indígenas antes de Orellana: a foz do “Rio Preto” e suas diversas
ocupações. A arqueologia tem revelado novas descobertas nos últimos anos, que
podem iluminar este período da nossa “pré-história” ocidental. Nesse sentido,
Santarém teria não centenas, mas já alguns milhares de anos de ocupação.
O
depois, que podemos definir como o da usurpação da terra indígena, feito pelos
povos europeus. A começar pela data (muitos gostam delas) marcante de 25 de junho
de 1542, quando da estadia de Orellana pelo “carvalhal” das terras tapajônicas
(que ainda existia quando da passagem de Pedro Teixeira pela nossa região) indo
até o 22 de junho de 1661. Um período de tempo ainda pouco estudado (mas, até
bem documentado) da nossa história santarena e amazônica.
E,
finalmente, o da ocupação da cultural, iniciada com o processo de catequese e
que acabou por criar a identidade cultural do que hoje é a cidade de Santarém,
que acolheu também (após a extinção da Missão Religiosa), a cultura negra vinda
da África, que junta com a herança indígena e europeia constitui uma
representação regional do santareno-tapajoara: um microcosmos do cosmos
amazônico.
OUTRAS
DATAS CÍVICAS
Até
a época do Império, não se comemoravam as datas cívicas que comumente temos
hoje. A primeira a ser fixada na memória nacional foi o SETE DE SETEMBRO (1822).
No Grão Pará, além da data da “Independência” era comemorado o dia 15 de
Agosto, como data cívica da ADESÃO. Foi somente com Dom Pedro II que se começou
a intensa busca pela criação de uma identidade nacional (momento em que “(re)descobriram”
a CARTA DE CAMINHA). Com o advento da República, buscou-se uma valorização das
histórias municipais. Foi aí, em fins do século XIX, que se firmou, o costume e
a busca pelas “datas de fundações” e “aniversários municipais”.
A
título de exemplo, Belém comemorou 300 anos de fundação em 1916. Não houve
comemoração dos 200 ou dos 100 anos, pois não havia essa preocupação por parte
do civismo local, onde, até o século XIX, raramente supunha-se haver civilidade
brasileira por parte dos súditos portugueses que moravam no Grão Pará.
No
caso de Santarém, havia algumas datas a ponderar: alguns sugeriam a chegada de
Pedro Teixeira ao Tapajós, no ano de 1626, mas não havia uma data exata e
abandonou-se a ideia; outros (como Paulo Rodrigues dos Santos) optaram pela
data da instalação da Missão entre os indígenas do qual se sabia o mês e ano;
havia também os partidários em escolher a data da instalação da Vila (no dia 14
de março de 1758), pois representava uma emancipação política significativa,
incluindo-se aí a adoção do topônimo Santarém. Nenhuma delas teve força.
Os
líderes da comuna santarena optaram pela comemoração do dia 24 de outubro,
lembrando o ano de 1848, quando a então Vila passou à categoria de Cidade. Foi
por isso que, em 1948 se programou a bonita festa do CENTENÁRIO. Ao escolher
essa data, entretanto, parecia-se negar toda a história acontecida antes.
Isso
incomodou alguns santarenos, simpatizantes da ideia de Paulo Rodrigues dos
Santos, entre eles o maestro Wilson Fonseca que fez, por conta própria, uma
pesquisa séria, buscando junto aos jesuítas e chegando aos arquivos do
Vaticano, uma data anterior ao ano de 1848, que indicasse a implantação da
Missão Religiosa entre os Tapajós. Foi assim que, por sugestão do maestro
“Isoca”, munido de documentação a respeito, o governo municipal mudou (por meio
da Lei Municipal Nº 9.270, de 02 de julho de 1981), para o dia 22 de junho, a
data cívica do “aniversário da cidade”, tendo como marco a implantação da
Missão Religiosa entre os indígenas.
Queria
eu poder escrever mais (aliás, não deixo de confessar que até o queria), mas
este pequeno artigo não é para “dar os nós nas pontas”. Talvez, o que hoje
tenhamos como certeza, amanhã possa ser apenas nada mais que uma história entre
tantas outras...
(*) É presbítero
da Diocese de Santarém. Historiador, pós-graduado em História da Amazônia pela
Faculdades Integradas do Tapajós – FIT. Ex-presidente do Instituto Histórico e
Geográfico do Tapajós – IHGTap (2012-2015). Atualmente é pároco de Fordlândia –
rio Tapajós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário