terça-feira, 21 de junho de 2016

ARTIGO: O “22 de Junho” e outras “datas”...

Fragmento do mapa de 1562 (a seta indica o "Rio de topaios").



Por Pe. Sidney Augusto Canto (*)


Santarém... Província dos Aruaquinas... Humos... Tapajó-tapera... Missão de Nossa Senhora da Conceição... Vila do Tapajós... Tupaiulândia... Tantos nomes para um mesmo lugar, com muitas “histórias” para contar.

O “22 de junho” vêm levantando debates há muito tempo. Sempre que a data se aproxima surgem dúvidas, questionamentos, hipóteses, teses, antíteses e sínteses... Mas, afinal, porque o “22 de Junho” inflama tanto assim a mente de um povo?

Vamos voltar um pouco no tempo...



ANTES DOS PORTUGUESES, JÁ HAVIA UMA HISTÓRIA...

Muito antes dos povos europeus chegarem à confluência dos rios Tapajós e Amazonas, o lugar era uma grande ocupação indígena, habitada por um povo hoje comumente conhecido como “Tapajós”. Esse povo se encontrou com os europeus no século XVI. Mas, há evidencias (e muito estudo para se fazer a respeito) de que, antes deles, outros povos tenham habitado a mesma região, sendo conquistados pelos referidos Tapajós.

Até o momento (digo isso, pois podem surgir documentos que nos mostrem o contrário), é comum afirmar que o primeiro contato dos povos do Tapajós com os europeus (mais precisamente, espanhóis), se deu na noite do dia 25 de junho do ano de 1542 (segundo a versão de “Oviedo Y Valdés”), quando Francisco Orellana, ao descer o Grande Rio (que receberia o nome “das Amazonas”), rumo ao oceano Atlântico, estacionou sua expedição às margens de um “carvalhal”, onde duas canoas indígenas se aproximaram para ver aqueles seres totalmente estranhos à cultura e aos povos da região.

Diga-se, de passagem, não foi um contato pacífico, pois os espanhóis vinham assaltando e roubando os roçados próximos da foz do “rio Preto”, a fim de não morrerem de fome. Mas, com certeza, foi um contato que marcaria para sempre a vida daquele povo nativo que, até então, eram desconhecidos na historiografia ocidental. Sendo assim, temos a mais primitiva data da historiografia ocidental em nossa região como sendo essa: 25 de junho de 1542. Foi fundação? Podemos dizer que foi mais um PRIMEIRO ENCONTRO, cheio de medo e desespero, por parte dos espanhóis e de revolta e desconfiança pela outra parte.

Naquele momento, tais povos nativos não sabiam, mas os europeus mais poderosos de então (espanhóis e portugueses) já haviam dividido a sua terra em duas grandes propriedades. E a foz do “Rio Preto” era tida como propriedade da coroa espanhola. Ninguém perguntou aos indígenas o que eles achavam disso. Aliás, somente em 09 de junho de 1537 (5 anos antes do encontro com Orellana) o papa Paulo III, por meio da Bula VERITAS IPSA, havia declarado que os povos do “Novo Mundo” eram realmente humanos e possuidores de alma.

Assim, ao analisarmos este encontro, temos que ter em mente que, para os “brancos”, aquele mundo estranho parecia ter saído de um livro de fábulas. Não é a toa que, como sabemos pelo relato da viagem de Orellana, escrita pelo padre Frei Gaspar de Carvajal (que possui mais de uma versão), muito daquilo que se via (inclusive o encontro com uma tribo, composta por uma grande maioria de mulheres), despertava uma explicação fundada nas antigas crenças mitológicas europeias e não na realidade em si. Foi nesse contexto do “fabuloso”, que entrou para história ocidental o nome de NURANDALUGUABURABARA (seria esse o nome de uma pessoa ou um título?) senhor das terras que, supõe-se hoje, habitavam os Tapajós.

Menos de 20 anos depois, entre os anos de 1560 e 1561, nova expedição espanhola chega até a foz do rio. Trata-se da expedição de Pedro de Ursua e Lope de Aguirre. Desta expedição temos alguns relatos sobre a “província” dos “Aruaquinas” (o termo Tapajós, ao que parece ainda não existia), situada logo abaixo do “Estreito” (hoje, Óbidos).

Os cronistas da expedição (existem quatro relatos conhecidos sobre a mesma) narram que os índios dessa província tinham sua maloca à direita do rio, em terra firme, e que os mesmos tinham flechas envenenadas e, como nos relata o Capitão Altamirano, um dos membros da expedição, dois soldados morreram meia hora depois de serem acertados com as flechas ervadas (Lope de Aguirre mandou ferir um dos índios desse lugar com uma de suas próprias flechas, morrendo o mesmo índio sem viver mais do que um dia).

Esses indígenas tinham o costume de comer milho e mandioca e adoravam o sol (o ser masculino) e a lua (o ser de figura feminina). Eram também canibais e praticavam sacrifícios humanos. Os espanhóis da expedição de Aguirre fizeram as pazes com os indígenas da foz do rio Tapajós e ali pararam de 12 a 15 dias (os relatos variam) enquanto consertavam mastro e velas de suas embarcações.

Foi graças aos Tapajós que os membros da expedição puderam sobreviver até Margarita, pois aqui Aguirre abasteceu as embarcações com água potável e bastante milho. Alguns dos relatos falam que foi entre os indígenas da foz do rio Tapajós que os índios Tupis, que serviam como guias da expedição, escaparam para os matos próximos, pois talvez lhes seriam parentes ou conhecidos.

Assim sendo, tendo não somente o fato de que os mesmos permaneceram vários dias entre os indígenas, podemos dizer que a citada expedição foi a primeira e efetiva interação entre os dois povos de cultura diferente. Sendo assim, Santarém teria cem anos a mais do que hoje se supõe? E seria uma fundação espanhola e não portuguesa? Não ajuda muito o fato de ter sido apenas uma passagem, mas se deveria creditar à Lope de Aguirre, o fato de ter sido o primeiro a “descobrir” o Rio Preto e a interagir efetivamente com o povo da foz daquele rio, 65 anos antes de Pedro Teixeira e 100 anos antes da vinda do padre Bettendorff.

Mas será que esse povo se chamava a si mesmo de Tapajó?

Analisando a cartografia feita, ainda no século XVI, pouco depois do contato entre espanhóis e o povo do Tapajós, podemos ver que a foz do rio (que já tinha esse nome antes da chegada dos portugueses na região). Entre esses mapas podemos destacar o de mapa de Diego Gutierrez, feito em 1562, (apenas 20 anos depois de Orellana e muito antes de Pedro Teixeira chegar à foz do rio Tapajós - vide fragmento acima), sendo um dos primeiros registros cartográficos a estampar o nome “Rio de Topaios”, bem como as “Províncias” da viagem de Francisco de Orellana.

Ou ainda o mapa de de Johannes Van Doetechum, feito em 1585 que, além de estampar o nome “Rio de los Topajos”, faz questão de desenhar uma cidade na foz do referido rio com a denominação de “Humos”. Até o momento, desconheço o motivo de tal nome ser dado, repito, não pelos portugueses, mas por cartógrafos de outras nacionalidades.

O Tapajós, hoje nome do rio (que os nativos chamavam de Paraná-Pixuna = Rio Preto, nome que figura em documentos até o século XIX), foi dado ao povo nativo não por ele mesmo, mas pelos povos conquistadores. Em seu trabalho de pesquisa, o santareno Felisberto Sussuarana, afirma que o nome Tapajós foi dado pelo inglês Sir Walter Raleigh que esteve entre os tapajós, comercializando com eles no final do século XVI (colocando esse topônimo em um mapa de 1595).

O fato é que o nome Tapajós aparece já cerca de 30 anos do que se costuma creditar a Raleigh, em mapas espanhóis e, inclusive, em outros mapas de cartógrafos do mesmo período do mapa feito pelo citado inglês, como o de Theodore de Bry (1592); o de Cornelis de Jode (1593) e o de Jan Huygen van Linschoten (1596), que também coloca uma cidade com o nome de HUMOS na foz do “Rio de los Topajos”. Muitos desses mapas foram feitos em decorrência de expedições comerciais de vários povos europeus que frequentaram os rios da Amazônia e interagiram com seus povos nativos antes dos portugueses.

Até aqui, muitos poderiam tomar para si o papel de “descobridores” europeus do “Paraná Pixuna” (como os indígenas o chamam). A historiografia patrícia, entretanto, comumente atribui esse título a um português, o capitão Pedro Teixeira, ignorando as muitas fontes que apontam o contrário, bem como quase um século de presença colononizadora entre os povos da foz do Rio Preto. Bem como também a nomenclatura “Tapajós”, dado ao povo que habitava a foz do rio, ignorando os registros que falam dos ARUAQUINAS e dos HUMOS. Seria o nome Tapajós um vocábulo não indígena, mas que foi dado pelos europeus e que hoje foi absorvido pela nossa atual cultura e até assumido pelos povos vencidos?

Como se pode ver, o conhecimento de novos documentos (e muitos outros ainda podem surgir) estão nos ajudando a repensar e a reconstruir a história entre a viagem de Orellana e a fixação de uma Missão Religiosa entre os povos do Tapajós: um tempo de 119 anos. O certo é que, ao longo desse mais de um século, os povos da foz do Tapajós (e ao longo de todo o “rio das Amazonas”) não teve mais sossego. Já sabemos que, antes dos portugueses e depois dos espanhóis, aqui estiveram franceses, ingleses e holandeses, negociando com esses povos e mantendo contato, muitas vezes pacífico. A paz, entretanto, não seria o costume.


A CHEGADA DOS PORTUGUESES E O COMÉRCIO DE “PEÇAS”

Com a chegada dos portugueses e a implantação de seu sistema colonial fundamentado na escravidão indígena, os povos do Amazonas passaram a serem vistos como “peças” a serem conquistadas, compradas ou trocadas. A partir de 1626, com a vinda de Pedro Teixeira até a maloca da foz do Rio Tapajós, boa parte do povo do Rio Preto foi levado, como escravos, para a recém-fundada cidade de Belém e para as fazendas da redondeza. A partir daqui a historiografia deixa claro que o objetivo era estritamente opressor. E o interesse era o mais comum e vil possível a todos os colonos: fazer dos indígenas sua mão de obra escrava.

Proliferou pelo interior do rio Amazonas as famosas “tropas de resgate”, cujo objetivo maior era o de conseguir, mesmo que (e geralmente) à força, mão de obra escrava para os colonos, incentivando as brigas intertribais para que pudessem assim “resgatar” os chamados “escravos de corda”, que estariam condenados a morrer por meio de canibalismo ritual. Diziam os portugueses que era melhor um indígena ser escravo do que morrer devorado por tribos inimigas. Mesmo que, para isso, essas guerras tribais fossem incentivadas pelos próprios portugueses.

Aqui vale a pena ver a descrição feita pelo frade Frei Laureano Montesdoca de la Cruz, um frade que, em 1650, enfrentando alguns problemas em seu trabalho missionário entre os Omáguas, decidiu descer o rio Amazonas buscando caminho para a província de Caracas. Foi assim que um grupo de frades ficou alguns dias estacionados em Monte Alegre, chegando a entrar no rio Tapajós e a testemunhar o modo como eram feitos os resgastes entre os indígenas da foz do Rio Preto:

Nessa época foi oficiado ao capitão Manoel de los Santos, cabo da dita tropa, para que fosse a dois dias de caminho desse sítio assentar as pazes entre os Trapajosos e outros índios seus vizinhos, as quais já se haviam começado a fazer.
Ofereci-me a acompanhá-lo e ele o estimou muito, e deixando ali um capitão e parte de sua gente, fomos com os mais briosos fazer essa viagem.
Levei como meu companheiro o irmão frei Francisco Gonzaléz e deixei ali o Padre frei Juan de Quincoses com os rapazes.
Chegamos a tomar porto numa praia muito grande, perto do lugar onde os índios estavam assentados e ali saíram a nos receber e nos trouxeram do que comer e assentaram-se as pazes, embora mal, porque aqueles homens (os portugueses) não procuravam outra coisa senão o seu proveito temporal.
Feitas tais pazes, trataram logo de resgatar cativos, que chamam assim os que os índios cativam em suas guerrilhas, que sendo injustas, também o são os cativeiros.
As razões com que os portugueses procuram encobrir a sua iniquidade são dizendo que os índios que eles vão resgatar já os tem os seus amos sentenciados à morte para comê-los e que fazem a obra bondosa ao livrá-los da dita morte e leva-los à terra dos cristãos, onde o serão, embora escravos.

Continuando, o frade cronista fala também da astúcia dos portugueses que se aproveitam das guerras tribais (e até as incentivam) para que mais e mais resgates possam ser realizados. Foi assim que para subsistir, os tapajós tornaram-se caçadores e comerciantes de “peças” que eram trocadas por “três ferramentas, uma camisa, e duas facas, pouco mais ou menos”.

Sendo assim, antes do dia 22 de junho, a vida na foz do rio já era movimentada. Não somente pela presença indígena, mas também pelo crescente movimento das “tropas de resgate”, que vinham comerciar os escravos que moviam o trabalho colonial. Para o povo que aqui vivia, com sua cultura e suas relações sociais, intensificava-se o massacre feito pelo modelo de colonização portuguesa, realizado massivamente a partir da conquista da Amazônia por Portugal. O que significaria então aquele “22 de junho de 1661”?

Aqui, entra na história um grupo religioso extremamente eficaz no trabalho de catequese: a Companhia de Jesus, popularmente conhecidos como Jesuítas.


A CATEQUESE COMO INSTRUMENTO DE COLONIZAÇÃO

Desde que o papa Júlio III afirmara que os indígenas eram pessoas humanas possuidoras de alma, a ordem dos Inacianos voltou os olhos para essas almas do Novo Mundo. A Igreja vivia a chamada “Contra-Reforma” e a catequese passou a ser levada mais a sério do que na Idade Média. A ideia dos religiosos era a de que eles precisavam ganhar essas almas para Cristo (e para a Igreja Católica) nem que, para isso, tivessem que se opor ao sistema colonial que fazia dos indígenas o braço escravo da Colônia.

A colônia do Grão Pará, se opôs veementemente à entrada dos Jesuítas na cidade de Belém. No entanto, com promessas de não interferir diretamente na exploração da mão de obra escrava, os Jesuítas entraram na Amazônia, e entraram com um baluarte da ordem, o Padre Antônio Vieira.

Ainda hoje se estuda a importância da atuação de Vieira para a Amazônia. É certo que o mesmo pensava o Grão Pará de modo diferente dos colonos de então. Suas cartas e outros escritos revelam um plano muito bem elaborado para conquistar os povos indígenas para as fileiras católicas. Sua carta de 21 de junho de 1661 bem reflete seus anseios e desejos para com o povo do Tapajós, que o próprio Vieira teria visitado:

(...) e o Padre João Filipe Estanderf (sic) reside novamente entre os tapajós, para os instruir, e batizar, e para visitar todas as aldeias vizinhas e ir adiantando a fé, quanto lhe for possível, por aquele grande rio das Amazonas. O modo de pregar destes missionários é com o Evangelho em uma mão, e com as leis de Sua Majestade na outra; por que tem mostrado a experiência, que só na confiança do bom tratamento, que nas ditas leis se lhe promete, e na fé, e crédito, que darão aos religiosos da Companhia, se atrevem as ditas nações a sair dos matos, onde geralmente os tem retirado a lembrança, o temor das opressões passadas; crendo até agora, que o patrocínio das ditas leis, e dos ditos padres, os defenderia das ditas opressões: mas quando agora virem, que nem as leis, nem os padres se defendem a si, como crerão, que os podem defender a eles? (...)

Esse “reside novamente” parece não corresponder ao que Bettendorff escreve na sua “Crônica”. Corresponderia talvez ao fato de o próprio Vieira já haver passado um tempo entre os Tapajós, prometendo que lhes enviaria um missionário fixo para os mesmos. Com os documentos que temos acesso hoje, torna-se impossível negar a importância da figura do Padre João Felipe Bettendorff na historiografia da hoje cidade de Santarém.

Antes dele, não há registro de outro europeu que viesse até os indígenas para FIXAR RESIDÊNCIA entre os mesmos. Recentemente se questionou a presença de João Corrêa entre os Tapajós, antes da chegada de Bettendorff. É certo que, apesar de ser conhecido entre os Tapajós, João Correa, filho de um Capitão Mór do Ceará, tinha sua propriedade nas proximidades da fortaleza de Gurupá, onde tinha uma filha. Era dono de escravos indígenas (sim, o “amigo” dos Tapajós pode até ter vindo comprar ou trocar escravos na foz do rio). Tornou-se Atoassanã, isto é, “compadre” dos indígenas, e isto em vista do trabalho catequético desenvolvido pelo próprio Bettendorff, de quem João Corrêa era colaborador, em substituição ao irmão leigo Sebastião Teixeira, primeiro companheiro de missão do jesuíta, pois o “apadrinhamento” vinha por meio do Batismo Católico.

Antes dos missionários não era comum um português, branco, fazer moradia e roçado entre os indígenas. Aliás, na foz do Tapajós, os primeiros “brancos” a fixarem residência, vieram depois dos religiosos, quando da construção da Fortaleza dos Tapajós (pois a foz do rio era considerada ponto militar estratégico pelos militares portugueses). Construíram suas casas bem junto à Fortaleza, para dentro da qual acorriam quando das investidas dos indígenas que, frequentemente, faziam guerra aos brancos naqueles primeiros anos. Há que se considerar ainda que, protegidas pelo Rei, as Missões eram locais fechados, as quais os colonos não podiam frequentar. João Corrêa teve essa graça pelo fato de ser um RARO colono que simpatizava com a Companhia de Jesus, obtendo o aval do padre Antônio Vieira, para que o mesmo acompanhasse Bettendorff até a nova missão.

E foi justamente o ódio dos colonos que levou Bettendorff a deixar a missão menos de um ano depois de instalada entre os indígenas. Voltaria a visita-la outras vezes, sempre demonstrando seu amor pelo “primeiro grande trabalho” missionário de sua vida. Incontestavelmente, não se pode negar o fato de que há um antes e um depois de Bettendorff. Sobre o trabalho e a importância do Padre João Felipe Bettendorff, não somente para Santarém, mas para a Amazônia, meu amigo Karl Heinz Arenz publicou um interessante trabalho sobre o assunto: “Do Alzette ao Amazonas: vida e obra do padre João Felipe Bettendorff (1625-1698)”.

Não se pode negar que, para os indígenas, a Missão foi o começo do fim. Os que aceitaram a presença de um missionário morando entre eles, conseguiram uma relativa proteção contra a escravidão por parte das tropas de resgate. No entanto, foram, pouco a pouco, perdendo a sua identidade cultural e tornando-se cidadãos portugueses, não sem oferecer resistência.

Deixo aqui minha sugestão para estudos posteriores sobre este assunto:

A história dos indígenas antes de Orellana: a foz do “Rio Preto” e suas diversas ocupações. A arqueologia tem revelado novas descobertas nos últimos anos, que podem iluminar este período da nossa “pré-história” ocidental. Nesse sentido, Santarém teria não centenas, mas já alguns milhares de anos de ocupação.

O depois, que podemos definir como o da usurpação da terra indígena, feito pelos povos europeus. A começar pela data (muitos gostam delas) marcante de 25 de junho de 1542, quando da estadia de Orellana pelo “carvalhal” das terras tapajônicas (que ainda existia quando da passagem de Pedro Teixeira pela nossa região) indo até o 22 de junho de 1661. Um período de tempo ainda pouco estudado (mas, até bem documentado) da nossa história santarena e amazônica.

E, finalmente, o da ocupação da cultural, iniciada com o processo de catequese e que acabou por criar a identidade cultural do que hoje é a cidade de Santarém, que acolheu também (após a extinção da Missão Religiosa), a cultura negra vinda da África, que junta com a herança indígena e europeia constitui uma representação regional do santareno-tapajoara: um microcosmos do cosmos amazônico.


OUTRAS DATAS CÍVICAS

Até a época do Império, não se comemoravam as datas cívicas que comumente temos hoje. A primeira a ser fixada na memória nacional foi o SETE DE SETEMBRO (1822). No Grão Pará, além da data da “Independência” era comemorado o dia 15 de Agosto, como data cívica da ADESÃO. Foi somente com Dom Pedro II que se começou a intensa busca pela criação de uma identidade nacional (momento em que “(re)descobriram” a CARTA DE CAMINHA). Com o advento da República, buscou-se uma valorização das histórias municipais. Foi aí, em fins do século XIX, que se firmou, o costume e a busca pelas “datas de fundações” e “aniversários municipais”.

A título de exemplo, Belém comemorou 300 anos de fundação em 1916. Não houve comemoração dos 200 ou dos 100 anos, pois não havia essa preocupação por parte do civismo local, onde, até o século XIX, raramente supunha-se haver civilidade brasileira por parte dos súditos portugueses que moravam no Grão Pará.

No caso de Santarém, havia algumas datas a ponderar: alguns sugeriam a chegada de Pedro Teixeira ao Tapajós, no ano de 1626, mas não havia uma data exata e abandonou-se a ideia; outros (como Paulo Rodrigues dos Santos) optaram pela data da instalação da Missão entre os indígenas do qual se sabia o mês e ano; havia também os partidários em escolher a data da instalação da Vila (no dia 14 de março de 1758), pois representava uma emancipação política significativa, incluindo-se aí a adoção do topônimo Santarém. Nenhuma delas teve força.

Os líderes da comuna santarena optaram pela comemoração do dia 24 de outubro, lembrando o ano de 1848, quando a então Vila passou à categoria de Cidade. Foi por isso que, em 1948 se programou a bonita festa do CENTENÁRIO. Ao escolher essa data, entretanto, parecia-se negar toda a história acontecida antes.

Isso incomodou alguns santarenos, simpatizantes da ideia de Paulo Rodrigues dos Santos, entre eles o maestro Wilson Fonseca que fez, por conta própria, uma pesquisa séria, buscando junto aos jesuítas e chegando aos arquivos do Vaticano, uma data anterior ao ano de 1848, que indicasse a implantação da Missão Religiosa entre os Tapajós. Foi assim que, por sugestão do maestro “Isoca”, munido de documentação a respeito, o governo municipal mudou (por meio da Lei Municipal Nº 9.270, de 02 de julho de 1981), para o dia 22 de junho, a data cívica do “aniversário da cidade”, tendo como marco a implantação da Missão Religiosa entre os indígenas.

Queria eu poder escrever mais (aliás, não deixo de confessar que até o queria), mas este pequeno artigo não é para “dar os nós nas pontas”. Talvez, o que hoje tenhamos como certeza, amanhã possa ser apenas nada mais que uma história entre tantas outras...


(*) É presbítero da Diocese de Santarém. Historiador, pós-graduado em História da Amazônia pela Faculdades Integradas do Tapajós – FIT. Ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós – IHGTap (2012-2015). Atualmente é pároco de Fordlândia – rio Tapajós.

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