Apesar de
muito popular na Amazônia, não há registro da lenda do boto antes do século
XIX. E, por incrível que pareça a primeira referência escrita sobre a lenda,
não foi de boto que vira homem para seduzir as mulheres, mas de uma mulher
que seduz os homens. Ela foi citada por Henry Walter Bates, naturalista
que viveu na Amazônia de 1848 a 1859, conforme abaixo:
Muitas histórias misteriosas são
referidas acerca do boto, como é chamado o golfinho maior do Amazonas. Uma
delas era de que o boto tinha o hábito de assumir a forma de uma bela mulher,
com os cabelos pendentes até os joelhos, e, saindo à noite para passear nas
ruas de Ega, encaminhava os moços até o rio. Se algum era bastante afoito para
segui-la até a praia, ela segurava a vítima pela cintura e mergulhava nas ondas
com um grito de triunfo. Nenhum animal do Amazonas é sujeito a tantas fábulas
quanto o boto; é provável que isso não se originasse dos índios, mas dos
colonos lusitanos.
Posteriormente,
já na segunda metade do século XIX e início do século XX (período da borracha e
de grande fluxo migratório), a literatura sobre o boto que vira homem para
seduzir as caboclas e a engravida-las tomou forma, possivelmente não tem origem
indígena, apesar de fazer parte do imaginário ribeirinho de hoje em dia. E a
lenda se espalhou de tal maneira, na época da borracha, por conta dos
imigrantes nordestinos que aqui chegaram ao ponto que, no Pará daquela época,
qualquer criança que nascia de pai desconhecido, era logo denominada como filho
de boto. É a lenda que nasce de um fato social (meio encontrado para justificar
a exploração sexual da mulher), que acaba atuando no imaginário local.
NOTA:
Publicado no Livro “Alter do Chão e Sairé: Contribuição para a história”,
publicado pelo autor do blog em 2014.
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