terça-feira, 16 de outubro de 2018

Documentos Cabanos: Plano de Defesa de Santarém contra os Cabanos – 1835


Em 20 de março de 1835 a Câmara Municipal de Santarém se reuniu para apreciar e aprovar um plano de “defesa” contra o movimento da Cabanagem eclodido na Capital do Estado. Um fato interessante é que alguns dos membros da comissão que ajudaram a fazer o plano, um ano mais tarde estariam na posição de líderes cabanos, como é o caso de Antônio Maciel Branches. Eis a Ata da Câmara daquele dia: 

Ata da Câmara Municipal de Santarém – Sessão de 20 de março de 1835

Aos vinte dias do mês de março de mil oitocentos e trinta e cinco anos, nesta vila de Tapajós, reunida a Câmara extraordinariamente, digo reunida extraordinariamente a Câmara Municipal na Sala das Sessões achando-se presentes os senhores Presidente e Vereadores abaixo assinados, dada a hora o senhor Presidente abriu a Sessão, sendo feita a leitura da Ata antecedente a qual foi aprovada e declarou a natureza da presente convocação para ler-se o plano de defesa apresentado pela comissão encarregada deste trabalho, cujo é o seguinte:
A Comissão encarregada por esta ilustre Câmara de dar seu parecer sobre o procedimento que convém ter com o Governo da Capital e sobre os meios de conservar nesta Vila o sossego e tranquilidade ameaçados em consequência dos funestos acontecimentos ocorridos na mesma Capital, pela maior e melhor porções de cidadãos reunidos tem a honra de emitir o resultado de suas unanimes deliberações na maneira seguinte:
Art. 1º - A Comissão concordando com o sentir dos cidadãos acima mencionados declara que só reconhece Legítimo Presidente nomeado pelo poder competente na forma da Constituição, ou estabelecido em conformidade da Lei das reformas e, por conseguinte, reputar ilegítimo o atual elevado por meios que além de criminosos em si, são tão opostos à integridade do sistema do Brasil e obediência ao Governo Central como destruidores da paz e tranquilidade desta Província, e até mesmo de sua existência política.
Art. 2º - Em consequência do exposto, julga a Comissão que jamais se deve prestar obediência a um Governo tão intruso, não só porque com o contrário pareceria convir no crime, mas até autorizar nesta Vila a mesma representação das horríveis cenas políticas da Capital.
Art. 3º - Para evitar, porém, que o sossego e tranquilidade de todo o Município sejam alterados, ou por algum turbulento de seus habitantes, ou por facciosas que por acaso possam vir da Capital, assenta a Comissão que convém tomar as seguintes medidas:
§ 1º. Que se estabeleça nesta Vila além da pequena guarnição de tropa regular, uma força composta de sessenta Guardas Nacionais e cidadãos de toda a confiança para conservar a tranquilidade interna e externa.
§ 2º. Que se crie um barco ou escuna em guerra para juntamente com a escuna Guajará defender o porto e prestar todo o auxílio necessário a terra.
§ 3º. Que tanto para a guarnição da dita escuna como para compor a força que fala o § 1º se prefira dentre os cidadãos e Guardas Nacionais os que em iguais circunstâncias tiverem meios de se manter às suas custas a fim de economizar as despesas do Município atendendo o que as pessoas pobres e que só com os próprios braços entretêm suas lavouras e plantações não sejam delas arrancadas ocasionando-se daqui falta de víveres para o futuro.
§ 4º. Que haja um corpo de quarenta pessoas à cavalo em iguais circunstâncias das que tratam os §§ antecedentes para as patrulhas noturnas e diligências rápidas com um Comandante e destacamento distinto da força pedestre.
§ 5º. Que em caso de necessidade seja todo o cidadão que tiver cavalos obrigado a prestar um ou mais segundo suas posses para o serviço do dito corpo.
§ 6º. Que todo o Batalhão de Guardas Nacionais e mais cidadãos não empregados na Guarnição permanente da Vila sejam convocados no caso de necessidade a tomar armas para a defesa pública.
§ 7º. Que a Guarnição permanente de terra, da escuna novamente armada e mesmo o de cavalaria se for preciso sejam mudados todos os meses a fim de recair sobre todos os cidadãos o serviço comum.
Art. 4º - Assento a Comissão que, para suprir as despesas da Guarnição do mar e terra, se lance dos cofres do Município e que pelos mesmos sejam pagos os soldos a vencer do destacamento de linha, e da escuna Guajará.
Art. 5º - Que haja um depósito de munições de boca para fornecimento das Guarnições e um Comissário encarregado de fazer a competente distribuição e que será obrigado a dar conta mensal de sua comissão.
Art. 6º - Que se estabeleçam dois correios alternados até Gurupá para darem notícias e entreter a correspondência oficial com as autoridades locais.
Art. 7º - Que se participe a resolução desta Câmara às mais da Comarca e se exija delas os seus sentimentos de respeito dos sucessos da Capital e procedimento para com o outro governo. Tapajós, 19 de março de 1835.
(Assinam) Joaquim Rodrigues de Souza, Antônio Maciel Branches, João Francisco Régis Batista, Raimundo José Auzier, Agostinho Pedro Auzier.
E sendo novamente discutida pela Câmara e mais Autoridades locais e cidadãos foi notado aprovado pelo que foi tomado com o resultado, mandando-se por em execução os Artigos apontados. Na mesma ocasião foram nomeados primeiro e segundo Comandantes do Corpo de Cavalaria que se vai criar, sendo o primeiro o senhor Juiz Municipal Agostinho Pedro Auzier e o segundo o alferes de Guardas Nacionais, Luiz Antônio Fernandes; foi nomeado para Comissário encarregado de fazer a competente distribuição o cidadão Antônio de Oliveira da Paz; resolveu mais a Câmara que todos os pedidos feitos pelas diversas repartições deverão ter o “cumpra-se” do Presidente desta Câmara, sem o qual não deverá ser cumprido; assim mais que se oficiasse à Câmara da Vila de Pauxis exigindo dos cofres da dita a quantia com que poder prestar para coadjuvar as despesas desta; foi igualmente tratado entre todos os cidadãos e Autoridades reunidas nas salas das sessões que, uma vez que o Governo Legal da Província não aprove as despesas feitas pelas repartições dos cofres públicos desta Vila como não é de esperar, se proceda um rateio por todos os moradores deste Município pelo que esta Ata será logo levada ao conhecimento do legal Presidente da Província logo que seja restabelecido o Império da lei, assim mais que se transmitisse esta Ata a todas as repartições a quem pertençam nesta Vila para sua devida execução. E nada mais se tratou na presente sessão que dada a hora o senhor Presidente fechou de que para constar se lavrou a presente Ata que me assina eu João de Deus de Leão, Secretário da Câmara, que a escrevi.
Antônio Marcelino Marinho Gumbos, presidente; Pedro Alexandrino de Lira; Raimundo Dias Leão; Marcelino Antônio da Silva; Bento José Rebello.
Está conforme, João de Deus de Leão, Secretário da Câmara Municipal.
Conforme Francisco (?) de Facto; Joaquim Gonçalves de Aguiar, Juiz de Paz do 2º Distrito; Euquério Roiz das Neves, Juiz de Paz do 4º Distrito; Victório Procópio Serrão, Clérigo in Sacris Juiz de Facto e Professor de Latim; Antônio Gonçalves de Aguiar, Juiz de Paz do 5º Distrito; Ângelo Custódio Correa, Major do Batalhão dos Guardas Nacionais, Promotor Público, Juiz de Facto e Eleitor da Paróquia; seguiam os mais cento e cinquenta e uma assinaturas dos Empregados de representação.

NOTA: Este documento faz parte dos anexos de minha obra inédita: “Cabanagem no Baixo Amazonas e Tapajós”.

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