Em 20 de março
de 1835 a Câmara Municipal de Santarém se reuniu para apreciar e aprovar um
plano de “defesa” contra o movimento da Cabanagem eclodido na Capital do
Estado. Um fato interessante é que alguns dos membros da comissão que ajudaram
a fazer o plano, um ano mais tarde estariam na posição de líderes cabanos, como
é o caso de Antônio Maciel Branches. Eis a Ata da Câmara daquele dia:
Ata
da Câmara Municipal de Santarém – Sessão de 20 de março de 1835
Aos vinte dias do mês de março de mil
oitocentos e trinta e cinco anos, nesta vila de Tapajós, reunida a Câmara
extraordinariamente, digo reunida extraordinariamente a Câmara Municipal na
Sala das Sessões achando-se presentes os senhores Presidente e Vereadores
abaixo assinados, dada a hora o senhor Presidente abriu a Sessão, sendo feita a
leitura da Ata antecedente a qual foi aprovada e declarou a natureza da
presente convocação para ler-se o plano de defesa apresentado pela comissão
encarregada deste trabalho, cujo é o seguinte:
A Comissão encarregada por esta ilustre
Câmara de dar seu parecer sobre o procedimento que convém ter com o Governo da
Capital e sobre os meios de conservar nesta Vila o sossego e tranquilidade
ameaçados em consequência dos funestos acontecimentos ocorridos na mesma
Capital, pela maior e melhor porções de cidadãos reunidos tem a honra de emitir
o resultado de suas unanimes deliberações na maneira seguinte:
Art. 1º - A Comissão concordando com o
sentir dos cidadãos acima mencionados declara que só reconhece Legítimo
Presidente nomeado pelo poder competente na forma da Constituição, ou
estabelecido em conformidade da Lei das reformas e, por conseguinte, reputar
ilegítimo o atual elevado por meios que além de criminosos em si, são tão
opostos à integridade do sistema do Brasil e obediência ao Governo Central como
destruidores da paz e tranquilidade desta Província, e até mesmo de sua
existência política.
Art. 2º - Em consequência do exposto, julga
a Comissão que jamais se deve prestar obediência a um Governo tão intruso, não
só porque com o contrário pareceria convir no crime, mas até autorizar nesta
Vila a mesma representação das horríveis cenas políticas da Capital.
Art. 3º - Para evitar, porém, que o sossego
e tranquilidade de todo o Município sejam alterados, ou por algum turbulento de
seus habitantes, ou por facciosas que por acaso possam vir da Capital, assenta
a Comissão que convém tomar as seguintes medidas:
§ 1º. Que se estabeleça nesta Vila além da
pequena guarnição de tropa regular, uma força composta de sessenta Guardas
Nacionais e cidadãos de toda a confiança para conservar a tranquilidade interna
e externa.
§ 2º. Que se crie um barco ou escuna em
guerra para juntamente com a escuna Guajará defender o porto e prestar todo o
auxílio necessário a terra.
§ 3º. Que tanto para a guarnição da dita
escuna como para compor a força que fala o § 1º se prefira dentre os cidadãos e
Guardas Nacionais os que em iguais circunstâncias tiverem meios de se manter às
suas custas a fim de economizar as despesas do Município atendendo o que as
pessoas pobres e que só com os próprios braços entretêm suas lavouras e
plantações não sejam delas arrancadas ocasionando-se daqui falta de víveres
para o futuro.
§ 4º. Que haja um corpo de quarenta pessoas
à cavalo em iguais circunstâncias das que tratam os §§ antecedentes para as
patrulhas noturnas e diligências rápidas com um Comandante e destacamento
distinto da força pedestre.
§ 5º. Que em caso de necessidade seja todo
o cidadão que tiver cavalos obrigado a prestar um ou mais segundo suas posses
para o serviço do dito corpo.
§ 6º. Que todo o Batalhão de Guardas
Nacionais e mais cidadãos não empregados na Guarnição permanente da Vila sejam
convocados no caso de necessidade a tomar armas para a defesa pública.
§ 7º. Que a Guarnição permanente de terra,
da escuna novamente armada e mesmo o de cavalaria se for preciso sejam mudados
todos os meses a fim de recair sobre todos os cidadãos o serviço comum.
Art. 4º - Assento a Comissão que, para
suprir as despesas da Guarnição do mar e terra, se lance dos cofres do
Município e que pelos mesmos sejam pagos os soldos a vencer do destacamento de
linha, e da escuna Guajará.
Art. 5º - Que haja um depósito de munições
de boca para fornecimento das Guarnições e um Comissário encarregado de fazer a
competente distribuição e que será obrigado a dar conta mensal de sua comissão.
Art. 6º - Que se estabeleçam dois correios
alternados até Gurupá para darem notícias e entreter a correspondência oficial
com as autoridades locais.
Art. 7º - Que se participe a resolução
desta Câmara às mais da Comarca e se exija delas os seus sentimentos de
respeito dos sucessos da Capital e procedimento para com o outro governo.
Tapajós, 19 de março de 1835.
(Assinam) Joaquim Rodrigues de Souza, Antônio
Maciel Branches, João Francisco Régis Batista, Raimundo José Auzier, Agostinho
Pedro Auzier.
E sendo novamente discutida pela Câmara e
mais Autoridades locais e cidadãos foi notado aprovado pelo que foi tomado com
o resultado, mandando-se por em execução os Artigos apontados. Na mesma ocasião
foram nomeados primeiro e segundo Comandantes do Corpo de Cavalaria que se vai
criar, sendo o primeiro o senhor Juiz Municipal Agostinho Pedro Auzier e o
segundo o alferes de Guardas Nacionais, Luiz Antônio Fernandes; foi nomeado
para Comissário encarregado de fazer a competente distribuição o cidadão
Antônio de Oliveira da Paz; resolveu mais a Câmara que todos os pedidos feitos
pelas diversas repartições deverão ter o “cumpra-se” do Presidente desta
Câmara, sem o qual não deverá ser cumprido; assim mais que se oficiasse à
Câmara da Vila de Pauxis exigindo dos cofres da dita a quantia com que poder
prestar para coadjuvar as despesas desta; foi igualmente tratado entre todos os
cidadãos e Autoridades reunidas nas salas das sessões que, uma vez que o
Governo Legal da Província não aprove as despesas feitas pelas repartições dos
cofres públicos desta Vila como não é de esperar, se proceda um rateio por
todos os moradores deste Município pelo que esta Ata será logo levada ao
conhecimento do legal Presidente da Província logo que seja restabelecido o
Império da lei, assim mais que se transmitisse esta Ata a todas as repartições
a quem pertençam nesta Vila para sua devida execução. E nada mais se tratou na
presente sessão que dada a hora o senhor Presidente fechou de que para constar
se lavrou a presente Ata que me assina eu João de Deus de Leão, Secretário da
Câmara, que a escrevi.
Antônio Marcelino Marinho Gumbos,
presidente; Pedro Alexandrino de Lira; Raimundo Dias Leão; Marcelino Antônio da
Silva; Bento José Rebello.
Está conforme, João de Deus de Leão,
Secretário da Câmara Municipal.
Conforme Francisco (?) de Facto; Joaquim
Gonçalves de Aguiar, Juiz de Paz do 2º Distrito; Euquério Roiz das Neves, Juiz
de Paz do 4º Distrito; Victório Procópio Serrão, Clérigo in Sacris Juiz de
Facto e Professor de Latim; Antônio Gonçalves de Aguiar, Juiz de Paz do 5º
Distrito; Ângelo Custódio Correa, Major do Batalhão dos Guardas Nacionais,
Promotor Público, Juiz de Facto e Eleitor da Paróquia; seguiam os mais cento e
cinquenta e uma assinaturas dos Empregados de representação.
NOTA: Este
documento faz parte dos anexos de minha obra inédita: “Cabanagem no Baixo
Amazonas e Tapajós”.
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