terça-feira, 2 de outubro de 2018

Ofício do padre Antônio Manoel Sanches de Brito – 1836


Como não é do meu caráter faltar a verdade, menos ainda enganar os povos, para os abismar, para isso vou demonstrar por fato qual é a Fé Pública e confiança que me razoa qualquer tratado de paz ou de conciliação da parte dos Vinagristas da reunião de Ecuipiranga e ninguém os poderá negar, porque tem sido públicos e assim incontestáveis.
A Reunião do Surubiassú-miri e a qual passou para Ecuipiranga deu por motivo os despotismos e receios de perseguição da parte do Juiz de Direito e a existência do capitão Ambrósio com os Bararuás, estes dois únicos motivos cessaram com a retirada de um e outro, consequentemente a Reunião devia dissolver-se e dar-se por acabada, porém não aconteceu assim: Logo aqueles motivos de que se serviu a Reunião foram falsos. Tapajós, por suas autoridades legítimas em prova do sossego que desejavam, dobrou-se a enviar uma Deputação, toda conciliadora e a Reunião aceitou pelo que devia dissolver-se o que não aconteceu. Pauxis, tendo reunido uma Força com uma escuna de guerra a seu porto, intricheirado como estava tão somente para defender-se de qualquer agressão, por evitar desconfianças da parte da Reunião fez o mesmo que Tapajós, propondo termos de conciliação, que foram aceitos pelo que a Reunião devia dissolver-se, mas não aconteceu assim, antes conservou-se a Reunião na boca do Curumucuri, Distrito de Pauxis, e como desconfiados os pauxienses, nos tratados de conciliação já formados, cuidou cada um em recolher-se a seus sítios, dondo muitos foram obrigados a reunir-se àquele Ponto ora já com este procedimento, a Reunião faltava com o cumprimento do que solenemente havia prometido e dado palavra e já então Pauxis devia toda a atitude das armas, pelos motivos que tinha de desconfiança, mas ainda assim mesmo o não fez por nunca persuadir-se que fosse atacado, não tendo dado o mais leve motivo aquelas vilas, nem antes, e nem depois de sua Reunião no Ecuipiranga em prova do que para ali mandou, tirando de si a Escuna Federal, e o resultado de tudo foi dirigir-se para [Vila Pauxis] a reunião do porto Curumucuri debaixo de Paz, e neste sentido oficiou aquele comandante ao Vigário, pedindo não houvesse a mais pequena alteração, ocasião esta da recepção em que o Povo, junto ao Senhor Jesus, lhe apareceu-os e fez público o dito ofício, afiançando que se não assustassem, pois que nenhum insulto haveria, mas pela madrugada começaram a ter princípio as cenas de horror, tendo-se-lhe antes entregue pacificamente o Quartel, as Armas e a Munição, e ao amanhecer duas rodas de pau, prisões, escoltas e ameaçar até as Senhoras, as Autoridades obriga a largar o seu calçado, mortes de muitos pais de famílias, suas casas arrombadas à luz do dia, e sem vergonha com os trastes dos infelizes no corpo em afronta de todo brasileiro honrado, que para ter uma camisa não precisa matar para roubar, e assim experimentou Pauxis, a mais negra falsidade, ainda por sorte teve Tapajós tudo por confiar nos tais tratados de paz, depois destes acontecimentos cheguei eu a esta Vila, e com a sinceridade do meu coração e desejos de salvar um e outro povo, tratei com os Comandantes de que todos os nossos cuidados se deviam empregar para o restabelecimento do sossego, retiraram-se eles e eu não poupei para o conseguir, desprezando muitas ameaças e muitos insultos, não só na Vila como pelos Sítios, alterados já o Povo e todo desconfiado, acontece como um rebate de desengano, a morte daqueles três infelizes na boca do Curumucuri, de tal modo que todos os moradores se recolheram à Vila como também fez o Vigário; corrido de seu Sítio, para onde tinha ido ainda doente, debalde pedi providências a Miguel Apolinário, e as que enviaram consistiram em crescer a reunião de São Nicolau, e apresentar-se outro Destacamento na boca do Curumucuri; assaltar-se por três vezes a freguesia de Juruti e a de Tupinambarana, sem que estas Freguesias tivessem dado motivo algum de provocação; pergunto eu agora: foram verdadeiras e podem acreditar-se os motivos que deu a Reunião de Ecuipiranga? Dissolveu-se com os Tratados de Conciliação de Tapajós e Pauxis?

Ah! Foram estas Vilas as que mais sofreram debaixo de paz as suas desgraças com tantas mortes e tantos roubos! E poderá alguém dizer que a paz só serviu de pretexto para enganar quando o fim só foi matar e roubar! Haverá quem isto negue? Poderá ainda acreditar e confiar, em qualquer tratado de paz, que tem sido a causa e as verdadeiras armas, com que se tem vencido e desgraçado Amazonas? Dirão que todos estes atos foram no tempo de Miguel Apolinário, e que o contrário, tem observado, tendo substituído Diniz Marcelino de Souza, porém eu vou referir o que se tem passado no tempo deste – o Distrito de Pauxis por ele são responsáveis suas Autoridades, e mesmo em todas as mais Vilas e Freguesias, para isso elas se não devem intrometer e nem importar do que em cada uma se passa. Salvo por requisição a bem do Serviço do Imperador, e da Lei. Pauxis tinha os seus Destacamentos para manter a ordem nos lugares de Maratuba, Curumucuri, e Maracau-assú, que por lei lhe pertence. Diniz, sem ordem, sem lei e sem autoridade ataca, mata e faz tomadias, não escapando em “Maracau-assú” de ser revolvido o paramento sagrado da Capela, quebrada em pequenos pedaços a pedra d’Ara e passa depois à Olaria de João da Gama, morador desta, onde como se fosse dono matou gado e fez o que quis; até prendeu moradores que se recolhiam para a Vila, tomou Batelões de Gado, Escravos, e saqueou as farinhas, com estes procedimentos tão criminosos, oficiou para esta [Vila de Pauxis] pedindo a paz, porém que convinha depor as Armas, respondeu-se-lhe que a paz muito desejávamos, porém nunca depor as Armas, tornou a oficiar, para que se cumprisse sua requisição, pena de marchar contra esta, e não se lhe respondeu, cercou a Vila, fez toques de caixas, e gritarias ao Costume dos Gentios, com a diferença que estes sempre foram mais honrados, porque nunca descompuseram, tornou a oficiar pela paz no mesmo sentido, a resposta foi a mesma, até que para lhe dar uma prova, de que estava disposto a receber os seus ataques prometidos sem ele por em execução, mandei tocar arrebate, içar bandeiras encarnadas e a fazer fogo, e a noite deste dia, exclamou uma voz do mato, que queriam a paz, e que só o Vigário os podia salvar, atendendo pois ao grande esmero contra a vontade mandei suspender o fogo, e pela manhã  dirigiu-se a Diniz o Vigário, e eu oficiei que me desse decisão dessa paz que ele propunha para minha deliberação, pois que me parecia paliação, entretanto às 10 para 11 do dia, pretendia entrar em ação decisiva, e foi quando voltou o Vigário com a paz de falsidade, seguiram-se todas as manifestações de prazer, porém afetando Diniz pressa em se retirar porque nada mais havia que fazer, seguiram-se. As requisições, sem que no Termo de tal paz houvesse tais condições e nem fosse ouvido o Vigário, como medianeiro na forma do Termo, Quartelamento Barca a Peça, 50 homens, 30 Armas Nacionais, 3 cartuxos de robamento de Trincheiras, tudo isto fora do Termo de Paz que se havia passado, e por último foi a requisição com ameaça de se me obrigar pela força, fiz logo soltar os presos que haviam e Diniz o não fez, entreguei duas Montarias e Diniz não entregou, as muitas apreendidas, os Batelões, e duas Galeotas mais do Porto e montarias que levaram Escravos, os Sítios de Paraná-miri de “Lecipo” pertencentes a estes moradores todos saqueados e algumas portas quebradas a machado cortadas até os Tupés de cacau, não escapando um Pinto, pergunto eu agora se Diniz queria a paz por desconfiar de Pauxis porque as não a pediu fora deste Distrito? Para que cometeu tanto atentado? E porque depois do Termo não fez dar-lhe todo o cumprimento, para assim ganhar a confiança a Crédito na sua palavra? Ah! O Termo de Paz não foi mais do que Papel porque retirou-se sem dar um passo contrário aos primeiros que nos servissem de abono a sua palavra, e de firmeza a um tal Termo de Paz, portanto acredita-lo e no Bando, é o mesmo que acreditar na falsidade, e assim proponho por ser este o meu dever que a lei me impõe. 1º. Todas as Autoridades Legitimamente Constituídas só serão responsáveis pelo Termo de sua Jurisdição, e nunca importar se deve dos outros só se for por requisição Legal pelo que em qualidade de Juiz de Paz nada tenho com o que todas as mais Vilas fizerem, e como não tenho Autoridades, ordem, e nem Lei que me autorize, para atacar Distritos alheios, por isso nenhuma deve recear e desconfiar que eu obre contra alguma. 2º. Dentro do Distrito de minha Jurisdição, não consentirei o mais leve insulto, e nem que de outro Distrito venha algum persuadir a vinda d’El Rei D. Sebastião. 3º. O Tope de Cruz no chapéu neste distrito será crime de Lesa Majestade, por ser contra o que as Cortes tem estabelecidos. 4º. Não reconhecer Eduardo como Presidente da Província, por ser este um atentado e um crime contra a Lei e contra os direitos do Imperador. 5º. Não reconhecer a Diniz por Comandante Geral, por ser este hum título que não aparece na Constituição do Império. 6º. As Escunas de Guerra não regressam, porque só podem fazer por ordem do Exmo. Sr. Presidente que foi quem as mandou. 7º. Obedecer a Lei e sustenta-la, cumprir as ordens do Exmo. Sr. Presidente, são as bases em que Pauxis está firmado e toda a agressão contra esta Vila será um atentado dos maiores e ela a custa da própria vida fará por rebater portanto a VV. SS. como Autoridades Legalmente constituídas, e a todos aqueles que obedecerem ordens ilegais, contra o sossego público e particular, contra os direitos dos cidadãos e suas Propriedades, pela violação da Constituição do Império e direitos do Imperador, e para que nenhum se queira livrar pegando-se à ignorância requisito a VV. SS. em Nome do Exmo. Presidente da Província e do Imperador debaixo da responsabilidade de VV. SS. hajam de espalhar cópias deste por todas as Vilas e Lugares que se tem envolvido, e de reunir os povos de sua Jurisdição, e fazer-lhes público este meu ofício, e a Proclamação do Regente do Império a fim de salvar-se tanta gente enganada, pois que Deus pela sua misericórdia não deixará de tocar o coração de muitos, e também fiquem sabendo os Índios que mesmo em Vila Franca se fez uma relação deles como malvados, e assim também em Alenquer, e que eu tomando a Deus por testemunha lhes digo e juro que sobre eles se hão de descarregar as mortes, e todos os roubos, e para que em tempo nenhum, quando eles padeçam digam que nunca tiveram quem lhes falasse a verdade, por isso esta é a última vez e todo aquele que padecer se lembrará muitas vezes destas verdades, ultimamente contra malvados e ladrões, estou disposto dentro do Distrito de minha jurisdição e assim dar eu um testemunho em honra dos brasileiros que Pauxis quer morrer e padecer, antes que envolver-se em revoluções para matar e roubar, como sempre disseram os portugueses desde o princípio da Independência e como infelizmente tem acontecido para vergonha de todos os brasileiros, enfim para sustentar na Presidência um homem que nem ao menos é filho desta Província, isso perdeu o Amazonas toda a sua vergonha, virão com que cara apareceram muitos desses desgraçados e suas pobres mulheres e filhinhos que terão de chorar os restos dos seus dias cheios de vergonha, e bem é que VV. SS. por serviço de Deus e da humanidade façam ver que contra as forças do Imperador não podem igarités, montarias, Lazarinas, com meia dúzia de cartuxos e taquaras, e façam-lhes ver que o Saraiva morreu no Engenho de uma Sud. Do Valle onde estava intricheirado e onde se tomaram oito pessoas que desde Gurupá até Prainha estavam onze embarcações de Guerra e que Monte Alegre, pelo Centro já estava cercado e quando subiram estas duas embarcações se esperava por aqueles dias reforço de gente para debaixo apertar-se o cerco; e que as ordens do Exmo. Sr. Presidente são não dar Quartel a todos aqueles que estiverem em Armas, e que se desenganem que eu para os enganar não me sirvo de papéis falsos como eles tem feito para enganar aos Pobres Índios, mas não tardará muito que eles reconhecerão quem é que os engana, isto mesmo aconteceu na América Espanhola, onde há poucos anos ficaram eles perdendo a sua liberdade, e hora há ali o Castigo da Serra, façam-lhes também ver que quem quer perdão, quem quer Anistia, não pega em arma, para matar e roubar e não se opõe à obediência da Lei, e assim acreditem VV. SS. que eu hei de fazer o que devo, com as vistas sempre na Lei apesar de eu não ter os conhecimentos, e não saber tanto como esses Gerais e Ordinários Comandantes que se tem servido do nome do Exmo. Revmo. Bispo para prometer Anistias, quando antes tem declarado sobre eles maldição, como se vê de sua Pastoral; enfim falar a verdade em todo o caso, para que andam mentindo, mas não admira que façam aos Índios, porém a nós, é muito galante. Onde está o Comboio e as embarcações de Guerra, que conduziram os senhores tenentes coronéis e o Exmo. e Criminosíssimo Eduardo, que vinha com 2$ homens; sem dúvida foi Obra do Pajé ou daquele Santo Antônio que todos traziam ao pescoço feitos de casca de pau, com cara de Onça, já sabemos de todas as suas manobras – fazer sair canoas de noite com gente de noite digo com gente, e entrar de dia, aqui temos mais gente que nos veio de fora de tal, e tal parte, e da Avó torta deles e nas suas gritarias, cada um faz 8 e 10 vezes para persuadir muita gente, enfim este ano foi a terra firme ao fundo, e com a vazante, porque houveram Macucanas, Macacos e todos os bichos à roda da Vila, e sempre algum bem fizeram, porque muito carapanã mataram apesar de que até cascos do Lago e pedaços de ralos serviu a estes Cavalheiros de Malta; o malvado preto ladrão ainda na barriga da Mãe entrou em Faro para persuadir, que já Pauxis estava em cinzas, e lá vai esse piloto de pescador que veio do Alto Amazonas feito Comandante persuadindo a todos que Pauxis pediu Misericórdia e que o Vigário com a Cruz da Irmandade do Santíssimo e alguns irmãos de sobre palio e Estola pediu pelo povo e que em Tapajós se faziam preparativos para receber o tal Presidente ficando em seu lugar na Capital um Caffús de sobrenome Rodrigo Leal; por ora nada mais digo, podem agora descompor-me que é obra de malcriados e de gente safadíssima, que não tem vergonha e nem que perder que andam comendo e bebendo à custa alheia, mas este Ofício não atura, e não está por muito tempo, que quando derem por si há de procurar as Casas de Jiamba cumpram com o juramento que deram na posse dos empregos em que estão servindo, pois o Termo de posse os obriga a sustentar a Lei e não reconhecerem Comandantes Gerais de rubar, o Tope Nacional e a Bandeira, e mesmo Deus por sua Misericórdia terá de compadecer-se dos Pobres Tapuios. Deus Guarde a VV. SS. Pauxis, 18 de setembro de 1836.
(Ao) Ilmo. e Exmo. Juiz de Paz e mais Autoridades da Vila Franca.
(Assina) Antônio Manoel Sanches de Brito – Juiz de Paz e acérrimo inimigo dos Ladrões.

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