quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Uma visita de padre Eutychio a Santarém – 1877


O mais eloquente testemunho que uma população pode dar de seu adiantamento moral e intelectual nas sendas positivas do progresso, tal como o compreendem as idades hodiernas, é incontestavelmente a espontânea e inequívoca demonstração do apreço em que ela sabe ter àqueles que marcham a frente de suas instituições livres; e é certo que uma manifestação nessas condições constitui por si só o mais belo florão da coroa de louros com que as gerações agradecidas galardoam o mérito dos invictos soldados do futuro.
À noite de 13 de agosto último foi, na cidade de Santarém, assinalada por um desses fatos de que ficará eterna lembrança e que, por seu grande alcance moral, honra tanto aquele que dele foi alvo, quanto ilustra no conceito geral aos que o promoveram.

De uma estrondosa e brilhante manifestação acaba de ser objeto o ilustrado senhor padre Eutychio Pereira da Rocha, por ocasião de sua passagem por essa cidade.
Apenas aqui ancorou o vapor “Javary” que trazia a seu bordo o ilustre delegado do grão-mestre da maçonaria brasileira, em regresso à sede de sua sabia jurisdição, dois escaleres atracaram logo ao vapor, levando cada um uma comissão de sete membros das duas lojas maçônicas deste vale.
Chegadas à presença do benemérito delegado, as duas comissões significaram-lhe da parte de suas respectivas lojas, o desejo que tinham de merecer-lhe a honra de sua visita: e o ilustre sr. Padre Eutychio, com aquela afabilidade e delicadeza que lhe é tão peculiar, acedeu de bom grado a este convite e desembarcou, apesar de seus incômodos de saúde e da hora adiantada da noite, sendo digna e honrosamente recebido por imensa concorrência de povo e, na ocasião de seu desembarque, queimaram-se vastas e inúmeras girandolas de foguetes em muitos pontos da cidade, que para logo iluminou-se, tomando um aspecto festivo.
Dirigiu-se, então, o ilustre visitante, sempre acompanhado do povo, à loja maçônica UNIÃO E FIDELIDADE, onde os harmoniosos sons de uma banda de música, foi recebido com as honras devidas à sua alta jerarquia e, no caráter de delegado, assistiu à sessão magna extraordinária, expressamente convocada para recebe-lo e que esteve muito concorrida.
Findas as cerimônias do rito e depois de pronunciados eloquentes discursos congratulatórios, foram os trabalhos de loja encerrados e o ilustre delegado conduzido à sala dos banquetes onde, ao som de excelentes peças de música, lhe foi servido um delicado e profuso “lunch”, durante o qual se trocaram honrosos e significativos brindes, que foram encerrados pelo brinde de honra, levantado ao infatigável e popularíssimo grão-mestre da maçonaria brasileira, Ganganelli, a glória da pátria e o terror de quanto jesuíta há de sotaina e capa curta.
Acompanhado pela respectiva comissão, maçons e grande número de pessoas do povo, seguiu daí o benemérito delegado para o edifício onde funciona a outra loja maçônica, ABRIGO DA HUMANIDADE, cujo templo visitou, dirigindo-se depois para a residência de um irmão dessa loja, onde lhe foi servido um esplêndido copo d’água, abrilhantado por uma concorrência escolhida.
Terminadas estas demonstrações do mais alto apreço, da mais sincera estima ao venenando sr. Padre Eutychio, reembarcou S.S. sob as ovações do imenso povo que o seguiu até o litoral.
Os dois templos maçônicos, que pertencem a ritos diferentes, estavam em verdade primorosamente adornados de gala, e foram expostos ao público e assim estiveram nas três noites seguintes, nos quais foram visitados por crescido número de senhoras e cavalheiros.
Grata, bem grata recordação, deve ter deixado ao venerando sr. Padre Eutychio a noite de 13 de agosto, pois através dos pomposos aparatos de uma recepção estrondosa, lhe há de ter ficado a certeza da gratidão de um povo irmão, que sabe apreciar os serviços prestados à causa da civilização, que é também a causa das nossas liberdades, por esse atleta que sabe compreender e praticar os grandiosos preceitos evangélicos.
Honra, pois, ao ilustre sr. Padre Eutychio que foi o caro objeto de tão significativos festejos!
Honra ao povo santareno, que soube elevar-se à altura onde se mantém os povos que compreendem os seus deveres e os seus direitos!
Honra à maçonaria brasileira, que à luz de seus belos e sublimes preceitos vai espancando as trevas do obscurantismo, da hipocrisia e do fanatismo!

NOTA: Publicado no Jornal O Santo Ofício, de Belém, sem indicação de mês e data, apenas do ano 1877.

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