quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Artigo: Carnavais santarenos de antigamente... (Parte 03)

Pe. Sidney Augusto Canto


Continuando nos anos de 1930, não podemos deixar de citar alguns fatos inusitados desses antigos carnavais santarenos. Um deles, marcante naquele tempo, sem dúvida nenhuma era a realização do “assustado”.

O “assustado” era organizado em dia de semana, geralmente quarta-feira, onde um grupo de foliões faziam coleta (a famosa vaquinha) para pagar um grupo de músicos. Reunido o grupo, partiam para uma casa pré-escolhida e, sem nenhum aviso prévio, entravam e faziam a festa deixando o dono da casa “assustado” (daí o nome). O pior, era que não acontecia somente o “susto”, havia também o “Assalto”, costume ligado ao primeiro, onde, literalmente se “assaltava” a dispensa (comida e bebida) dos já “assustados” moradores da cidade. Algumas famílias recebiam bem a inusitada trupe, outros, revidavam até mesmo na base da bala aos intrépidos foliões. Na década de 1930, um dos blocos que “assustavam” e “assaltavam” o povo santareno era o “Cigana Salientes”, que o faziam nos domingos e terças de janeiro. 

Foi na década de 1930, que os bailes dos clubes pegaram fôlego. Um dos clubes fundados nessa época foi o Centro Recreativo. E desde o início de sua vida social, o carnaval esteve intimamente ligado ao Clube. Muitas das famílias tradicionais da cidade, que faziam bailes em suas residências, passaram a contribuir financeiramente para que os clubes organizassem seus esplendorosos bailes. Até então, o local de referência era o Teatro Vitória, mas a partir da segunda metade daquela citada década, o Centro Recreativo iria tirar-lhe, aos poucos, o papel central dos bailes de salão. Já em 1939, o Centro Recreativo já era o clube que promovia a famosa “Micarême”, realizada no sábado, véspera da Páscoa.

O Centro Recreativo não abrigava somente os tradicionais bailes para adultos. Já em 1935, a meninada se aglomerava na antiga sede do clube, situada na Travessa 15 de Agosto, para brincar a quadra de Momo. Colombinas, Pierrôs, e muito confete e serpentina animavam a meninada. E naquele ano, quem promoveu a festa foi um jovem de apenas 15 anos, chamado Wilde Dias da Fonseca, o Dororó. A foto que ilustra este artigo, pertencente à família Vasconcelos Dias, ilustra como as crianças santarenas participavam do Carnaval daqueles tempos.

Também fazia parte do Centro Recreativo, o jovem Wilson Dias da Fonseca, que vestido geralmente como uma camisa vermelha de mangas longas, era um dos responsáveis pela animação musical dos bailes. Segundo Vicente Malheiros da Fonseca, “foi nesse período que o famoso Isoca começou a compor diversas músicas para animação dos bailes sociais de carnaval”, algumas delas com primeira execução confirmada no salão do Centro Recreativo. O grupo musical responsável pela animação era o “Euterpe-Jazz”, sob a regência do maestro José Agostinho. Entre os blocos de animação do clube daquela década, podemos citar o “Queremos um coração” e o “Caçadoras de sorrisos”, composto por senhorinhas da elite santarena.

Mas não havia somente o Recreativo. A década de 1930 foi o período em que fervilhavam clubes pela cidade. E nenhum bairro rivalizou mais com o Centro, do que a Aldeia. Um dos clubes aldeienses era o “Clube do Amor”, que funcionava na residência do senhor Almiro Barbosa e tinha animados bailes animados pela orquestra do maestro Raimundo Fona. Em 1932, o “Club Recreativo Aldeiense” inaugurava sua sede social na Avenida São Sebastião, em pleno período de carnaval, animado por uma Jazz Band. Outro clube da Aldeia era o “Club Jardim Aldeiense”, situado na antiga Travessa Riachuelo e que, em idos de 1935, promovia os bailes com o conjunto musical “Jazz do Frêvo”. Outro clube aldeiense da época era o “Dungas da Aldeia”, que tinha sede no palacete Gomes Diniz, na Rua 24 de Outubro. Não podemos esquecer o “Centro Recreativo Flôr da Aldeia”, instalado pela elite aldeiense na Avenida Rui Barbosa, realizando festas carnavalescas toda quinta-feira, com uma orquestra de Jazz sob a direção de B. Bezerra.

A propósito, em fevereiro de 1931, o bairro da Aldeia fazia uma conceituadíssima “Alvorada”, com a banda carnavalesca “Se quiser é assim”, ao comando de Bibito Campos. A turma aldeiense se reunia na Praça Tiradentes “antes das galinhas descerem do poleiro” e faziam animado barulho acordando o povo ao som da valsa “Minha Esperança”.

Para concluir, por hora, sobre os carnavais auspiciosos da década de 1930, passo a transcrever um crônica carnavalesca, publicada no Jornal de Santarém de 27 de janeiro de 1934, nos remetendo à uma época de ouro do carnaval santareno do “Theatro Victoria”. Eis o texto:

A TEMPORADA DOS GUISOS E DAS SERPENTINAS
No Theatro Victoria
Promovida por uma comissão composta dos senhores Manoel Maria de Macedo Gentil, Francisco de Oliveira Campos, Manoel Gomes Faria, Heriberto Pinto Guimarães e José Serruya, terá início hoje no Theatro Victoria, a série de “bals masques” dedicada à família Santarenense.
Diante da animação que reina entre os componentes do nosso “grand monde”, cada qual procurando dar melhor realce à fantasia a ser exibida, é de esperar que as partidas do Victoria atinjam inusitado brilho e concorrência, marcando, assim, uma nota distinta em nossos fastos sociais.
A parte musical, confiada ao “Euterpe-Jazz”, sob a direção do professor José Agostinho, concorrerá indubitavelmente para maior êxito dos saraus.
Já foram distribuídos convites para as auspiciosas partidas, que se realizarão nas noites de hoje, 03 e 10 de fevereiro próximo.
Pede-nos a comissão respectiva, comunicar aos interessados que o ingresso para as três partidas custa 20$000 (vinte mil réis) sendo que para uma só partida o custo é de 10$000.
Não há entrada de favor!
Bloco das Ciganas Salientes
Consoante noticiamos, exibiu-se com sucesso, na noite de domingo e terça-feira última, 21 e 23 do fluente, percorrendo algumas casas de nosso escol social, o Bloco das Ciganas Salientes, constituído de gentis senhorinhas e guapos rapazes de nosso meio.
Como era de prever, os “sustos” foram de fato, pois casa houve que, de tão “assustadas”, fecharam muito cedo as portas respectivas, “receando” os “assaltos”... Mas isso não impede que o Bloco continue as suas “avançadas”, porque estas “assustam só... não matam”...
***
Para a promissora festa de hoje, a realizar-se no Theatro Victoria, a qual se intitula “O fim dos Ciganos Salientes”, é o seguinte o programa musical:
OUVERTURE – ZÉ PEREIRA
I – PARTE
MARCHA – Que bom que estava
SAMBA – O Sol nasceu para todos
FOX-TROT – Thate’s Too Many Eyes
SAMBA – Vejo Amanhecer
MARCHA – Dois a dois
FOX-TROT – Had to Get
SAMBA – Quando me lembro
II – PARTE
MARCHA – Você me provocou
SAMBA – Vai cavar a nota
FOX-TROT – Amor e beijo
VALSA – Meu coração quer beijar-te, querida
MARCHA – Brinca coração
SAMBA – Cabrocha inteligente
FOX-TROT – Bashful Baby
III – PARTE
MARCHA – Um amigo, um bom amigo
SAMBA – Feitio de oração
FOX-TROT – Formar um ninho
SAMBA – Jangadeiro do Norte
FOX-TROT – Old Man Pie-Eye
MARCHA – Olha aqui!

E os blocos que animavam aqueles anos 1930?

As ruas santarenas viam diversos blocos carnavalescos surgirem naquela década, alguns tinham vida curta de apenas um ano de folia, poucos aguentavam mais de um carnaval. Entre esses blocos de animação, podemos destacar o Bloco do “Miramar e José Hage” (isso mesmo, puxado por esses dois foliões que tocavam, o primeiro bumbo, o segundo trompete, e arrastavam um grupo atrás de si).

Havia também o “Bloco dos Caniços”, do quais participavam o Arbello, o Firmo, o Beré, o Boaventura Maia, o Tonico Nadler, etc., remanescente dos anos 1920 que entrou ainda nos anos 1930. O bloco “Tropa da Companhia do Desvio”, que estreou no carnaval de 1931, tinha a participação do Paulo Lapis, Ignácio Magalho, Zenóbio do Além, Xisto Gentil, Silvino, Sousa e Simão Campos. Outro bloco, puxado pelo Carlito Ayres, era “Os Caipiras”. O “Bloco dos Marujos Brancos” (cujo “comandante” era o Vicente Malheiros).

Havia ainda o bloco “Marujada Azul”, comandado pelo Laurimar Corrêa, com participação do Rosires, Diquinho Corrêa, Bebé Castro, Mundinho Imbiriba, Américo Azevedo, Pequenina e Tutica Motta, Célia Castro, Lenil Imbiriba e Lourdes Azevedo. E temos notícias ainda do bloco “As Cartolinhas”, o “Bloco da Meia Noite” e, infelizmente, muitos outros que se perderam na memória do tempo.

Por fim, é bom salientar que a delegacia de polícia baixava portarias, como é o caso da de número 11, de fevereiro de 1933, que especificava ser proibido o uso de máscaras nas ruas da cidade, após as 18h e nos bailes, após as 24h; proibia também os entrudos com cabacinhas, anilinas, águas servidas e qualquer líquido ou ingredientes que fossem danosas à saúde ou roupas dos foliões. Além, é claro, de proibir a venda da “marvada cachaça”. Nada disso, porém, parecia surtir efeito na alegria dos carnavais santarenos de antigamente.


NOTA: Continua ainda neste mês.

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