sábado, 31 de outubro de 2015

Documentos Pombalinos: Carta de expulsão dos missionários - 1757

Ao extinguir as missões religiosas e transformá-las em paróquias, diretamente sujeitas à jurisdição do Bispo do Pará, Dom Frei Miguel de Bulhões, os religiosos, principalmente jesuítas e franciscanos, opuseram-se veementemente às ordens do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Foi o estopim para que o mesmo prendesse e deportasse para o Reino alguns dos padres revoltosos. Foi a segunda expulsão de padres missionários no Grão Pará e prévia da expulsão definitiva que viria dois anos depois. Na lista, constam alguns dos missionários que trabalhavam no Baixo Amazonas e Tapajós. Apesar de não haver indicação do nome, o destinatário da carta abaixo (onde Mendonça Furtado expõe os “crimes” pelos quais os religiosos são deportados) é o Ministro Secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte-Real. Eis o texto:


Ilmo. e  Exmo. Sr.
Depois de receber as Reais Ordens de Sua Majestade vindas nesta Frota sobre o extraminio (sic) do Padre Visitador da Companhia e dos Padres Manoel dos Santos, Luiz Gomes, Anselmo Ekarte e Antonio Meysterbourg, e sendo aqui notório, os abomináveis excessos a que se tinham conduzido outros muitos Regulares, cujo orgulho se devia fazer conter pelas más consequências, que se podiam resultar assim ao serviço de Deus como ao de Sua Majestade da Liberdade, que tinham tomado estes Religiosos, e do pouco respeito que tinham tomado as suas reais ordens. Convoquei uma junta em casa do Bispo, com os Ministros, e apresentando nela, não só novas reais ordens, mas a outra carta firmada pela real mão de Sua Majestade datada de 4 de agosto de 1755, que expressamente compreende aos Regulares desobedientes e absolutos, propus, que sendo notórios e públicos os insultos que os ditos Regulares tinham cometido, se deixa assentar quais erão positivamente compreendidos naquelas reais ordens, para serem extraminados (sic) em observância delas.
Uniformemente se assentou depois de ponderados a maior parte dos fatos acontecidos, que os que infalivelmente se deviam embarcar para o Reino, como compreendidos naquelas reais ordens, eram os nomeados no termo, que se tomou de que remeto a vossa Excelência a copia debaixo do número 1º pelas causas nele expressadas, cujos nomes irei referindo a vossa excelência pela sua ordem:
O 1º é o Padre Domingos Antonio, que era Reitor do Colégio desta Cidade pelo insultante e escandaloso protesto, que me fez, na resposta ao aviso, que lhe mandei para dar nas Povoações do Crussá e Mamayacú (sic), as mesmas providencias, que tinha dado o seu Visitador nas mais Povoações desta Capitania, cuja negociação participei já a Vossa Excelência nas duas Cartas de 20 do corrente nas quais dei conta a Vossa Excelência largamente desta matéria.
O 2º é o Padre Luiz de Oliveira, o qual aqui era o Procurador das Missões e Missionários da Aldeia do Guaricurú, que hoje é vila de Melgaço, que devendo sair daquela Povoação a roubou tão escandalosamente, que até lhe vendeu o gado que havia nela, e as Canoas com que se deveria servir, chegando até ao excesso de furtar da Igreja a Custódia em que se expunha o Santíssimo, e umas vestimentas preciosas, o que tudo consta aqui, que o Padre Visitador adjudicou ao Colégio de Tapuytapera, e sobre estes insultos, deixou umas perniciosíssimas práticas aos Índios, com as quais se meteram no mato, e tem custado um grande trabalho o faze-los voltar para a Povoação, para a qual tem vindo muita parte deles, e vão chegando todos os dias os mais.
Este Padre era um dos mais hábeis homens de negócio, que aqui se conhecia, e tendo curtíssimo talento e ainda menos Letras só para aquele exercício tem grandíssima aptidão.
O 3º é o Padre Manoel Affonso, que também vendeu o Gado da Povoação em que se achava, que era a Aldeia de Arucará, e hoje Vila de Portel, e ele com o seu companheiro o Padre Joaquim de Barros de que abaixo falarei, introduziram quase as mesmas práticas aos Índios, que também não tem custado pouco a desvanece-los.
O 4º é o Padre Lourenço Kaulin, Missionário que era da Aldeia de Piraviry, e hoje Vila de Pombal, de cujo procedimento Vossa Excelência estará já bem informado pela carta, que ontem lhe escrevi a respeito da conduta que ele teve na despedida da sua Aldeia, e pelos fatos que ele nela referi conheceria Vossa Excelência plenamente que este chamado Religioso era um verdadeiro Regulo, e absoluto sendo este o caráter, porque aqui notoriamente conhecido, e como tal sumamente prejudicial nesta conquista.
É o 5º o Padre Luiz Alvares, o qual ao menos interiormente defendeu sempre a Liberdade dos Índios contra muitos votos da sua Religião, e o que constantemente sempre afirmou que tudo o que havia nas Aldeias era daquele Comum, agora porém que houve de sair da dos Tapajós que hoje é Vila de Santarém, cometeu o sacrilégio insulto de ir às Imagens Sagradas, que estavam nos Altares, e tirar-lhe os resplendores de prata, para os trazer para o Colégio os quais lhes foram tomados na Fortaleza de Gurupá, cujo comandante nos remeteu aqui e eu os entreguei ao Bispo para os fazer restituir àquela nova Paróquia às mesmas Sagradas Imagens.
Também consta aqui, que repartiu algumas Imagens por índios seus conhecidos em cujas casas não podem ter veneração alguma, pela miséria e penúria em que vivem todos, sem haver uma casa desta gente, em que haja um lugar para aquelas Imagens terem algum gênero de culto.
Este miserável Religioso sem embargo de fazer estes distúrbios merece alguma compaixão, não só pelos seus anos, mas por se achar estoperado(sic), e cheio de misérias pelas quais se lhe fará a viagem sumamente penosa.
O 6º é o Padre Joaquim de Carvalho, Missionário que era da Aldeia de Santo Ignácio e hoje Vila Boim, que se resolveu a cometer a sacrílega temeridade, de não só roubar da Igreja de que uma Custódia, dois Cálices, e duas Patenas, mas passar ao excesso de os meter entre uns trapos em uma frasqueira velha, e indigna, a qual por ir entre uns móveis tão indignos como ela parar, por engano, à mão do Tesoureiro Geral dos Índios, a mandou lançar em um quintal, e dando-se-lhe dai a uns dias parte de que a tal frasqueira pesava mandou examinar o que tinha dentro e achando aqueles Sagrados vasos deu parte ao Provedor da Fazenda Real, e participando-me esta matéria aquele Ministro, o fiz logo saber ao Prelado desta Diocese pela carta de que remeto a Vossa Excelência a cópia debaixo do número 2º, e da resposta que tive do dito Prelado, mando igualmente a resposta no número 3º.
Esta Frasqueira não quis o Padre mandar na canoa daquela povoação, e a remeteu a Vila de Alter do Chão, ao Missionário que ainda se achava nela, entre cujos moveis apareceu, constando porém plenamente sem a menor duvida a Povoação de que vinha remetida, e de quem tinha cometido aquele excesso.
Todos estes Religiosos se desculpam dizendo que o seu Prelado lhes tinha passado ordens para assim obrarem; porém como isto é fato para eles particular, só constará nos claustros da sua Religião.
O Sétimo é o Padre João Daniel, que depois de em uma sexta-feira da quaresma tomar a liberdade na minha presença e na do Bispo de fazer uma Exclamação, dizendo, que Anaz e Caifaz (sic), faziam a sua vontade, e que os Apóstolos de Cristo estavam a dormir, seguindo esta ideia com expressões bem claras do fim a que se dirigiam, passou depois ao excesso de andar dizendo por esta Cidade, que não sabia como havia quem me absolvesse, chegando a tomar a liberdade de ir tomar uma satisfação ao meu confessor, dizendo lhe que não compreendia, o como ele me absolvia, quando eu estava fazendo violências públicas às Comunidades, a cuja ousadia lhe respondeu aquele Religioso com a modéstia e gravidade, que devia.
Estas práticas feitas a um Povo rústico, e na ocasião em que estava para se publicar a Lei das Liberdades a qual naturalmente se havia de fazer desagradável a estas miseráveis gentes, bem compreende Vossa Excelência as perniciosíssimas consequências que se podem seguir e que por isso era necessário evitá-las, e fazer sair daqui a este precipitado religioso.
O oitavo é o Padre Joaquim de Barros, que é um moço louco, arrebatado e sumamente atrevido, o qual depois de me vir insultar à minha casa descomedidamente publicando-se depois a Lei das Liberdades, e o breve do Sumo Pontífice, que igualmente as defendia, entrou a dizer que a excomunhão imposta pelo Sumo Pontífice não ligava naquele caso, e que ele tinha estudado bastantemente para dar a verdadeira inteligência àquela Bula, e que se guardassem eles da minha excomunhão, isto é, da violência que eu fazia, que da do Papa ele os defenderia, espalhando esta Doutrina no Povo e até tomando a Liberdade de entrar nas outras Comunidades para a estabelecer, e fazer em consequência desta forma, odiosa, não só a justíssima Lei de Sua Majestade, mas até a declaração do Sumo Pontífice.
A esta espécie de atrocidades, pertence a que deve participar a Vossa Excelência que cometeu o Padre Antonio Maysterbourg, o qual devendo sair da Aldeia dos abacaxis que hoje é Vila de Serpa, adiantou uma canoa carregada de cacau, e devendo visitar-se na Fortaleza do Gurupá, se acharam entre o mesmo cacau Imagens, que com o suadouro que tomaram naquele indigníssimo lugar, chegaram a esta Cidade tão indecentes, como a Vossa Excelência há de constar pela conta, que creio dará sobre estas matérias o Bispo desta Diocese, acrescendo, entre outros insultos, mais este Sacrilégio a este Religioso sobre os que foram presentes à Sua Majestade, e pelos quais o dito Senhor foi servido mandá-los sair dos seus domínios.
Sendo estes os Religiosos da Companhia, que por hora se assentou, que deverão sair deste Estado, e sendo também notórios os insultos dos de outras Comunidades, constará a Vossa Excelência do dito termo que pelo que respeitava à Província de Santo Antônio deverão sair os Religiosos que vou a participar a Excelência:
O Primeiro é o Padre Frei Vital de Santa Anna, o qual foi Guardião deste convento e agora era missionário da Aldeia de Orubucoara (sic), que hoje passou a ser Vila de Outeiro (hoje Prainha) e constando-lhe das novas ordens, que havia para se receberem os efeitos pela Provedoria da Fazenda Real, deu as suas providências em forma que toda a salsa que tinha mandado extrair do mato, a mandou repartir pelos que estavam nas vizinhanças desta Cidade, com ordens para que parte dela se desse ao seu Prelado, e a outra para se vendesse às escondidas do mesmo Prelado, e de mim para se empregar o seu produto em aguardentes, contravindo assim as positivas ordens que havia para aquela arrecadação.
Este religioso não tem talento algum, em muitas vezes gasta mais aguardente da terra, do que lhe era permitido ao seu Estado.
O segundo é o Padre Frei Antonio de São Joaquim, o qual era Missionário do Paru, que hoje é Vila de Almeyrim, que devendo sair da dita residência deixou aos Índios as torpíssimas, e abomináveis práticas, que a Vossa Excelência há de fazer presentes o Bispo, porque a ele lhe foram notórias estas noticias.
Este Padre é sumamente malicioso, tem grande reserva e é necessário muito cuidado com suas práticas, não lhe faltando também o ser precipitado.
Da Província da Piedade vão os quatro que vou a referir a Vossa Excelência.
O 1º é o Padre Frei Simão da Vila Viçosa, que sendo Missionário da Aldeia de Iamundás (sic), e hoje Vila de Faro, constou que tinha cometido a ímpia e bárbara resolução de concorrer com as suas práticas para que os Índios que novamente estavam descidos naquela Povoação tornassem a fugir para os Matos, inabilitando-os para conseguirem a salvação de suas almas pelo meio das saudáveis Águas do Batismo.
Este religioso não tem talento algum, tem porém a malícia que lhe sobeja para fazer contratos públicos, e outras desordens semelhantes.
O segundo é Frei Francisco de Lisboa, que devendo entrar um clérigo por Pároco na Vila de Porto de Mós, que até agora era Aldeia de Maturú em que ele estava por Missionário, fez na ocasião da posse que tomou o novo Pároco uns poucos de protestos indecorosos e irreverentes, contra as reais Leis de sua Majestade chegando ao extremo de pedir vista daquele ato, e rompendo em outras proposições igualmente escandalosas, e blasfemas.
Não me admiraram nenhum dos excessos em que rompeu este Padre quando lhe conheço perfeitamente o caráter, porque é um homem velho, criado com as prostituições em que aqui viveram sempre e acrescentando aquelas miseráveis ideias com o desacordo em que repetidíssimas vezes opõem o uso da aguardente vício predominante, e quase geral em todos os Religiosos desta Província, que se acham destas partes.
O 3º é Frei José de Borba, que achando-se Missionário na Aldeia do Cametá, e hoje lugar Azevedo, não só desviou as canoas, e mais algumas alfaias, que pertenciam àquela Povoação, mas chegou ao excesso de se meter com umas poucas de Índias no Mato a tirar castanhas de Andiroba para fazer azeite atacando o novo Diretor que eu tinha mandado para o mesmo Lugar, e fazendo outra quantidade de insultos totalmente opostos a religiosa vida que professa, mas mui conforme ao seu regular procedimento porque é um dos mais absolutos, e arrogantes Padres que passaram a este Estado.
O 4º é Frei Joaquim de Evora, que estava por Missionário na Aldeia de Gurupatuba, e hoje Vila de Monte Alegre, o qual desviou tudo o que pôde dos bens pertencentes àquela Igreja, e Povoação com um modo absoluto, e descomedido.
Este Religioso também não tem talento algum, e nas imaginações convém inteiramente com os seus Companheiros.
Da Província da Conceição se assentou, que fosse o Padre Frei Mathias de Santo Antonio, Mestre atual, que era no Convento do Maranhão, porque contou que ele a principal causa do seu Padre Guardião fazer os irreverentes e indecorosos protestos de que a Vossa Excelência dei conta pelo Hyate para com elas embaraçar daquela parte a execução da Lei do Governo Temporal das Aldeias.
Agora me consta, que depois que viu extraminado(sic) o seu Padre Guardião, e o Reitor do Colégio daquela Cidade, tem querido virar a vila para se meter com o Governador, e lhe tem dado bastantes noções da sedição que naquele tempo estava urdida, porém o seu gênio orgulhoso é tão conhecido que até os seus mesmos Religiosos me tem certificado que em toda a parte em que ele assistir, há de haver sem dúvida algumas desordens, e inquietações continuas.
Estes são os Religiosos que por ora vão para esse Reino à ordem de Sua Majestade, e se houvessem de ir todos os que tem entrado nestas infames e perniciosíssimas ideias, nem tinha cá Navios bastantes para os conduzirem, nem seriam muitos os que cá ficassem porque são raríssimos, os que não convém nelas, e os que cuidam em exercitar o seu sagrado instituto e satisfazerem a obrigação de Religiosos como devem. Deus Guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Pará, 22 de outubro de 1757. 

Francisco Xavier de Mendonça Furtado”.

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