sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Sobre a navegação a vapor dos rios Tapajós e Jamundá – 1870


A lei n. 613 de 21 de outubro de 1869 determinou nos artigos 35 e 36 que, á contar do 1º de janeiro de 1871 em diante, ficasse rescindido o contracto, firmado com a companhia do Amazonas, em 8 de abril de 1867, para a navegação a vapôr entre Belem e Obidos, e que a presidencia contratasse duas linhas distinctas, comprehendendo a primeira aquella mesma navegação com a addição de Alemquer no numero de suas escalas; e a segunda a de Santarem ao districto de Faro, no rio Jamundá, e Itaituba no baixo Tapajós.

A' notoria utilidade d'esta lei devia corresponder urna execução prompta, para que seus effeitos fossem beneficos. Pensando, pois, com bem fundada rasão que ninguem trataria de encorporar uma nova companhia para as duas linhas de navegação, e que, mesmo quando para isso alguma probabilidade houvesse, á nova empresa, pelas difficuldades ou impossibilidade de constituir-se, não só traria uma delonga superflua e prejudicial á execução da lei, mas tambem de tal meio certamente senão devia esperar maiores vantagens do que contractando-se desde logo o serviço com qualquer das companhias existentes, resolveu o meu illustre amigo dr. João Alfredo ouvir aos agentes d'estas, e em vista das suas propostas “reconhecendo que a proposta, da companhia do Amazonas era mais vantajosa” ridigio e lançou as bases do contracto com ella.
Não lhe tendo porem sobrado tempo para fechal-o, m’o apresentou. Estudando de novo as bases e as propostas, cheguei ás mesmas conclusões do meu digno antecessor, e, em consequencia, firmei o contracto com aquella, companhia.
Este acto foi dictado ao mesmo tempo pelo espirito de economia e por um sentimento de justiça, como passo á mostra.
A companhia do Amazonas “ex-vi” do seu contracto de navegação entre Belem e Obidos estava no goso legal da subvenção de sessenta contos, á que tinha direito até 31 de dezembro d'este anno.
Pelo novo contracto ella resignou esse direito sojeitando-se não só á fazer a mesma navegação com o accrescimo da escalla d'Alemquer, mas tambem á estabelecer mais duas linhas, uma de Santarem á Faro e outra de Santarem á Itaituba, só com a subvenção de sessenta contos.
Este facto por si só dá testemunho incontestavel da economia que resulta do contracto.
Não deixarei, porem, de citar outro que, embora de menor importancia, não demonstra menos o cuidado com que procedí: refiro-me á cessão temporaria do vapôr “Pará”.
Um dos vapores da companhia fazia frequentes viagens extraordinarias na sua linha principal de navegação (Belem á Manáos) com o fim de attender ás necessidades do commercio d'esta Provincia e da do Amazonas, e isso sem nem uma retribuição, ou auxilio dos cofres publicos.
Ora, parecendo muito provavel que no correr do anno taes viagens fossem ainda mais frequentes como effectivamente veio á acontecer, pois que em cada um dos ultimos cinco mezes tem sempre havido tres em vez de duas, resolví ceder á companhia o vapor “Pará” por um praso rasoavel, afim de facilitar a prompta inauguração das duas novas linhas de navegação.
Com esta cessão temporaria, incluida no contracto achei, mais um meio de fazer algumas economias nas despezas da Provincia com a vantagem de facilitar, como já disse realisação da navegação do Jamundá e do Tapajós, cujos resultados fecundos forão previstos pela illustrada Assembléa Provincial na disposição legislativa já citada.
Para demonstrar a economia rcsoltante do acto da cessão, basta dizer que o vapôr “Pará” que d'esde muito tempo não é senão uma propriedade inutilmente despendiosa e pesada á Provincia, estava, antes de ser entregue á companhia, em circumstancias taes que não podia prestar serviços, sem receber novos tubos na caldeira, concerto radical nas machinas e outros reparos de menor importancia, notando-se que os tubos já tinhão sido encommendados pelo ex-inspector do arsenal de marinha Cunha Moreira, tendo a companhia ficado com elles e pago sua importancia no valor de 2:700$000 réis.
Estas diversas obras ultimamente executadas nas oficinas á custa da companhia, importaram segundo consta-me em cerca de nove contos, despeza que a Provincia deixou de fazer, e que provavelmente teria de pagar pelo duplo, visto como é quasi um axioma que para o governo é tudo mais caro, do que para os particulares.
Como, segundo as clausulas do contracto, deve a companhia no fim do praso estipulado restituir o vapôr em estado perfeito e prompto para navegar, é claro que a Provincia rehavendo-o, além de se ter exonerada d'aquella despeza avultada, terá tambem economisado a que teria necessariamente de fazer com o costeio do vapôr, soldos, commedorias e pequenos reparos, sempre exigidos para sua conservação, o que tudo attinge á cerca de 1:790$633 por mez, ou de 64:462$788 nos tres annos do praso da cessão.
O contracto, pois, não podia ser mais vantajoso para os cofres publicos, e creio poder assegurar que é o mais econômico que se tem celebrado n’esta, Provincia.
A preferencia dada á companhia do Amazonas nesse contracto, foi tambem acto de justiça.
É ella a unica que tem sempre, pelo menos um vapor disponivel para acudir á qualquer eventualidade. É ella que dispõe de melhor material e pessoal sufficiente, para a navegação.
Ella offerece todas as garantias de prompta e fiel execução dos contractos, como attestão os seus precedentes de 18 annos. Com seu material ela tem auxiliado com presteza e lealdade á administração as vezes que isso lhe é exigido. Estes predicados, os seus precedentes e os bons serviços que tem prestado á industria e ao commercio n'esta região, davão-lhe o direito de ser preferida em igualdade de circunstancias.
O contracto entrou já em plena execução.
No dia 1.° d'este mez foi inaugurado o serviço da linha de ltaituba, e no dia 15 deve começar o da linha de Fáro.
Graças, pois, á sabedoria da lei que teve prompta e fiel execução, o magnifico rio Tapajós, com o auxilio do vapor em seu curso inferior, póde hoje desenvolver os grandes recursos de riqueza natural que abundão em suas margens, e o Jamundá pela primeira vez vê as suas aguas sulcadas por um vapôr que d'ora em diante tornará mais uteis as suas vastas campinas, levando á esse isolado extremo occidental da provincia o commercio e com elle o desenvolvimento da industria e da civilisação.
O contracto ficou dependendo de vossa approvação.

NOTA: Texto extraído do Relatório do Presidente da Província do Pará, Abel Graça, em 15 de agosto de 1870.

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