domingo, 24 de maio de 2020

Arbitrariedades na Fordlândia em 1930


Mais uma vez temos sido procurados por pessoas vindas de Boa Vista, que nos vem relatar fatos ali ocorridos, os quais, uma vez apurados e provados, reclamam uma séria intervenção dos poderes competentes do Estado. Pondo de quarentene, todavia, as informações que nos são trazidas pelo fato de não querermos ser veículo de falsas notícias, temos nos obstado a registrá-las, mesmo porque, sem prova bastante, ninguém há que, sem boa intenção ouse fazê-lo.
Acontecendo, porém, encrudescerem as queixas e reclamações das sedizentes vítimas das arbitrariedades boa-vistenses, não achamos justo deixar de registrá-las agora, o que fazemos com a necessária reserva.

Estiveram em nossa redação os senhores Odet Souza Penha e Luiz Caetano da Silva, chegados de Boa Vista no vapor “Zé Antunes”, à 08 de maio do corrente, dos quais ouvimos sérias recriminações contra Raul Sosinho, chefe da fiscalização da Companhia Ford Industrial do Brasil, que se arroga ou é arrogado autoridade policial de ameaçar, prender e espancar os trabalhadores da Fordlândia por qualquer dá-cá-aquela palha, estendendo sua “jurisdição”, muitas vezes, até o lugar Cassipá, que não está compreendido nas terras concedidas à referida empresa yankee.
O sr. Luiz Caetano da Silva, segundo nos declarou, foi vítima do roubo na importância de 1:100$000, sendo-lhe arrombada a gaveta da bancada em que trabalhava onde depositara a aludida importância. Como reclamasse e pedisse providências, foi preso pelo “delegado” Sosinho, que, de lápis em punho, armou a farsa de um inquérito... contra o queixoso, não permitindo sequer que este se apresentasse ao gerente da Companhia para pedir-lhe sua interferência.
O outro, sr. Odet Penha, pelo fato de ser “criminoso”, não foi admitido a trabalhar em Boa Vista e como pedissem provas da acusação que lhe davam, foi ameaçado e intimado a retirar-se do “território” pelo “prefeito” Sosinho. Não satisfeito com isso a arbitrária autoridade prendeu-lhe a amasia, que residia em Cassipá, e, com outros comparsas, meteu-a em uma lancha e depois de regulares libações tratou de conquista-la... Odet, revoltado com o baixo proceder de Sosinho, recriminou-lhe a feia ação, sendo preso e encarcerado durante três dias, a pão e água.
Foram estas as informações que nos foram dadas pelas sedizentes vítimas dos desmandos de Sosinho, que não é autoridade constituída e não tem, portanto, atribuições para prender, abrir inquérito, etc.
Cumpre sejam averiguados esses fatos e, uma vez provados, punidos os responsáveis, a fim de que não se reproduzam em um país civilizado onde há leis e justiça, cenas que degradam.

NOTA: Texto extraído do jornal “A Cidade” de 10 de maio de 1930.

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