Durante a
viagem, descer à terra para visitar um “trapiche” é o mesmo que, de minuto a
minuto, parar um automóvel à porta dos botequins que se sucedem em uma estrada
de rodagem.
O “trapiche” é o
mesmo que o botequim ou “venda”, situado à beira das estradas de rodagem pouco
habitadas. Localizados às margens dos rios, a estrada de penetração do interior
amazônico, os “trapiches” vendem tudo, desde a pequena xícara de café ou cálice
de “jararaca”, até as roupas e grandes partidas de borracha, madeira,
castanhas, etc., fazendo grandes e pequenos negócios.
Não mais
interessa, portanto, a visita aos “trapiches”. O “vaticano” para, demora duas
ou três horas recebendo lenha e, o viajante procura o lado da sombra, onde arma
a sua rede ou a cadeira de viagem e se entrega ao sono ou a leituras
agradáveis, depois de ter o cuidado necessário para evitar os “piuns” e “carapanãs”.
É noite. Ao
longe veem-se algumas luzes.
Aproximamo-nos de
alguma cidade. Informaram ser Santarém, o ponto intermediário entre a
Fordlândia e Belém. Chamam-nos a atenção para um fenômeno que se nos apresenta
como novo. É a diferença entre as águas do pujante Amazonas e as de seu
afluente Tapajós, que ali se reúnem. Enquanto que a daquele se apresenta
amarela e barrenta, levando em sua torrente as terras que desagrega, a do
Tapajós é clara, de um verde semelhante ao do mar. No ponto de junção vê-se
perfeitamente a diferença. Uma linha sinuosa separa as cores das águas dos dois
rios que, pouco a pouco, se misturam, dominando a do Amazonas.
Santarém é uma
cidade que, após um período estacionário, a sua vida comercial cada vez se
torna maior. Quem deixa Belém rumo ao Acre, vê, como novos, na cidade de
Santarém, os sinais de civilização que já tinham quase desaparecidos da
memória, devido a, até então, só se encontrar pequenas povoações de meios de
vida rudimentar. Nota-se que ali a vida é intensa e o seu desenvolvimento cada
vez mais se acentua devido a atuação de fatores diversos.
Apesar do navio não
atracar, pois ficou ao largo, verifica-se a invasão de homens e mulheres
conduzindo cestos e sacos. Pelos diversos pontos do navio eles se espalham e
negociam. São cuias de coités, trabalhadas primorosamente a canivete, vidros de
cheiro, licor de cacau, cestas de vime, doces, bonecos de guaraná e outras
miudezas com que o viajante se distrai, gasta o dinheiro e enche as malas. São recordações
de viagem que, muitas das vezes, nenhum valor nem utilidade tem.
Demoramos pouco.
O navio prossegue e, horas depois chega a Óbidos, onde, segundo dizem, ainda é
verificável a influência das marés. Nesse ponto o Amazonas se apresenta mais
estreito e sem nenhum “paraná” que facilite o desvio da massa líquida. De longe
se distingue o forte, antiga construção que remonta a muitos anos. As suas
novas baterias não são vistas a olho nu: estão encobertas pela vegetação e se
encontram a cavaleiro, dominando toda a região.
Óbidos é uma
cidade pequena, porém bonita. Situada em uma elevação, ela se apresenta como um
presépio, bem cuidado e de agradável aspecto. Logo de entrada vê-se o Mercado
e, percorrendo as suas ruas têm-se boa impressão. Ela se assemelha a algumas de
nossas cidades litorâneas. Em modestos, mas bons edifícios, funcionam o
Telégrafo, o Correio, as escolas, o posto de saúde, o quartel, etc.
Deixando Óbidos,
navegamos em demanda das lindes paraenses. Entramos no “paraná” Dona Rosa,
estreitíssimo, porém, bastante profundo. Em um dos muitos “trapiches”
existentes neste “paraná” o “vaticano” atracou para receber gado...
NOTA: Escrito
por um viajante, em 1937, que assina apenas por P. Matos.
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