sábado, 2 de dezembro de 2017

Uma descrição de viagem por Santarém e Óbidos – 1937

Durante a viagem, descer à terra para visitar um “trapiche” é o mesmo que, de minuto a minuto, parar um automóvel à porta dos botequins que se sucedem em uma estrada de rodagem.
O “trapiche” é o mesmo que o botequim ou “venda”, situado à beira das estradas de rodagem pouco habitadas. Localizados às margens dos rios, a estrada de penetração do interior amazônico, os “trapiches” vendem tudo, desde a pequena xícara de café ou cálice de “jararaca”, até as roupas e grandes partidas de borracha, madeira, castanhas, etc., fazendo grandes e pequenos negócios.

Não mais interessa, portanto, a visita aos “trapiches”. O “vaticano” para, demora duas ou três horas recebendo lenha e, o viajante procura o lado da sombra, onde arma a sua rede ou a cadeira de viagem e se entrega ao sono ou a leituras agradáveis, depois de ter o cuidado necessário para evitar os “piuns” e “carapanãs”.
É noite. Ao longe veem-se algumas luzes.
Aproximamo-nos de alguma cidade. Informaram ser Santarém, o ponto intermediário entre a Fordlândia e Belém. Chamam-nos a atenção para um fenômeno que se nos apresenta como novo. É a diferença entre as águas do pujante Amazonas e as de seu afluente Tapajós, que ali se reúnem. Enquanto que a daquele se apresenta amarela e barrenta, levando em sua torrente as terras que desagrega, a do Tapajós é clara, de um verde semelhante ao do mar. No ponto de junção vê-se perfeitamente a diferença. Uma linha sinuosa separa as cores das águas dos dois rios que, pouco a pouco, se misturam, dominando a do Amazonas.
Santarém é uma cidade que, após um período estacionário, a sua vida comercial cada vez se torna maior. Quem deixa Belém rumo ao Acre, vê, como novos, na cidade de Santarém, os sinais de civilização que já tinham quase desaparecidos da memória, devido a, até então, só se encontrar pequenas povoações de meios de vida rudimentar. Nota-se que ali a vida é intensa e o seu desenvolvimento cada vez mais se acentua devido a atuação de fatores diversos.
Apesar do navio não atracar, pois ficou ao largo, verifica-se a invasão de homens e mulheres conduzindo cestos e sacos. Pelos diversos pontos do navio eles se espalham e negociam. São cuias de coités, trabalhadas primorosamente a canivete, vidros de cheiro, licor de cacau, cestas de vime, doces, bonecos de guaraná e outras miudezas com que o viajante se distrai, gasta o dinheiro e enche as malas. São recordações de viagem que, muitas das vezes, nenhum valor nem utilidade tem.
Demoramos pouco. O navio prossegue e, horas depois chega a Óbidos, onde, segundo dizem, ainda é verificável a influência das marés. Nesse ponto o Amazonas se apresenta mais estreito e sem nenhum “paraná” que facilite o desvio da massa líquida. De longe se distingue o forte, antiga construção que remonta a muitos anos. As suas novas baterias não são vistas a olho nu: estão encobertas pela vegetação e se encontram a cavaleiro, dominando toda a região.
Óbidos é uma cidade pequena, porém bonita. Situada em uma elevação, ela se apresenta como um presépio, bem cuidado e de agradável aspecto. Logo de entrada vê-se o Mercado e, percorrendo as suas ruas têm-se boa impressão. Ela se assemelha a algumas de nossas cidades litorâneas. Em modestos, mas bons edifícios, funcionam o Telégrafo, o Correio, as escolas, o posto de saúde, o quartel, etc.
Deixando Óbidos, navegamos em demanda das lindes paraenses. Entramos no “paraná” Dona Rosa, estreitíssimo, porém, bastante profundo. Em um dos muitos “trapiches” existentes neste “paraná” o “vaticano” atracou para receber gado...


NOTA: Escrito por um viajante, em 1937, que assina apenas por P. Matos.

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