terça-feira, 1 de outubro de 2019

Um retrato da situação de Óbidos em 1918...



Abaixo transcrevemos uma carta do Intendente Municipal de Óbidos, Graciliano Negreiros, que informa a situação do município por ocasião da grande enchente de 1918, que por muitas pessoas foi comparada à grande enchente de 1859. A situação mostra o quanto a situação das enchentes de um século atrás persiste ainda nos dias de hoje, mostrando, muitas vezes, a incapacidade política dos gestores em se adaptar ao ciclo de vida do meio amazônico. Eis a carta: 

Intendencia Municipal de Óbidos, em 24 de maio de 1918. – Exmo. Sr. Dr. Lauro Sodré. – É espantosa a atual enchente do rio Amazonas; excedeu à de 1909 e, segundo velhos moradores desta região, igualou-se à de 1859, a maior até então conhecida.
Em cumprimento às ordens de v. exa., passo a detalhar os seus efeitos:
Infelizmente começou a devastação no gado que, diariamente, morre às dezenas.
A pequena agricultura tão vasta e abundante das margens dos rios está morta; a produção do cacau deste ano, agora em meio, está prejudicadíssima. A miséria e a fome estão entrando nos pequenos lares; a Natureza tão inclemente com a Amazônia, está expulsando de suas próprias chupanas os pequenos criadores e lavradores que lutam com dificuldades para adquirirem farinha e sal para comerem os peixes que entram pelas próprias casas e em abundância. Óbidos já está sofrendo as consequências desta calamidade na sua receita – porque, este ano, apenas saíram com destino a Manaus, da zona compreendida pelo Sapucá, Maria-pixy, Currais, etc., 406 reses, quando nos anos anteriores, em igual época, saíam cerca de 1.500, tendo saído o ano passado 1.432, motivando, também esse decréscimo o deposito feito para a engorda; pelos marchantes daquela capital, nos campos situados na zona conhecida por – Contestado, município de Faro, de grande quantidade de bois do Rio Branco, do Estado do Amazonas.
Há neste município, de acordo com uma estatística por mim organizada, 678 criadores e fazendeiros e 22.300 reses, podendo portanto já se avaliar o prejuízo nesta parte da riqueza municipal, que será de 80% se as águas ao baixarem o fizerem demoradamente.
Quanto ao cacau, é opinião geral que será grandemente prejudicada a futura safra, considerando-se já totalmente perdida o resto da do corrente ano.
Os castanhais, não sofrendo o prejuízo das enchentes não deixam de sentir muito com a abundancia das chuvas.
A zona puramente agrícola do Rio Branco tem sido prejudicada pelas enormes enxurradas.
Tenho procurado socorrer, dentro das pequenas posses municipais, a pobreza combalida pela miséria inesperada.
Há falta absoluta de braços, todos estão empregados numa luta insana contra a natureza, construindo marombas e cortando capim a muitas léguas de distância para ver se conseguem salvar uma pequena parte do seu gado. Os fazendeiros que possuem campos em terra firme lutam também com a falta de capim e a peste.
Foi motivada pela falta de braços que telegrafei a v. exa. solicitando a fineza de conseguir do exmo. Sr. Ministro da Guerra licença de trinta dias para os sorteados que desejarem tratar do seu gado, pois, muitos deles são criadores e estão vendo desaparecer o único meio de vida que possuem.
O atual comandante do 1º Grupo de Artilharia e o anterior, tem sido de uma bondade extrema para com os que lhes solicitam licenças, mas, como dentro do atual regulamento militar, em se tratando de recrutas, essas licenças não existem, senão particularmente e por 4 dias no máximo, é indispensável uma ordem do sr. Ministro.
Estando quase paralisada a construção da ponte do Curuçambá que muito pouco falta para ser concluída, paralisação esta motivada unicamente pelo desejo imenso que Óbidos tem de receber das mãos de v. exa. este melhoramento, e tendo sido sabedor por um telegrama passado ao exmo. Sr. coronel Cylleno, que v. exa. só poderia vir em julho próximo, retardei propositalmente estes trabalhos, afim de só serem concluídos na época desejada. Agora, precisando talvez localizar algumas das famílias mais prejudicadas pela atual cheia, nas regiões do Rio Branco, resolvi concluí-la o mais breve possível, por isso peço a v. exa. permissão para, terminada, entrega-la logo ao transito público.
Reafirmando os meus protestos de real estima e elevada consideração, saúdo a v. exa. – Graciliano Negreiros.

NOTA: Fonte documental utilizada – Mensagem do Governador Lauro Sodré apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Pará – 07 de setembro de 1918.

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