quarta-feira, 19 de setembro de 2018

O Sairé em algumas descrições do passado...



No meu livro “Alter do Chão e Sairé: Contribuição para a História”, coloquei diversas descrições sobre o Sairé ao longo de sua história na Amazônia. Depois da publicação do livro, em 2014 (em edição já esgotada), continuamos encontrando diversas descrições interessantes, que poderão ser colocadas em uma nova edição que estamos pensando em publicar.
Vamos, para ajudar a conhecer melhor essa festa que já foi presença constante na Amazônia e, hoje, é realizado na Vila de Alter do Chão. Eis duas de várias descrições que saem, agora, do passado para serem estudas no presente. Uma observação necessária, ambas as descrições abaixo o termo é grafado com “S”, por nós respeitada.

Vejamos o Sairé na cidade de Manaus, na antiga Província do Amazonas, em um relato de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha:

Nos bailes de estrondo de gente grande da velharia de tua adorável Manaus, antes de 1857, a orquestra era essa mesma, tendo a mais uma clarineta e um fagote ou trombone, que depois veio a música dos Educandos eliminar por não ser séria para as coisas sérias.
O poder dessa banda de música marcial de Educandos não atingiu o perímetro suburbano da velha Vila da Barra (1), onde só a viola e a rabeca davam leis aos seus pagodes, precedidos de uma ladainha cantada em latim estropiado, tendo no intervalo das polkas de pés batidos, valsas de pés arrastados, carangueiro cantado em português e dançado em círculo, a bater o chão com os pés e as mãos umas contra outras; camaleão, cantado em nheengatu e lundu, o indispensável SAIRÉ com seu cântico monótono em nheengatu entoado por três carcaças velhas e esquisita dança (2) organizada por seu séquito de homens e mulheres.
Enquanto isso se passava com gravidade fidalga dentro de casa, fora, no terreiro, dominava a república em pleno GAMBÁ (3) e BATUQUE com todos os requebros e posturas mais provocantes que imaginar se pode, que só o maxixe, quando muito, poderá imitar.

Outra descrição, feita sobre o Sairé, na antiga Província do Maranhão, em 31 de maio de 1880, por um autor não identificado e publicado no jornal O Paiz, edição 130.

Terminaram as festas populares do Divino Espírito Santo e de Santa Vitória. Estas festas, ainda aqui, se fazem conforme a antiga usança, segundo a qual coroa-se na Igreja, quinta-feira da Ascenção, a imperatriz (4), que é acompanhada de grande séquito, no qual destacam-se da sra. da sua cauda, o seu pajem, aias, etc.; estas levam salvas de prata contendo flores, das quais enchem as mãos para lhe derramarem nos vestidos, fazendo cada uma delas, e o pajem, três mesurinhas, formalidades essas que se repetem também debaixo do mastro, e em casa, antes dela tomar o seu trono, tudo isto a toque de caixa.
Na casa é que a coisa é engraçada: um tamborete e uma bandeirinha cor de rosa, seguem tudo que diz respeito à festa; e na véspera e dia, todo o povaréu acompanha um ARCO (5), a que chamam – Arco de Santa Vitória – o qual é de varas, coberto de paninhos da cor da bandeirinha, enfeitado toscamente com frutas, espelhos, bentinhos, e outras bugigangas; conduzido por três pândegos que cantam pelas ruas:

Santa Vitória Puram, Puram,
São Francisco Xavier,
Ai Jesus... Ai Jesus...
Ai Jesus... O nosso Juiz.

E de espaço em espaço fazem um “virou-virou”, que embrulham todas as devotas que vão segurando as compridas fitas, que se acham amarradas em tal ARCO, até na casa do juiz da festa, onde, entrando, vão cantando a mesma história, ao som do tamborete, e acabam por dançar o SAIRÉ (6). Terminam as festas sempre com batuque, danças, jantares e ceiatas, de que ordinariamente resultam coisas desagradáveis (7). Porém, ente ano, reinou a boa ordem constantemente em tudo a que nós assistimos.

NOTAS:
(1) Nome antigo do que hoje é a cidade de Manaus.
(2) Aqui, o Sairé ainda é visto como “canto” e “dança”, na língua geral amazônica (nheengatu).
(3) Gambá é também uma dança que existe hoje na vila de Pinhel, no rio Tapajós.
(4) No rio Tapajós, na comunidade de Parauá, ainda existe hoje, por ocasião da festa do Divino Espírito Santo, a coroação do imperador (ou imperatriz) da festa. Antigamente o Sairé acompanhava essas festividades pelo interior da Amazônia também.
(5) O arco é dedicado a uma santa, aqui, no caso, Nossa Senhora da Vitória, fortalecendo-se a ideia de sua origem na catequese católica.
(6) No interior do Maranhão, assim como em várias comunidades da Amazônia, o Sairé ainda era, naquele ano, uma dança das Festividades Católicas.
(7) O principal motivo da proibição do Sairé pelos padres, no século XX, foi o que já se registrava nas crônicas, os excessos causados, principalmente, pelo consumo de bebidas alcóolicas.
FOTO: A Sairaipora e o Sairé, em Alter do Chão, no início da década de 1980. Acervo ICBS.  

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