No meu livro
“Alter do Chão e Sairé: Contribuição para a História”, coloquei diversas
descrições sobre o Sairé ao longo de sua história na Amazônia. Depois da
publicação do livro, em 2014 (em edição já esgotada), continuamos encontrando
diversas descrições interessantes, que poderão ser colocadas em uma nova edição
que estamos pensando em publicar.
Vamos, para
ajudar a conhecer melhor essa festa que já foi presença constante na Amazônia
e, hoje, é realizado na Vila de Alter do Chão. Eis duas de várias descrições
que saem, agora, do passado para serem estudas no presente. Uma observação
necessária, ambas as descrições abaixo o termo é grafado com “S”, por nós
respeitada.
Vejamos o Sairé
na cidade de Manaus, na antiga Província do Amazonas, em um relato de Bento de
Figueiredo Tenreiro Aranha:
Nos bailes de estrondo de gente grande
da velharia de tua adorável Manaus, antes de 1857, a orquestra era essa mesma,
tendo a mais uma clarineta e um fagote ou trombone, que depois veio a música
dos Educandos eliminar por não ser séria para as coisas sérias.
O poder dessa banda de música marcial de
Educandos não atingiu o perímetro suburbano da velha Vila da Barra (1), onde só
a viola e a rabeca davam leis aos seus pagodes, precedidos de uma ladainha cantada
em latim estropiado, tendo no intervalo das polkas de pés batidos, valsas de
pés arrastados, carangueiro cantado em português e dançado em círculo, a bater
o chão com os pés e as mãos umas contra outras; camaleão, cantado em nheengatu
e lundu, o indispensável SAIRÉ com seu cântico monótono em nheengatu entoado
por três carcaças velhas e esquisita dança (2) organizada por seu séquito de
homens e mulheres.
Enquanto isso se passava com gravidade
fidalga dentro de casa, fora, no terreiro, dominava a república em pleno GAMBÁ
(3) e BATUQUE com todos os requebros e posturas mais provocantes que imaginar
se pode, que só o maxixe, quando muito, poderá imitar.
Outra descrição,
feita sobre o Sairé, na antiga Província do Maranhão, em 31 de maio de 1880,
por um autor não identificado e publicado no jornal O Paiz, edição 130.
Terminaram as festas populares do Divino
Espírito Santo e de Santa Vitória. Estas festas, ainda aqui, se fazem conforme
a antiga usança, segundo a qual coroa-se na Igreja, quinta-feira da Ascenção, a
imperatriz (4), que é acompanhada de grande séquito, no qual destacam-se da
sra. da sua cauda, o seu pajem, aias, etc.; estas levam salvas de prata
contendo flores, das quais enchem as mãos para lhe derramarem nos vestidos,
fazendo cada uma delas, e o pajem, três mesurinhas, formalidades essas que se
repetem também debaixo do mastro, e em casa, antes dela tomar o seu trono, tudo
isto a toque de caixa.
Na casa é que a coisa é engraçada: um
tamborete e uma bandeirinha cor de rosa, seguem tudo que diz respeito à festa;
e na véspera e dia, todo o povaréu acompanha um ARCO (5), a que chamam – Arco
de Santa Vitória – o qual é de varas, coberto de paninhos da cor da bandeirinha,
enfeitado toscamente com frutas, espelhos, bentinhos, e outras bugigangas;
conduzido por três pândegos que cantam pelas ruas:
Santa
Vitória Puram, Puram,
São
Francisco Xavier,
Ai
Jesus... Ai Jesus...
Ai
Jesus... O nosso Juiz.
E de espaço em espaço fazem um
“virou-virou”, que embrulham todas as devotas que vão segurando as compridas
fitas, que se acham amarradas em tal ARCO, até na casa do juiz da festa, onde,
entrando, vão cantando a mesma história, ao som do tamborete, e acabam por
dançar o SAIRÉ (6). Terminam as festas sempre com batuque, danças, jantares e
ceiatas, de que ordinariamente resultam coisas desagradáveis (7). Porém, ente
ano, reinou a boa ordem constantemente em tudo a que nós assistimos.
NOTAS:
(1) Nome antigo
do que hoje é a cidade de Manaus.
(2) Aqui, o
Sairé ainda é visto como “canto” e “dança”, na língua geral amazônica
(nheengatu).
(3) Gambá é
também uma dança que existe hoje na vila de Pinhel, no rio Tapajós.
(4) No rio
Tapajós, na comunidade de Parauá, ainda existe hoje, por ocasião da festa do
Divino Espírito Santo, a coroação do imperador (ou imperatriz) da festa.
Antigamente o Sairé acompanhava essas festividades pelo interior da Amazônia
também.
(5) O arco é
dedicado a uma santa, aqui, no caso, Nossa Senhora da Vitória, fortalecendo-se
a ideia de sua origem na catequese católica.
(6) No interior
do Maranhão, assim como em várias comunidades da Amazônia, o Sairé ainda era,
naquele ano, uma dança das Festividades Católicas.
(7) O principal
motivo da proibição do Sairé pelos padres, no século XX, foi o que já se
registrava nas crônicas, os excessos causados, principalmente, pelo consumo de
bebidas alcóolicas.
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