Santarém e a
segunda cidade do Pará e a terceira da Amazônia. Situada na confluência dos
rios Tapajós e Amazonas, o que lhe permite ligação fluvial com Belém e Manaus,
é um porto exportador estratégico um entreposto comercial tão agitado que
conferiu à cidade o título de Capital do Baixo Amazonas, um título brilhante para
um povoado que nasceu em 1626. Quando ali chegou, cheio de ambição, o pioneiro
lusitano Pedro Teixeira.
Para os índios
tupaius, que os portugueses pronunciavam Tapajós, foi uma tragédia, tanto que,
hoje estão extintos. Altivos, orgulhosos, e insubmissos à escravidão, travaram
as pretensões dos colonizadores, que organizaram, para dizima-los, uma expedição
punitiva comandada por Bento Maciel Parente, filho do governador do Estado do
Pará e Maranhão.
As aldeias foram então arrasadas, e
assassinadas as mulheres e as crianças. O antropólogo Curt Nimuendaju escreveu
que os registros históricos sobre os Tapajós cessam em 1779, a partir de quando
essa nação podia ser considerada oficialmente extinta. Só então Santarém
cresceu, agora transformada num forte de resistência aos rebeldes da Cabanagem,
movimento nacionalista que pretendia combater a dominação dos "reinós",
homens que, apesar da Independência, eram ligados à antiga Corte.
UMA CIDADE SEM
VERDE
O município de
Santarém hem hoje 180 mil habitantes, dos quais 10 mil no Distrito de Belterra,
povoação criada em 1927 pela Ford, para o cultivo seringueiras. Mas, assim como
Fordlândia, criada com o mesmo objetivo, também as margens de Tapajós, Belterra
está semiabandonada, com suas seringueiras velhas roídas pelas pragas e
produzindo apenas três toneladas diárias de borracha, numa área de 285 mil
hectares. Belterra e Fordlândia pertencem ao Ministério da Agricultura, por
concessão da Ford do Brasil, que não quis levar o projeto adiante.
Santarém,
contudo, é uma cidade próspera, que vive do seu comércio e de atividades como
pesca, pecuária, fibras, castanha-do-pará, madeiras, arroz, calçados, malas,
móveis, pequenos estaleiros e olarias. A energia elétrica vem da hidrelétrica
de Curuá-Una, inaugurada recentemente, com uma capacidade inicial de 20.000 KW.
Seu porto fluvial, com equipamentos modernos, está no quilômetro zero da BR – 103,
a Cuiabá-Santarém, construída polo Exército à mesma época em que se abria a
Transamazônica.
Mas, assim como
em toda a Amazónia, o Incra tem encontrado dificuldades para legalizar as
terras na área do Projeto Fundiário de Santarém, devido à precariedade de
documentação pessoal, à má orientação dos órgãos de classe e à própria falta de
interesse — e informação — dos ocupantes. O Incra, que já distribuiu 4.030
licenças de ocupação, pretende distribuir no mínimo mais 2 mil este ano. De
acordo com o censo demográfico de 1970, a taxa de analfabetismo do município
era da 43.72 por cento, ou seja, afetava 48.423 pessoas, naquela época.
As condições
sanitárias de Santarém são precárias, faltam escolas para as crianças, das
quais mais de 70 por cento são desnutridas ou subnutridas. A mortalidade
infantil sobe ao espantoso índice de 50 crianças mortais para cada mil nascidas
com vida, supondo-se, entretanto, que seja até maior, pois é impossível o
registro nos povoados mais distantes, onde os mortos são enterrados no quintal.
Faltam médicos e — o que parece absurdo, na Amazónia — falta até área verde na
cidade. Santarém é um deserto estéril cercado pela selva e pelos rios, pois
cada habitante tem para si apenas 61 centímetros quadrados de verde, quando a
ONU recomenda um mínimo de 12 m2/habitante.
Entre os problemas de "alta
gravidade" de Santarém, segundo um diagnóstico realizado este ano pela
prefeitura, está o "impacto" do crescimento acelerado, devido a investimentos
de vulto, como a rodovia Cuiabá-Santarém e a hidrelétrica de Curuá-Una, o êxodo
rural e a ausência de empregos para todos os que demandam a área urbana. E ainda:
o elevado "índice de promiscuidade e delinquência" e a
"inibição" das camadas de baixa renda, que aspiram pouco da vida e,
por isso, nem sequer exigem mais do que lhes dão.
Santarém elegeu
seu último prefeito, Elias Pinto, em 1967. Esse prefeito foi deposto em 1969.
Após uma crise política violenta. Houve até mesmo uni tiroteio, com vítimas
fatais. A partir de então, os prefeitos têm sido nomeados pelo governador do
Estado. Santarém, agora, área de segurança nacional, assim como Altamira,
Marabá e Itaituba. Isso, entretanto não assusta o democrata brincalhão que é o
bispo da Prelazia de Santarém, dom Thiago Ryan, um irlandês norte-americano que
atua numa área de 340 mil quilómetros quadrados, por onde espalhou 600
comunidades eclesiais de base, com 3 mil catequistas.
Dom Thiago Ryan chegou a esta regalo quando
terminava a II Guerra Mundial. Vinha dos Estados Unidos, onde nasceu. Sua
nacionalidade, às vezes, causa-lhe problemas: da última vez em que se encontrou
com um coronel do 8º Batalhão de Engenharia e Construção, responsável pela
Cuiabá-Santarém, este lhe fez ver que os norte-americanos estariam espoliando o
Brasil. — Coronel — respondeu dom Thiago ao militar — o senhor era ainda um moleque de fraldas e eu
já estava aqui, nesta região, sou brasileiro.
Os problemas de
terra começaram em Santarém com a abertura das estradas. Antes — lembra dom
'Thiago Ryan- ninguém cobiçava a terra. Ficavam anos e anos nos seus terrenos
sem documentos. Mas de repente, começaram e chegar os famosos “donos”
(grileiros). A Igreja está insistindo: se não houver urna reforma agrária no
Brasil, eu não sei onde isso vai chegar.
Dom Thiago é,
também, o guardião-mor da Rádio Rural, da Prelazia, e seu mais candente orador.
O problema é que os estúdios da rádio ficam exatamente diante do escritório da
Polícia Federal, de forma que os agentes dessa repartição pública se dedicam a
constantes e nem sempre amáveis visitas à sala onde o bispo grava suas peças
oratórias
— Houve um tempo em que a Igreja bajulava os
governos. Esse tempo já era.
Dom Thiago é um
homem franco. Frequentemente visitado por políticos da Arena e do MDB, faz
questão de manter-se distante de todas as tendências. A bandeira da Igreja,
para ele não está a serviço das rasgadas bandeiras temporais.
– Imagine que,
vêm aqui, trazem fotógrafos, mostram-se projetos, discutem ideias, fazem-se
fotografar... depois apregoam por aí “dom Thiago abençoou tal projeto”, “dom
Thiago apoia o candidato do MDB” – Ah, esses políticos. A Igreja não apoia nem
Arena nem MDB, mas um governo justo e leal (finalizou o bispo).
NOTA: Publicado
Jornal do Baixo Amazonas de 07 de outubro de 1978.
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