quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Artigo: Aldeia, um bairro que se transforma em 1978


Por Eriberto Santos

O bairro da Aldeia, assim chama do por ter sido, no passado, local predileto de índios e caboclos que viviam da caça e da pesca, experimenta nos últimos tempos grandes mudanças e pouca coisa guarda das características de um passado não muito distante.

Os censos de 1970, divulgados pela Fundação IBGE, revelaram a existência de 5.880 residências, abrigando uma população masculina de 14.135 para um total de 15.326 do sexo feminino, perfazendo assim 29.461 habitantes do bairro. Já as últimas estimativas deste ano, apontaram 8449 residências para um total de 41.245 almas espalhadas pelos quarteirões das quase 55 ruas, avenidas, travessas e becos. Ressalta-se, entretanto, que o bairro aqui abordado é a Aldeia sentimental e não aquele que no início do ano foi divulgado pelo Programa de Ação Integrada do Município, que compreende o perímetro entre as travessas, Senador Lemos até a Assis de Vasconcelos e Avenida Mendonça Furtado até Avenida Tapajós. O bairro da Aldeia oficial é aquele que parte da Senador Lemos, aglutinando os bairros da Liberdade. Laguinho, Vera Paz, Caranazal, Esperança, Fátima e Aparecida num total de 4.525.500 m2.
Para o jovem Eduardo Augusto de Castro Serique, estudante, 18 anos, dos quais 10 vividos na Aldeia, o bairro é simplesmente "um barato", e ele acha que a quase inexistência de quadras para a prática de esportes, é compensada pelo Cais do Amor, que toma conta de toda a frente do bairro, proporcionando um ótimo local para o lazer e "paqueras", especialmente nos fins de semana, quando a juventude frequenta para um contato mais Íntimo com o Rio Tapajós.

Seu Pimenta
Gilmar Lima Cavalcante, também estudante, 19 anos, nascido no bairro, considera a Praça do Centenário em frente à Igreja de São Raimundo (foto) como o coração do bairro e ponto de convergência da população em geral daquela parte da cidade. Lamenta apenas que nos últimos tempos, com a aposentadoria do “seu João Pimenta'', decano dos zeladores dali a praça está muito suja e o viveiro com águas poluídas, já tendo inclusive havido morte dos jacarés que ali fazem seu "habitat”.


Muitos moradores lamentam as praias que foram sacrificadas em frente ao bairro, mas contentam-se em ter ganho um cais de saneamento, que carinhosamente é chamado por eles de Cais do Amor; um porto de grande porte que substituiu a Praia da Vera Paz que Atualmente é o escoadouro dos produtos vindos do Centro Oeste brasileiro pela rodovia Santarém-Cuiabá, tendo a obra atingido um custo total de dezessete bilhões de cruzeiros, verba essa advinda do Programa de Integração Nacional. Os moradores do bairro orgulham-se também de ali ter sido construído um hotel de categoria internacional, o Tropical, e o Fórum que o cérebro do Poder Judiciário da cidade.

“Viva o Barata!”
Roberto Magalhaes, hoje com 74 anos, casado, pai de 6 filhos, diz que a “Aldeia” evolui, mas que tem saudades dos bons tempos em que era farto e com poucos problemas. Diz ele que conheceu o bairro apenas com três ruas e que foi um dos primeiros a inventar o mutirão de limpeza e de abertura de novas artérias. Roberto Magalhães disse que tinha o prazer de reunir as pessoas que com ele trabalhavam no ramo de hortaliças e para a limpeza de ruas e veredas. Em 1945, resolveu abrir mais uma travessa e depois de capinar até a altura de onde hoje passa a Marechal Rondon, fez surgir a travessa 2 de Junho. Por causa disso foi chamada à presença, do então prefeito nomeado Idelfonso Almeida, tendo sido durante repreendido, pois Idelfonso achava que com isso Roberto Magalhães queria afronta-lo. Vale ressaltar que Roberto era um dos maiores admiradores de Magalhães Barata e seu amigo pessoal, tendo muitas vezes recebido visita em sua casa na rua Vinte e Quatro de Outubro, próximo de onde hoje funciona o Veterano, do governo Barata para um papo amigo e aquele cafezinho ou mesmo tarubá.
Entre as lembranças da Aldeia antiga vivida por Roberto Magalhães estão a do razaçazal e cajual às margens do rio Tapajós em que toda extensão do hoje cais do amor, e das pescarias no Laguinho, que hoje também foi engolido pelo processo. Essa arborização foi quase toda devastada em 1920 mais ou menos, por ordem do então secretário de obras Elísio Corrêa, lembra ele também que no final de 1912, o bairro invadido por uma arribação de tucanos, fazendo que os mais antigos pensassem em mau agouro. Entretanto, Roberto que finaliza afirmando que houve tanta fartura pratos preparados com a ave, que muitos enjoaram de come-las.
Outra que lembra com saudade a “Aldeia” é Maria Clotildes Dias, viúva de 83 anos. Dona Passarita, como é conhecida, disse que a vida social do bairro da Aldeia girava em torno do Teatro Vitória na década de 1930. Nesse tempo estava em pleno apogeu o grupo cênico “Manuel Guimarães” formado por Joaquim Toscano Vasconcelos, José Agostinho da Fonseca, David Serruya, Felisbelo Sussuarana, entre outros. Um Baile no “teatro” era motivo de confecção de roupas novas e grande expectativa. Dona Passarita revive as serenatas das noites enluaradas por entre as casas esparsas do bairro quase sempre lideradas por Felisbelo Sussuarana e José Agostinho. Naquele tempo também existiam serenatas em catraias, ela não esquece também das ladainhas na capela de São Raimundo, que no tempo era apenas um barracão de palha.

Estaleiro Campeão
Por muitos anos, a mão-de-obra do bairro foi empregada, em sua maioria, nos trabalhos do estaleiro naval pertencente a Raimundo Figueira que ficava na rua 24 de Outubro com a 7 de Setembro, hoje um prédio em ruínas. O estaleiro construiu muitas embarcações de grande porte, e em 1922 ganhou uma medalha de ouro como melhor estaleiro do Brasil, em concurso realizado no Rio de Janeiro, Raimundo Figueira, era um homem de grandes posses, tinha também uma caieira para beneficiar calcário na ponta da Vera Paz, hoje Cais do Porto. Ali também era consumida muita mão-de-obra.
Hoje, apesar do bairro não ter vocação industrial, possui 4 madeireiras, 1 indústria de látex centrifugado, 5 usinas de beneficiamento de arroz, 1 fábrica de redes, 4 torrefadoras de café, 1 moageira de sal, 1 centro de treinamento e tecnologia de madeireira, 1 moageira de açúcar, 1 de beneficiamento de milho e 3 panificadoras.

NOTA: Publicado Jornal do Baixo Amazonas de 17 de setembro de 1978 .


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