Por Sidney Augusto
Canto
O século XIX não
foi um século de muitas melhorias na saúde pública. Epidemias de doenças como a
varíola, cólera e febre amarela, malária, lepra, etc. continuavam assolando o
Grão-Pará, incluindo a cidade de Santarém.
A varíola,
também conhecida popularmente como bexiga, causada por um vírus, foi
responsável pela mortandade de grande número de pessoas na Amazônia. Diz Arthur
Vianna (foto abaixo) que no início da Cabanagem (1835), uma epidemia de varíola
grassou na Capital e no interior da Província deixando-a reduzida a uma
situação muito precária.
A varíola,
entretanto, foi a primeira doença epidêmica a ser combatida de modo mais eficaz
após a Cabanagem. Em 1840 a vacinação se tornou obrigatória. O governo da
Província consignou uma verba de 500$000 réis para disseminação da vacina. As
instruções para vacinação diziam:
Artigo 1º. A vacina terá lugar na casa da Câmara nos
dias e horas que a mesma designar.
Art. 2º. Os vacinados apresentar-se-ão no 8º dia, a
fim de se verificar o merecimento da vacina, e extrair-se o pus, para ter a
devida aplicação, sendo competentemente recolhido e conservado.
Art. 3º. As Câmaras ou os Facultativos vacinados
poderão fornecer algumas lâminas aos Facultativos ou entendedores do Município,
para estes vacinarem os indivíduos, que por algum motivo atendível não puderem
ir ao lugar designado. Isto mesmo poderão fazer os vacinadores, incluindo os
indivíduos assim vacinados nas relações competentes.
Art. 4º. Os vacinadores tomarão nota do nome, filiação,
sexo, idade, moradia e condição das pessoas que se apresentarem para ser
vacinadas e igualmente daquelas que faltarem ao oitavo dia.
Art. 5º. Os cirurgiões vacinadores remeterão
mensalmente às Câmaras Municipais um mapa das pessoas vacinadas durante o mês e
das que não compareceram, com as declarações do Artigo antecedente. Esse mapa
será por elas transmitido ao Governo.
Art. 6º. Iguais relações devem ser remetidas pelos
encarregados parciais aos cirurgiões vacinadores, a fim de que tenham o mesmo
destino.
Art. 7º. As Câmaras organizarão quanto antes (uma
vez que não tenham) uma Postura, na qual estabelecerão multas ou penas aos que
tendo ao seu cargo alguma criada ou pessoa não inoculada, a não mandarem à Casa
da Câmara para ser vacinada; aos que sendo inoculados, não comparecerem ao 8º
dia para verificação da vacina e extração do pus; aos encarregados que lhes não
remeterem as relações competentes; aos que incumbidos da vacina na forma do
art. 3º não remeterem aos cirurgiões vacinadores as relações do art. Sexto,
etc. etc.
Palácio do Governo do Pará, em 27 de junho de 1840.
João Antônio de Miranda.
Em 1841, a mesma
quantia de 500$000 réis foi destinada pelo Governo para a vacinação. Nos anos
seguintes (1842/43), a quantia aumentou para 1:000$000 (um conto de réis). O
governo chegou a determinar que os professores também ajudassem na vacinação
das pessoas das vilas e lugares da Província onde exercessem as suas funções. Apesar
disso, o médico Arthur Vianna verifica que faltou um trabalho assíduo e metódico que feito de forma
científica teria dado melhores resultados e poupados muitas vidas. No entender
do médico o povo paga em vidas a economia
mal entendida de algumas centenas de contos de réis que a organização e
montagem de um bom serviço de saúde pública evitaria.
Em 1855, a
grande epidemia agora não seria de um vírus, mas a de uma bactéria. O “colera morbus”.
Em Santarém a epidemia gerou grande consternação popular. O povo fazia novenas
e promessas a São Sebastião, rezar era o melhor remédio, no entender das
pessoas. A doença se devia, principalmente pela falta de higiene (não havia esgotos,
muito menos banheiros nas casas de então) e pelo consumo de água contaminada
(filtragem de água então era algo frequentemente ausente). A falta de
informação e a divulgação de falsas notícias (como por exemplo a de que o cólera
era transmitido pelo ar, levando o povo a “espantá-lo” com tiros de canhão),
não ajudavam muito.
A doença se
espalhou pela cidade. As pessoas se trancaram em casa. Muitas vezes, o padre
João Fernandes, cooperador da Paróquia de Santarém, passava com seu carro,
recolhendo os mortos para sepulta-los no novo Cemitério, que logo ficou cheio.
Um novo cemitério foi construído nas mediações do lugar onde hoje se encontra o
IBAMA, para sepultar as vítimas da peste reinante. Uma correspondência datada
de 02 de agosto de 1855, publicada no jornal “Treze de Maio” afirmava, sobre a
doença:
Em Óbidos já não haviam casos novos há oito dias,
mas fez cento e tantas vítimas; em Santarém cessara há treze dias e sucumbiram
300 pessoas; em Vila Franca ainda lavrava e já tinham morrido cerca de 100
pessoas; na Prainha só fez uma vítima e não penetrou em Monte Alegre que se
tornou incomunicável.
Diversos
tratamentos foram propostos para a cura da epidemia. O “suco de limão”,
utilizado pelos indígenas do “Lago Grande de Vila Franca” se mostrou um dos
mais eficazes. A própria ciência médica ainda não tinha consenso sobre os
cuidados e medicação que deveria ser aplicada. Chama atenção o processo para “desinfecção”
da casa onde morria algum colérico. A casa era varrida, aspergida com água cloretada,
as paredes eram pintadas “duas vezes” com cal, e as portas, pisos e janelas
eram lavadas com água e cal. Além disso, no quarto onde o doente havia morrido,
uma solução de muriato de soda, óxido de magnésio, água e ácido sulfúrico era
vaporizado por 12 horas para desinfetar o ambiente.
O governo
novamente teve que acudir o povo que, além da doença, padecia também com a
fome. A cólera isolou as pessoas em casa, muitas não trabalhavam mais a terra,
não pescavam, não cuidavam de seus gados. O medo também imperava entre o povo
que via morrer, a cada dia, pessoas próximas a si, fossem familiares ou amigos.
Da capital da província vieram caixas de medicamentos e também de comida para
atender ao povo que estava doente da cólera e da fome.
Os dados
oficiais, até 31 de outubro de 1855, mostravam o seguinte quadro:
Localidade
|
Atacados
|
Mortos
|
Almeirim
|
15
|
–
|
Alenquer
|
69
|
02
|
Monte Alegre
|
63
|
–
|
Prainha
|
14
|
02
|
Óbidos
|
419
|
122
|
Santarém
|
829
|
287
|
Alter do Chão
|
68
|
06
|
Vila Franca
|
157
|
33
|
Boim e Pinhel
|
15
|
06
|
Nem todas as
localidades, entretanto, foram fiéis em apresentarem seus mapas, o que podemos
afirmar, elevariam os números muito acima daqueles divulgados pelo Governo
nesta sua informação oficial. O mais importante a ver neste mapa é que Monte Alegre e Almeirim não registraram mortes. Em parte, isso se deve ao ISOLAMENTO e quarentena em que as autoridades aconselhavam para aquele momento de moléstia.
O mapa dos
socorros públicos, feita pelo governo, durante o período da epidemia da cólera,
para socorro dos pobres, que passavam fome, entregue à Câmara Municipal de
Santarém foi de 1:705$000 (um conto, setecentos e cinco mil réis). Para compra
de medicamentos os socorros do Governo foram de 666$500 réis. Novamente o
governo gastando muito mais com a remediação da epidemia, do que com a
prevenção dela, que poderia vir de uma educação voltada para a higiene, tratamento
do esgoto e filtragem ou fervura da água, além, é claro, de investimento em
pesquisa sobre prevenção, controle e cura de doenças.
(continua...)
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