terça-feira, 24 de março de 2020

Sobre Epidemias em Santarém (parte 02)


Por Sidney Augusto Canto

O século XIX não foi um século de muitas melhorias na saúde pública. Epidemias de doenças como a varíola, cólera e febre amarela, malária, lepra, etc. continuavam assolando o Grão-Pará, incluindo a cidade de Santarém.
A varíola, também conhecida popularmente como bexiga, causada por um vírus, foi responsável pela mortandade de grande número de pessoas na Amazônia. Diz Arthur Vianna (foto abaixo) que no início da Cabanagem (1835), uma epidemia de varíola grassou na Capital e no interior da Província deixando-a reduzida a uma situação muito precária.



A varíola, entretanto, foi a primeira doença epidêmica a ser combatida de modo mais eficaz após a Cabanagem. Em 1840 a vacinação se tornou obrigatória. O governo da Província consignou uma verba de 500$000 réis para disseminação da vacina. As instruções para vacinação diziam:

Artigo 1º. A vacina terá lugar na casa da Câmara nos dias e horas que a mesma designar.
Art. 2º. Os vacinados apresentar-se-ão no 8º dia, a fim de se verificar o merecimento da vacina, e extrair-se o pus, para ter a devida aplicação, sendo competentemente recolhido e conservado.
Art. 3º. As Câmaras ou os Facultativos vacinados poderão fornecer algumas lâminas aos Facultativos ou entendedores do Município, para estes vacinarem os indivíduos, que por algum motivo atendível não puderem ir ao lugar designado. Isto mesmo poderão fazer os vacinadores, incluindo os indivíduos assim vacinados nas relações competentes.
Art. 4º. Os vacinadores tomarão nota do nome, filiação, sexo, idade, moradia e condição das pessoas que se apresentarem para ser vacinadas e igualmente daquelas que faltarem ao oitavo dia.
Art. 5º. Os cirurgiões vacinadores remeterão mensalmente às Câmaras Municipais um mapa das pessoas vacinadas durante o mês e das que não compareceram, com as declarações do Artigo antecedente. Esse mapa será por elas transmitido ao Governo.
Art. 6º. Iguais relações devem ser remetidas pelos encarregados parciais aos cirurgiões vacinadores, a fim de que tenham o mesmo destino.
Art. 7º. As Câmaras organizarão quanto antes (uma vez que não tenham) uma Postura, na qual estabelecerão multas ou penas aos que tendo ao seu cargo alguma criada ou pessoa não inoculada, a não mandarem à Casa da Câmara para ser vacinada; aos que sendo inoculados, não comparecerem ao 8º dia para verificação da vacina e extração do pus; aos encarregados que lhes não remeterem as relações competentes; aos que incumbidos da vacina na forma do art. 3º não remeterem aos cirurgiões vacinadores as relações do art. Sexto, etc. etc.
Palácio do Governo do Pará, em 27 de junho de 1840. João Antônio de Miranda.

Em 1841, a mesma quantia de 500$000 réis foi destinada pelo Governo para a vacinação. Nos anos seguintes (1842/43), a quantia aumentou para 1:000$000 (um conto de réis). O governo chegou a determinar que os professores também ajudassem na vacinação das pessoas das vilas e lugares da Província onde exercessem as suas funções. Apesar disso, o médico Arthur Vianna verifica que faltou um trabalho assíduo e metódico que feito de forma científica teria dado melhores resultados e poupados muitas vidas. No entender do médico o povo paga em vidas a economia mal entendida de algumas centenas de contos de réis que a organização e montagem de um bom serviço de saúde pública evitaria.
Em 1855, a grande epidemia agora não seria de um vírus, mas a de uma bactéria. O “colera morbus”. Em Santarém a epidemia gerou grande consternação popular. O povo fazia novenas e promessas a São Sebastião, rezar era o melhor remédio, no entender das pessoas. A doença se devia, principalmente pela falta de higiene (não havia esgotos, muito menos banheiros nas casas de então) e pelo consumo de água contaminada (filtragem de água então era algo frequentemente ausente). A falta de informação e a divulgação de falsas notícias (como por exemplo a de que o cólera era transmitido pelo ar, levando o povo a “espantá-lo” com tiros de canhão), não ajudavam muito.
A doença se espalhou pela cidade. As pessoas se trancaram em casa. Muitas vezes, o padre João Fernandes, cooperador da Paróquia de Santarém, passava com seu carro, recolhendo os mortos para sepulta-los no novo Cemitério, que logo ficou cheio. Um novo cemitério foi construído nas mediações do lugar onde hoje se encontra o IBAMA, para sepultar as vítimas da peste reinante. Uma correspondência datada de 02 de agosto de 1855, publicada no jornal “Treze de Maio” afirmava, sobre a doença:

Em Óbidos já não haviam casos novos há oito dias, mas fez cento e tantas vítimas; em Santarém cessara há treze dias e sucumbiram 300 pessoas; em Vila Franca ainda lavrava e já tinham morrido cerca de 100 pessoas; na Prainha só fez uma vítima e não penetrou em Monte Alegre que se tornou incomunicável.

Diversos tratamentos foram propostos para a cura da epidemia. O “suco de limão”, utilizado pelos indígenas do “Lago Grande de Vila Franca” se mostrou um dos mais eficazes. A própria ciência médica ainda não tinha consenso sobre os cuidados e medicação que deveria ser aplicada. Chama atenção o processo para “desinfecção” da casa onde morria algum colérico. A casa era varrida, aspergida com água cloretada, as paredes eram pintadas “duas vezes” com cal, e as portas, pisos e janelas eram lavadas com água e cal. Além disso, no quarto onde o doente havia morrido, uma solução de muriato de soda, óxido de magnésio, água e ácido sulfúrico era vaporizado por 12 horas para desinfetar o ambiente.
O governo novamente teve que acudir o povo que, além da doença, padecia também com a fome. A cólera isolou as pessoas em casa, muitas não trabalhavam mais a terra, não pescavam, não cuidavam de seus gados. O medo também imperava entre o povo que via morrer, a cada dia, pessoas próximas a si, fossem familiares ou amigos. Da capital da província vieram caixas de medicamentos e também de comida para atender ao povo que estava doente da cólera e da fome.
Os dados oficiais, até 31 de outubro de 1855, mostravam o seguinte quadro:

Localidade
Atacados
Mortos
Almeirim
15
 
Alenquer
69
02
Monte Alegre
63
Prainha
14
02
Óbidos
419
122
Santarém
829
287
Alter do Chão
68
06
Vila Franca
157
33
Boim e Pinhel
15
06

Nem todas as localidades, entretanto, foram fiéis em apresentarem seus mapas, o que podemos afirmar, elevariam os números muito acima daqueles divulgados pelo Governo nesta sua informação oficial. O mais importante a ver neste mapa é que Monte Alegre e Almeirim não registraram mortes. Em parte, isso se deve ao ISOLAMENTO e quarentena em que as autoridades aconselhavam para aquele momento de moléstia.
O mapa dos socorros públicos, feita pelo governo, durante o período da epidemia da cólera, para socorro dos pobres, que passavam fome, entregue à Câmara Municipal de Santarém foi de 1:705$000 (um conto, setecentos e cinco mil réis). Para compra de medicamentos os socorros do Governo foram de 666$500 réis. Novamente o governo gastando muito mais com a remediação da epidemia, do que com a prevenção dela, que poderia vir de uma educação voltada para a higiene, tratamento do esgoto e filtragem ou fervura da água, além, é claro, de investimento em pesquisa sobre prevenção, controle e cura de doenças.

(continua...)


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