Por Sidney
Augusto Canto
Em 1850 uma
grande epidemia de febre amarela se manifestou em Belém. Sabedores das notícias
vindas da capital, o povo se voltou para a fé no santo padroeiro católico
contra as pestes: São Sebastião, bem como aos tiros dados pelos canhões. De
algum modo, talvez pela falta do vetor da doença (o mosquito Aedes Aegypti), a
doença não chegou à Santarém e a cidade se viu agradecida a São Sebastião, sem,
contudo, lhe construir a Capela prometida.
Depois de
terminada a epidemia de cólera, a febre amarela chegou entre os santarenos,
manifestando-se com frequência nos anos seguintes. Em 1860, entretanto, a
doença se manifestou de tal sorte que flagelou a muitas pessoas na cidade. Em
seu relatório de 15 de agosto de 1860, o presidente da Província, Angelo Thomaz
do Amaral, assim se manifesta sobre a epidemia:
A epidemia de febres de máo caracter reinante no
municipio de Santarem continua a flagelar os habitantes de Maicá e Urumanduba,
e tem-se propagado a outros lugares, e ultimamente até Alemquer. Tenho
autorisado os creditos necessarios para suprir a respectiva enfermaria
provisoria com medicamentos e dietas, e ultimamente recommendei ao dr. José
Virissimo de Mattos que remettesse á Alemquer os medicamentos necessarios, e
recebesse na enfermaria os doentes que dali viessem. Igual recommendação fiz á
camara municipal de Santarem, á qual se acha encarregado o suprimento e
manutenção da enfermaria; commissão que tem desempenhado por maneira digna de
elogio.
Maicá e
Urumanduba se apresentam como foco da doença, por conta de suas áreas
frequentemente alagadas, o que favorecia a proliferação do vetor (mosquito). A
ocupação dessas áreas, de forma cada vez mais crescente pelas pessoas, sem os
devidos cuidados, fez com que a disseminação da doença se tornasse mais
frequente. Prova disso é que, aliada à febre amarela, a cidade também vivia diversos
surtos epidêmicos de malária. Além disso, outros dois importantes fatos também
colaboraram com a disseminação de epidemias:
O primeiro deles
foi a introdução da navegação à vapor entre a capital da Província e as cidades
do interior, até Manaus. Uma viagem que demorava de 15 dias a um mês inteiro,
dependendo dos ventos, passou a ser realizada entre 4 e 5 dias. Isso ajudou a
disseminação de doenças pelo interior. O segundo, o início da exploração e
importação da borracha favoreceu a vinda de muitos migrantes que, ajudavam a
disseminar as doenças com maior facilidade.
O Estado pouco
fazia diante dos surtos no interior. Santarém não possuía nem um hospital e,
muito menos um médico para atender o povo. Somente em 1868 é criado o cargo de
Médico da Comarca de Santarém. Até então, a cidade era atendida por um médico
“em Comissão”. O primeiro médico da Comarca de Santarém foi o dr. Antônio
Joaquim Gonçalves do Amaral, que era genro do Barão de Santarém e futuramente
seria eleito Senador do Império do Brasil. Devido às divergências políticas
existentes na província (muitos liberais eram oposicionistas do médico, que era
membro do partido conservador), o cargo de médico da Comarca foi abolido menos
de dez anos depois de criado. A introdução de um médico na Comarca melhorou as
condições de saúde, conforme relata Ferreira Penna:
As condições sanitárias de Santarém são hoje
incontestavelmente melhores. Podem mesmos serem excelentes talvez, se os
habitantes se resolverem a ser mais cuidadosos neste interesse, e se o governo
mandar realizar a obra já estudada e orçada de encanamento da água do Irurá,
obra essencial para a saúde pública em Santarém.
Infelizmente
demorou UM SÉCULO para que o encanamento de água do Irurá fosse realizado, o
que, por si só já pode assegurar a falta de responsabilidade do governo para
com a saúde da população em nossa região. É bom salientar também que, esse
período de riquezas, que advinham da exploração da borracha, não representou
melhoria do quadro de saúde da população, conforme podemos constatar nas
palavras de Antônio José Souto Loureiro:
Além da especulação de preços nas bolsas, favorecendo
os investidores nas novas plantações da Ásia; dos impostos do Acre e das
divisas da Amazônia, aplicados no Sul, na construção de estradas de ferro e
portos, no saneamento do Rio e financiamento da imigração; e apesar do mercado
exportador estar na mão de um oligopólio e do irreparável desperdício gerado
pela improbidade administrativa de governos estaduais corruptos, o principal
fenômeno retardador do progresso regional, que não permitiu à região atingir
patamares similares aos de São Paulo, foi o produzido pela insalubridade, aqui
incluídas algumas doenças e a má qualidade de vida nos seringais, sorvendo
dezenas de milhares delas, substituídas anualmente por novas levas, com um
sistema econômico baseado em uma cadeia de exploração comercial, incapaz de
criar riqueza no local onde ela estava sendo gerada, pois que estabelecida sob
um sistema de enfeudamentos comerciais, em que os lucros reais eram realizados
nas bolsas de Nova Iorque e de Londres.
No ano de 1918,
após uma grande enchente que desestabilizou o comércio local, Santarém ainda
sofreria uma das mais cruéis epidemias depois das anteriormente relacionadas, a
da influenza (também chamada de gripe espanhola ou dançarina que, apesar do
nome, não tem origem na Espanha). O mal chegou por água. É possível que pelo
Vapor “São Luiz” ou pelo “Valparaiso”, que por aqui passaram logo após a
epidemia ter surgido em Belém. Vinham trazendo alguns doentes a bordo. E, como
no “São Luiz” fosse necessário trocar parte da tripulação que já estava
acometida da doença, a epidemia ficou e se espalhou pela cidade em fins da
segunda quinzena de outubro. A ausência de uma inspeção e de atitudes severas
de impor uma quarentena, fizeram a Gripe Espanhola desembarcar em Santarém.
O “beijo”
proibido pelo Influenza
Contudo, somente
no dia 01 de novembro, o Intendente municipal telegrafava ao Governador Lauro
Sodré, informando que a influenza havia irrompido em Santarém. Neste mesmo dia foi decidido que os navios do "Lloyd Brasileiro" não mais tocariam nos portos de Santarém e Óbidos, o que fez reduzir o impacto de novos doentes que pudessem descer e contaminar a população destas cidades. Em Santarém, raramente se
encontrava uma casa onde que ninguém ficou doente ou em que a epidemia não
houvesse ceifado uma ou mais vidas em terras tapajônicas. Novamente o povo se
volta para São Sebastião, o “Protetor da Peste”. Desta vez, o santo já possuía
sua capela, construída a partir de 1872, no bairro da Prainha. O jornal “O
Estado do Pará” de publicou, em primeira página, uma receita proposta cientificamente
para o controle da Gripe Espanhola (Influenza), que podemos ver reproduzida acima.
Do mesmo jornal podemos extrair uma propaganda, também interessante, que
ilustra o uso de remédio para a Malária à base de quinina, para ser utilizado
no combate à Gripe Espanhola (reproduzido abaixo).
Remédio da
Malária curando a Gripe Espanhola
A ausência de ações
preventivas e também de investimentos na área da saúde, pelo governo, acabou
por abalar não somente a vida saudável das pessoas, mas também a Economia. Na verdade,
no Pará, a Gripe Espanhola também veio acompanhada de uma crise econômica,
aumento de preços, fome das pessoas pobres, paralizações e até mesmo greves de
trabalhadores. Por outro lado, também foi marcada pela solidariedade humana.
Em Santarém,
essa solidariedade figurou na Igreja Católica, que procurava oferecer o
conforto espiritual e temporal. Foram realizados cerca de 350 sacramentos de
unção para enfermos. Oito Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição
(popularmente conhecidas como Irmãs do Santa Clara) fizeram 6.104 visitas e
distribuíram 7.036 medicamentos para socorrer aos pobres doentes naqueles dias.
O governo do Estado socorreu a cidade de Santarém com uma ambulância de
medicamentos.
Aliás, foi a
Igreja Católica, na pessoa de seu Bispo Prelado, Dom Amando Bahlmann, OFM, que
assumiu a responsabilidade de construir e inaugurar o primeiro HOSPITAL para a
cidade de Santarém, fato que só aconteceria no ano de 1930, e que muito ajudou
no combate às epidemias que, vez ou outra, continuavam a ameaçar a saúde e a vida
dos santarenos. Um hospital público viria a ser efetivado somente em fins de
1942, com a fundação do Hospital do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP.
Por fim, algumas
considerações para nossa reflexão: Epidemias são sempre frequentes na história
humana, também na nossa história regional e local. Quanto mais frequente é o
movimento comercial, tanto mais também frequente e fácil se torna a propagação
de epidemias virais ou bacterianas. No caso da epidemia de cólera, a cidade
vizinha de Monte Alegre nos ensina que o isolamento e quarentena impostos é a
melhor maneira de evitar contágio e, principalmente, mortes. Ter o cuidado
básico com a higiene, o tratamento de águas e esgotos, hospitais com capacidade
e capacitação técnica e, principalmente, investimento em ensino e pesquisa
evitam que as epidemias se propaguem com facilidade e evita mortes. Por fim,
epidemias matam ricos e pobres, contagiam trabalhadores e patrões, são
criadoras de crises sociais e econômicas. Podem acontecer a qualquer momento e
afetar o mundo inteiro. A solidariedade ainda é um caminho que ajuda não somente
na superação como no alívio para a dor e a fome dos que sofrem. São ensinamentos
da história para a nossa vida. Infelizmente, a história também mostra que essas
lições são muitas vezes ignoradas e esquecidas, principalmente pelos
governantes. A epidemia reinante, de “corona vírus”, vai nos deixar lições,
algumas, talvez, sejam as mesmas do passado que teimamos em ignorar. Que seja
hora de mudarmos diante daquilo que a História nos ensina.
Referências
Bettendorf, J.
F. (Padre). Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do
Maranhão. 2ª Edição. Belém: Fundação Cultural do
Pará Tancredo Neves; Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
Canto, S. A.
(Padre). Regional.doc: A história do Baixo
Amazonas e Tapajós registrada em documentos. Santarém: Editora e Artesanato
Gráfico Tiagão, 2014.
Costa, C. A. A. Oswaldo Cruz e a febre amarela no Pará.
Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1973.
Loureiro, A. J.
S. História da medicina e das doenças no
Amazonas. Manaus: Gráfica Lorena, 2004.
Penna, D. S. F. A Região Ocidental da
Província do Pará: Resenhas Estatísticas das Comarcas de Óbidos e Santarém.
Belém: Typographia do Diário de Belém, 1869.
Santos, P. R.
dos. Tupaiulândia. Santarém:
ICBS/ACN, Gráfica e Editora Tiagão, 1999.
Vianna, A. As Epidemias no Pará. 2ª Ed. Belém:
Universidade Federal do Pará, 1975.
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