Por Benedicto
Monteiro (*)
Por que quero
dividir o meu estado, o estado do Pará? Por que quero criar um novo estado, o
estado do Tapajós?
Porque não
concordo com a divisão territorial da Amazônia. Não só por razões de ordem
geopolítica, mas também, e sobretudo, porque essa é a única forma que encontrei
de atender o povo que mora e trabalha em Alenquer, Santarém, Faro, Juriti,
Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Aveiro, Itaituba, Almeirim e Prainha, que
formam a microrregião do Baixo Amazonas no oeste do estado do Pará. Embora seja
chamada de microrregião, quero dizer que esta denominação é um puro eufemismo,
porque os 11 municípios que formam essa área compõem um território de
529.742km², que é maior que quase todos os estados brasileiros. Maior que todos
os estados do Nordeste, todos os estados do Sul e todos os estados do
Centro-Sul. Só não é maior que os estados do Pará, do Amazonas e do Mato
Grosso.
E uma região tão
abandonada e tão cobiçada que, nestes últimos cinquenta anos, o Governo Federal
já fez a doação do imenso território de Belterra e Fordlândia para a multinacional
Ford com uma área de 1 milhão e 40 mil hectares, e que só foi devolvida ao
Brasil porque a nossa seringa nativa foi roubada para ser plantada no Oriente.
É uma região tão
abandonada e tão cobiçada que o Governo Federal negociou com Mr. Ludwing, através
de proprietários portugueses, uma área de 3 milhões e 500 mil hectares que foi
agora repassada para 22 empresários brasileiros através de um financiamento
generoso e fantástico do BNDES e do Banco do Brasil. O famoso Projeto Jari.
Em estudos que a
FAO e a UNESCO, das Nações Unidas, fizeram sobre as possibilidades
agricultáveis do planeta Terra, cientistas, geógrafos, pesquisadores e agrônomos
chegaram à conclusão de que só existem 17 milhões de km² de terras
agricultáveis no mundo para alimentar uma população assustadoramente crescente
de 5 bilhões de pessoas. Porém, quase metade desses 17 milhões estão no Brasil,
e 2/3 das terras agricultáveis brasileiras estão na Amazônia Legal. Nessa área
de mais de 6 milhões está o estado do Pará. E o que tem acontecido com essa
área do estado do Pará nesses quase 5 séculos de existência?
Tem sido
roubada, negociada e espoliada no seu território e nas suas riquezas vegetais e
minerais.
O café que foi
plantado primeiro no Pará e o cacau que é nativo das nossas florestas foram
transplantados para a Bahia e para São Paulo e fizeram a riqueza desses dois
estados da Federação.
Os nossos
seringais, balatais e castanhais nativos, que já deram ao estado do Pará o 5º
lugar em arrecadação, estão completamente desprezados ou derrubados para o
plantio de capim.
No mesmo momento
em que acharam os primeiros minerais exportáveis no nosso subsolo, amputaram as
nossas terras para criar o território do Amapá, cuja transformação em estado já
foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte. E lá, nestes 30 anos, a
empresa multinacional lcomi, tendo um testa-de-ferro brasileiro, transportou
para os Estados Unidos uma montanha de minério de manganês, deixando apenas um
imenso buraco no lugar da Serra do Navio e um buraco maior no estômago dos
brasileiros.
Tanto faz ser
ditadura como democracia, temos sido vítimas indefesas do colonialismo interno
e externo, que nos dão com uma mão e nos tiram com a outra, como foi o caso dos
3% do Orçamento da União e como é o caso dos incentivos fiscais que fizeram da
SPEVEA e agora fazem do Finam e da Sudam meros repassadores de dinheiro para
meia dúzia de privilegiados.
Agora mesmo
quando dimensionaram, através dos órgãos públicos, as jazidas de bauxita no
território paraense, fizeram projetos isolados e criaram até um programa
superposto a nossa divisão político-territorial – Poloamazônia. Deles nasceram
os chamados grandes projetos, como a hidroelétrica de Tucuruí, o Grande
Carajás, o Trombetas, a Albrás-Alunorte, o Porto de Vila del Conde, próximo a
nossa capital.
São projetos com
autonomia completa e dirigidos de fora do Pará e até de fora do Brasil.
Criaram-se comissões e conselhos interministeriais que se superpõem às
autoridades do governo do nosso estado e que determinam, de fora do nosso
território, o destino do povo que lhes serve de cobaia. Hoje já existe uma nova
divisão territorial que nos é imposta pela autoridade federal e pela própria
pressão econômica das estatais e das multinacionais.
Resultado: a
região abrangida pela hidroelétrica de Tucuruí e Grande Carajás tem hoje uma população
inchada desassistidas, mas atendida de luz e estradas nos povoados mais
insignificantes que se formaram ou que se formam em função das atividades de
mineração. Hoje, pode-se viajar de carro, de qualquer ponto desse território,
tanto para a capital do estado como para qualquer ponto do Brasil, ficando para
o estado do Pará os encargos de saúde, educação, transportes, segurança e
demais encargos sociais.
E o que
aconteceu com a região do Médio-Baixo Amazonas e do Vale do Tapajós nesse
período de pseudodesenvolvimento regional?
Ficou estagnada.
Apesar de ter mais de I milhão de pessoas num imenso território, não tem hoje
condições de receber nem a visita do governador do nosso estado. Pois tanto o
governo passado, de Jader Barbalho, como o governo atual, de Hélio Gueiros,
nada têm para inaugurar e nada têm mesmo para prometer.
Essa região, que
achamos que é um dever separar do estado do Pará para criar o estado do
Tapajós, não tem a menor possibilidade de ter acesso rodoviário a Belém, sua
capital.
O acesso só pode
ser pelo rio Amazonas, ou pelos seus caudalosos afluentes ou por via aérea
através do único aeroporto de Santarém, que fica a mais de 700 km em linha
reta. Por terra, é impossível atravessar os rios, que chegam a ter mais de 50km
de largura e não têm portos adequados para embarcações atuais.
Além disso,
temos uma cultura própria, uma civilização própria, originárias das culturas
indígenas, como, por exemplo, a cerâmica tapajônica, que rivaliza com a
cerâmica marajoara, mais difundida fora do estado do Pará.
Nossa região é
tipicamente fluvial. Nossas estradas, os furos, os lagos, os rios e igarapés,
nesses anos todos de pseudodesenvolvimento regional, não receberam do governo
qualquer tipo de atendimento. Principalmente as pessoas que viajam ou que
transportam pela imensa rede hidrográfica desse labirinto agreste, que tanto
tem impressionado os cientistas, os escritores e os turistas do mundo inteiro.
Finalmente, a
nossa vocação geográfica e geopolítica é a nossa ligação com os centros
desenvolvidos do Sul do Brasil. E essa ligação jamais será feita por Belém, a
capital atual do Pará. Pois o próprio rio Amazonas é um obstáculo
intransponível, desde que, para atravessá-lo se teria que construir uma ponte
com mais de 50km. três vezes maior que a ponte da Baía da Guanabara. Ao passo
que, construindo e asfaltando a Cuiabá-Santarém, estaremos definitivamente
ligados a todo o sistema rodoviário federal, integrando essa imensa, rica e
bela região do território brasileiro e possibilitando ao seu povo melhores condições
de progresso e integração nacional.
Tanto é patente
e evidente a ingovernabilidade do estado do Pará, com o tamanho que tem, que o
Governo federal, autoritária e arbitrariamente, já promoveu várias divisões
territoriais, não só para atender a projetos de multinacionais, como foram os
casos do território de Belterra e Fordlândia, Amapá e Jari, como até criou
recentemente, através de decreto-lei e portarias, uma divisão territorial
superposta. É o caso dos territórios que ficaram sob a administração do GETAT -
Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins, do Projeto Carajás e do Projeto
Trombetas.
A criação do
estado do Tapajós, além de ser uma exigência da geografia, da geopolítica do
povo que o habita, é também a forma legal de realizar uma racional divisão
territorial, em vez de acertar o que já está sendo feito sem audiência do nosso
povo, das nossas autoridades, de forma autoritária e arbitrariamente.
(*) O autor foi
deputado federal constituinte, eleito pelo PMDB do Pará. Texto originalmente
publicado no Jornal da Constituinte, Nº 51, de 1988.
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