sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Artigo: Por que o Estado do Tapajós?

Por Benedicto Monteiro (*)

Por que quero dividir o meu estado, o estado do Pará? Por que quero criar um novo estado, o estado do Tapajós?
Porque não concordo com a divisão territorial da Amazônia. Não só por razões de ordem geopolítica, mas também, e sobretudo, porque essa é a única forma que encontrei de atender o povo que mora e trabalha em Alenquer, Santarém, Faro, Juriti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Aveiro, Itaituba, Almeirim e Prainha, que formam a microrregião do Baixo Amazonas no oeste do estado do Pará. Embora seja chamada de microrregião, quero dizer que esta denominação é um puro eufemismo, porque os 11 municípios que formam essa área compõem um território de 529.742km², que é maior que quase todos os estados brasileiros. Maior que todos os estados do Nordeste, todos os estados do Sul e todos os estados do Centro-Sul. Só não é maior que os estados do Pará, do Amazonas e do Mato Grosso.

E uma região tão abandonada e tão cobiçada que, nestes últimos cinquenta anos, o Governo Federal já fez a doação do imenso território de Belterra e Fordlândia para a multinacional Ford com uma área de 1 milhão e 40 mil hectares, e que só foi devolvida ao Brasil porque a nossa seringa nativa foi roubada para ser plantada no Oriente.
É uma região tão abandonada e tão cobiçada que o Governo Federal negociou com Mr. Ludwing, através de proprietários portugueses, uma área de 3 milhões e 500 mil hectares que foi agora repassada para 22 empresários brasileiros através de um financiamento generoso e fantástico do BNDES e do Banco do Brasil. O famoso Projeto Jari.
Em estudos que a FAO e a UNESCO, das Nações Unidas, fizeram sobre as possibilidades agricultáveis do planeta Terra, cientistas, geógrafos, pesquisadores e agrônomos chegaram à conclusão de que só existem 17 milhões de km² de terras agricultáveis no mundo para alimentar uma população assustadoramente crescente de 5 bilhões de pessoas. Porém, quase metade desses 17 milhões estão no Brasil, e 2/3 das terras agricultáveis brasileiras estão na Amazônia Legal. Nessa área de mais de 6 milhões está o estado do Pará. E o que tem acontecido com essa área do estado do Pará nesses quase 5 séculos de existência?
Tem sido roubada, negociada e espoliada no seu território e nas suas riquezas vegetais e minerais.
O café que foi plantado primeiro no Pará e o cacau que é nativo das nossas florestas foram transplantados para a Bahia e para São Paulo e fizeram a riqueza desses dois estados da Federação.
Os nossos seringais, balatais e castanhais nativos, que já deram ao estado do Pará o 5º lugar em arrecadação, estão completamente desprezados ou derrubados para o plantio de capim.
No mesmo momento em que acharam os primeiros minerais exportáveis no nosso subsolo, amputaram as nossas terras para criar o território do Amapá, cuja transformação em estado já foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte. E lá, nestes 30 anos, a empresa multinacional lcomi, tendo um testa-de-ferro brasileiro, transportou para os Estados Unidos uma montanha de minério de manganês, deixando apenas um imenso buraco no lugar da Serra do Navio e um buraco maior no estômago dos brasileiros.
Tanto faz ser ditadura como democracia, temos sido vítimas indefesas do colonialismo interno e externo, que nos dão com uma mão e nos tiram com a outra, como foi o caso dos 3% do Orçamento da União e como é o caso dos incentivos fiscais que fizeram da SPEVEA e agora fazem do Finam e da Sudam meros repassadores de dinheiro para meia dúzia de privilegiados.
Agora mesmo quando dimensionaram, através dos órgãos públicos, as jazidas de bauxita no território paraense, fizeram projetos isolados e criaram até um programa superposto a nossa divisão político-territorial – Poloamazônia. Deles nasceram os chamados grandes projetos, como a hidroelétrica de Tucuruí, o Grande Carajás, o Trombetas, a Albrás-Alunorte, o Porto de Vila del Conde, próximo a nossa capital.
São projetos com autonomia completa e dirigidos de fora do Pará e até de fora do Brasil. Criaram-se comissões e conselhos interministeriais que se superpõem às autoridades do governo do nosso estado e que determinam, de fora do nosso território, o destino do povo que lhes serve de cobaia. Hoje já existe uma nova divisão territorial que nos é imposta pela autoridade federal e pela própria pressão econômica das estatais e das multinacionais.
Resultado: a região abrangida pela hidroelétrica de Tucuruí e Grande Carajás tem hoje uma população inchada desassistidas, mas atendida de luz e estradas nos povoados mais insignificantes que se formaram ou que se formam em função das atividades de mineração. Hoje, pode-se viajar de carro, de qualquer ponto desse território, tanto para a capital do estado como para qualquer ponto do Brasil, ficando para o estado do Pará os encargos de saúde, educação, transportes, segurança e demais encargos sociais.
E o que aconteceu com a região do Médio-Baixo Amazonas e do Vale do Tapajós nesse período de pseudodesenvolvimento regional?
Ficou estagnada. Apesar de ter mais de I milhão de pessoas num imenso território, não tem hoje condições de receber nem a visita do governador do nosso estado. Pois tanto o governo passado, de Jader Barbalho, como o governo atual, de Hélio Gueiros, nada têm para inaugurar e nada têm mesmo para prometer.
Essa região, que achamos que é um dever separar do estado do Pará para criar o estado do Tapajós, não tem a menor possibilidade de ter acesso rodoviário a Belém, sua capital.
O acesso só pode ser pelo rio Amazonas, ou pelos seus caudalosos afluentes ou por via aérea através do único aeroporto de Santarém, que fica a mais de 700 km em linha reta. Por terra, é impossível atravessar os rios, que chegam a ter mais de 50km de largura e não têm portos adequados para embarcações atuais.
Além disso, temos uma cultura própria, uma civilização própria, originárias das culturas indígenas, como, por exemplo, a cerâmica tapajônica, que rivaliza com a cerâmica marajoara, mais difundida fora do estado do Pará.
Nossa região é tipicamente fluvial. Nossas estradas, os furos, os lagos, os rios e igarapés, nesses anos todos de pseudodesenvolvimento regional, não receberam do governo qualquer tipo de atendimento. Principalmente as pessoas que viajam ou que transportam pela imensa rede hidrográfica desse labirinto agreste, que tanto tem impressionado os cientistas, os escritores e os turistas do mundo inteiro.
Finalmente, a nossa vocação geográfica e geopolítica é a nossa ligação com os centros desenvolvidos do Sul do Brasil. E essa ligação jamais será feita por Belém, a capital atual do Pará. Pois o próprio rio Amazonas é um obstáculo intransponível, desde que, para atravessá-lo se teria que construir uma ponte com mais de 50km. três vezes maior que a ponte da Baía da Guanabara. Ao passo que, construindo e asfaltando a Cuiabá-Santarém, estaremos definitivamente ligados a todo o sistema rodoviário federal, integrando essa imensa, rica e bela região do território brasileiro e possibilitando ao seu povo melhores condições de progresso e integração nacional.
Tanto é patente e evidente a ingovernabilidade do estado do Pará, com o tamanho que tem, que o Governo federal, autoritária e arbitrariamente, já promoveu várias divisões territoriais, não só para atender a projetos de multinacionais, como foram os casos do território de Belterra e Fordlândia, Amapá e Jari, como até criou recentemente, através de decreto-lei e portarias, uma divisão territorial superposta. É o caso dos territórios que ficaram sob a administração do GETAT - Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins, do Projeto Carajás e do Projeto Trombetas.
A criação do estado do Tapajós, além de ser uma exigência da geografia, da geopolítica do povo que o habita, é também a forma legal de realizar uma racional divisão territorial, em vez de acertar o que já está sendo feito sem audiência do nosso povo, das nossas autoridades, de forma autoritária e arbitrariamente.


(*) O autor foi deputado federal constituinte, eleito pelo PMDB do Pará. Texto originalmente publicado no Jornal da Constituinte, Nº 51, de 1988.

Nenhum comentário:

Postar um comentário