No Baixo
Amazonas, por exemplo, havia antigamente uma cerimônia de caráter
católico-tapuia que, no seu singular hibridismo, era das mais típicas da
Mesopotâmia. Era o sairé – procissão
coreográfica que celebrava o nascimento de Jesus. Para figurar nessa procissão,
que é ao mesmo tempo uma dança selvagem, os caboclos fazem um instrumento
típico: um grande semicírculo de cipó, fechado na parte interior. Dentro deste
meio círculo há mais nove semicírculos. O primeiro semicírculo é cortado desde
o meio, no alto, até a linha que o fecha, por uma vara que termina em cima por
uma cruz, o mesmo sucedendo com os outros, que assim se dividem em quadrantes.
Toda a madeira que forma este instrumento é envolta em algodão, preso por fitas
encarnadas, que nela se enrolam. Enfeitam-no ainda pequenos ramalhetes de
flores e espelhinhos redondos. É isto o “sairé”.
Três velhas
carregam, na procissão, o “sairé”: uma de cada lado e a terceira no centro.
Duas fitas, que caem de cada banda do “sairé”, são levadas por dois homens, que
acompanham o ritmo ondulante da marcha das velhas. Um outro homem, atrás, toca
um pequeno tambor, acompanhando com o compasso do instrumento – bum-bum...
qui-ti-bum... bum-bum... qui-ti-bum... – o cantochão monótono das velhas. As
velhas do “sairé” caminham rezando, cantando e dançando. A dança, de passos
curtos, como uma marcha de soldados, tem a velha do centro como eixo, girando
as outras duas em torno dela, em avanços e recuos sucessivos, indo as velhas
ora para diante, ora para trás. Acompanhando esse rito triste, há uma melopeia
rouca e bárbara:
Itá camuti pupé neiassucá pitaui puraga ité
(Em uma pia de pedra foi batizado o belo menino)
E todos, em
coro, respondem o estribilho melancólico:
Ê Jesus, ê Santa Maria
Santa Maria cunhã puraga imembira iané, catú,
iputira, ipóp.
(Santa Maria [é] mulher bonita, seu filho [é] como
ela, uma flor na mão)
Acabado cada
verso, cantado simultaneamente pelas três velhas, todos os fiéis repetem em
coro o estribilho:
“Ê Jesus, ê Santa Maria...”
Saindo da
igreja, os devotos vão rezar o “sairé” em diversas barracas, onde estendem,
previamente, uma esteira de palha para a cerimônia e onde depõem os caboclos as
suas oferendas.
NOTA: O texto
acima faz parte de um artigo que tem por título “O Natal na Amazônia” publicado
na revista Careta de 08 de dezembro de 1951, o autor usa apenas o pseudônimo
“Peter Pan”.
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