sábado, 2 de setembro de 2017

Uma descrição sobre o Sairé...


No Baixo Amazonas, por exemplo, havia antigamente uma cerimônia de caráter católico-tapuia que, no seu singular hibridismo, era das mais típicas da Mesopotâmia. Era o sairé – procissão coreográfica que celebrava o nascimento de Jesus. Para figurar nessa procissão, que é ao mesmo tempo uma dança selvagem, os caboclos fazem um instrumento típico: um grande semicírculo de cipó, fechado na parte interior. Dentro deste meio círculo há mais nove semicírculos. O primeiro semicírculo é cortado desde o meio, no alto, até a linha que o fecha, por uma vara que termina em cima por uma cruz, o mesmo sucedendo com os outros, que assim se dividem em quadrantes. Toda a madeira que forma este instrumento é envolta em algodão, preso por fitas encarnadas, que nela se enrolam. Enfeitam-no ainda pequenos ramalhetes de flores e espelhinhos redondos. É isto o “sairé”.

Três velhas carregam, na procissão, o “sairé”: uma de cada lado e a terceira no centro. Duas fitas, que caem de cada banda do “sairé”, são levadas por dois homens, que acompanham o ritmo ondulante da marcha das velhas. Um outro homem, atrás, toca um pequeno tambor, acompanhando com o compasso do instrumento – bum-bum... qui-ti-bum... bum-bum... qui-ti-bum... – o cantochão monótono das velhas. As velhas do “sairé” caminham rezando, cantando e dançando. A dança, de passos curtos, como uma marcha de soldados, tem a velha do centro como eixo, girando as outras duas em torno dela, em avanços e recuos sucessivos, indo as velhas ora para diante, ora para trás. Acompanhando esse rito triste, há uma melopeia rouca e bárbara:
Itá camuti pupé neiassucá pitaui puraga ité
(Em uma pia de pedra foi batizado o belo menino)
E todos, em coro, respondem o estribilho melancólico:
Ê Jesus, ê Santa Maria
Santa Maria cunhã puraga imembira iané, catú, iputira, ipóp.
(Santa Maria [é] mulher bonita, seu filho [é] como ela, uma flor na mão)
Acabado cada verso, cantado simultaneamente pelas três velhas, todos os fiéis repetem em coro o estribilho:
Ê Jesus, ê Santa Maria...”
Saindo da igreja, os devotos vão rezar o “sairé” em diversas barracas, onde estendem, previamente, uma esteira de palha para a cerimônia e onde depõem os caboclos as suas oferendas.


NOTA: O texto acima faz parte de um artigo que tem por título “O Natal na Amazônia” publicado na revista Careta de 08 de dezembro de 1951, o autor usa apenas o pseudônimo “Peter Pan”.

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