Por Eduardo Dias
A Cidade de Óbidos localizada no baixo amazonas, tem muita coisa dos seus
primórdios ainda por serem decifrados. Sua história começa por volta de 1697,
com a construção do Forte Santo Antônio dos Pauxis. Mas durante a ocupação do
vale, entre a cruz e a espada, ressaltamos que um fato muito importante foi a
inauguração do Seminário São Luiz Gonzaga em 1848, fundado pelo nono Bispo do
Pará, D. José Afonso Moraes Torres, cujo sustento recebeu ajuda popular e uma
contribuição da Fazenda Provincial. Nesse educandário estudou o Padre José Nicolino, o desembargador
Romualdo Paes de Andrade, entre outros, pois foi o primeiro educandário criado
na região.
De certo, a educação sempre foi
uma preocupação na sociedade obidense, ainda sob o regime Imperial as famílias
de mais posses, enviavam seus filhos a Belém e continuar os estudos mais altos,
no Liceu. Informa Arthur Reis que de
todos os municípios do Pará foi mesmo Óbidos que teve um destaque particular
quanto as preocupações intelectuais de seus moradores, assim que em 1854 criou
uma biblioteca, o Gabinete de Leitura Obidense, com mais de 1300 livros.
O Teatro Bom Jesus, foi inaugurado em 21 de junho de 1873, construído as
expensas da população local, por essa época tinha a liderança do Juiz Cassimiro
Borges Godinho de Assis, que era natural da Vigia/PA. Músico flautista e
teatrólogo, escrevia peças e tocava, no teatro Bom Jesus foram encenadas de
suas autorias, O Filho do Lavrador e o Jangadeiro de Recife, entre outras.
Segundo nos informa o Prof. Vicente Sales, na sua obra “Sociedade de
Euterpe” disse: “o Teatro Bom Jesus, em torno do qual por muitos anos se fazia
a vida artística de Óbidos, foi fundado em 1873, pelo Dr. Casemiro Borges
Godinho de Assis, com auxílio da população obidense, que fez levantá-lo num
ponto mais pitoresco da cidade. ”
Ainda informa Vicente Sales: “ O Teatro media 90 (noventa) palmos de
cumprimento sobre 41(quarente e um) de largura, tendo as paredes laterais, 23
(vinte e três) palmos de altura, sustentavam o telhado. Possuía uma ordem de 16
(dezesseis) camarotes sobre uma galeria que poderia suportar cerca de 100 (cem)
pessoas.”
Durante muito tempo, essa informação do prof. Vicente Salles provocava
uma curiosidade, mesmo porque nada se sabia sobre a existência dessa casa de
arte na cidade presépio, considerando que em 1896, existia a Sociedade
Artística Obidense, sobre a presidência do jornalista Valente do Couto, mas persistia a indagação renitente de onde
funcionava o Teatro Bom Jesus com essas características descritas por Vicente
Sales, visto que não se conhece nos dias atuais, nenhum prédio que pudesse
recepcionar essa informação. Em verdade, os mais antigos moradores nunca
souberam informar, e ficou a existência desse espaço cultural adormecido, como
num esquecimento profundo. Fomos encontrar também no Inventário de Gabriel
Villa Lobos, que morreu em 1874, a informação de que o falecido possuía ações
desse teatro.
De fato, até a nossa mestra Francisca das Chagas, a D. Chaguita, na sua
obra A História de Óbidos, também arriscou, achando que o Teatro São Francisco,
que funcionou ao lado onde está hoje o Salão Paroquial, fosse o mesmo Bom
Jesus, vejamos: “isso nos leva a creditar
que o teatro São Francisco, tenha sido o Teatro Bom Jesus, assentado na Trav.
Bom Jesus, que também apresentou grandes comédias com artistas locais, como: A
Madrastra, O Ébrio, A Rosa de Luxemburgo, Viúva Alegre e Pastorinhas. Após a
festa de Nazaré, o Teatro São Francisco recebia as companhias de teatro que se
apresentavam na capital do Estado sob a direção dos palhaços como Dico Rocha,
Fernanda Lima, Brandão Sobrinho, Pedro Dias, Alciate, Wallace e muitos outros”.
O teatro São Francisco, funcionou na Escola São Francisco, fundada por
Frei André Noirhomme, da Provincia do Sul, teve a sua primeira apresentação em
7 de setembro de 1922, sob a direção do Maestro Orestes Ribeiro.
Mas foi o historiador Walter Pinto, mestre da UFPA, autor de “A Revolução Constitucionalista do Baixo
amazonas” que descobriu uma foto memorável nos arquivos da Biblioteca
Nacional, feita no início do século XX pelo pessoal do Exército, quem vem nos
trazer à tona, toda a verdade sobre o Teatro Bom Jesus.
Ademais, podemos concluir, que o mesmo foi demolido porque ficava no
espaço que iria abrigar a futura Bateria de Costa, que culminou na inauguração
do Quartel em 1909, que hoje abriga a Secretaria de Cultura.
Sobre o Teatro Bom Jesus e seu envolvimento na sociedade local na
segunda metade do século XIX, nos informa interessante episódio, o historiador Padre Sidney Canto, que tem raízes
fincadas no estreito do rio mar, com a seguinte notícia extraída do Jornal
Baixo Amazonas em 26 de julho de 1877:
Deixa a cidade de Óbidos e retorna a Manaus o
ator Lima Penante, encerrando uma turnê de três semanas de diversas apresentações
teatrais no Teatro Bom Jesus. Durante esta turnê o ator teve uma série de
desentendimentos com o pároco local, padre Nicolino José Rodrigues de Souza,
que era contrário ao estado maçônico do citado ator teatral.
Um dos atores e teatrólogos que marcaram história na Amazônia,
encontra-se a figura do paraense José Lima Penante. Sobre sua temporada em
Óbidos, sabemos que o mesmo saiu de Manaus em 1º de julho de 1877 em direção à
“Cidade Presépio”, para uma turnê no Teatro Bom Jesus. A turnê demorou-se três
semanas, até o retorno do ator a Manaus no dia 26 de julho. Lima Penante era
maçom, seus espetáculos eram, em grande parte, patrocinados pela maçonaria.
Suas peças, de caráter cômico, tinham veladas críticas ao poder eclesial e sua
interferência na sociedade. Uma das peças, apresentada em Óbidos, era “O
Jesuíta na Garganta”, que despertou voraz oposição do padre Nicolino José
Rodrigues de Souza, pároco de Óbidos, que partiu em defesa da Igreja do Pará, e
do seu bispo, Dom Macedo Costa. O choque tornou-se inevitável como podemos ver
através da seguinte carta, publicada no jornal “O Santo Ofício”, da Capital:
“Ontem, por ocasião de principiar
o segundo espetáculo do artista Lima Penante, em cujo programa estava “O
Jesuíta na Garganta”, houve um conflito entre o povo e as autoridades que
não foi mais longe porquê da parte do povo manteve-se muita prudência. O povo
tinha direito absoluto e a razão foi a seguinte:
Representou este artista no primeiro espetáculo “O Jesuíta na
Garganta” e o aplauso manifestou-se geralmente a ponto de lhe pedirem
repetição, porém dando-se o escândalo do vigário, cuja monomania é pregar,
tomar a tribuna sagrada e anatematizar o Teatro e aqueles que vivem sob o poder
de Satanás, o povo reagiu persistindo no pedido e vontade de ver em
cena o Jesuíta na Garganta.
Como sabe o nosso país vai decaindo miseravelmente, desde que a época é
dos padres jesuítas que com sua falsa propaganda vão se apoderando dos
espíritos fracos como o da nossa princesa imperial, que até se presta a varrer
igrejas e fazer penitências. Sendo ela dá grei jesuítica, as autoridades
acompanham a crença, assim como a parte ignorante do povo o que se deixa levar
pelo hipócrita, que, de cruz alçada, vai plantando o despotismo na crença de
Jesus Cristo a ponto de levar ao púlpito quanta sandice lhe vem ao bestunto.
Este hipócrita é o vigário José Nicolino, que por força quer fazer acreditar
que a Companhia de Jesus é a única salvadora dos povos.
Testemunhou o artista Lima Penante este escândalo das autoridades
concumbinadas [sic] com o vigário, que sendo muito virtuoso não passa de
vingativo, grosseiro e indiscreto desde que, por sua infelicidade, é
supinamente ignorante. Óbidos viu proibir-se o espetáculo, e calcada aos pés a
liberdade de pensamento e a Constituição do Império.
Óbidos, 10 de julho de 1877. – O povo.”
NOTA: Eduardo Dias é compositor e agitador cultural, escreve a coluna
Arte & Cultura no Jornal de Santarém. Na foto: Teatro Bom Jesus inaugurado em 21 de junho, de 1873 em Óbidos, sua
localização seria hoje na Rua Justo Chermont, em frente a Liga Municipal de
Futebol Obidense.
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