sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Artigo: A Tapajônia em Foco – Geografia Social e Econômica

Por General Félix Amélio

Dotado, como está um trecho da Tapajônia dos recursos indispensáveis ao soerguimento de tão fértil região, mister se torna o fácil e eficiente intercâmbio de quanto possa ali ser explorado e posto em assegurada circulação. Só um sistema de intercomunicações bem delineado e provido dos indispensáveis elementos, poderá completar a obra que ali hoje se processa.
Não basta a navegação fluvial por barcos, lanchas, vapores e alvarengas, pela primeira secção do Tapajós abaixo até o porto franco de Santarém, onde os stea mers manobram desembaraçadamente.

 Sendo o Estado do Pará marítimo como é, e se tem a sua comunicação grandemente facilitada por seu interior, devido aos inúmeros rios e afluentes que o regam, como ainda com a Europa e América, e para as Repúblicas do Peru e da Bolívia pelo rio Amazonas, não tem para o interior do país, especialmente com o Estado de Mato Grosso, sendo esta comunicação, justamente o problema político e econômico dos mais prementes e importantes a exigir pronta e racional solução.
Vem de recuados anos este problema, e sua equação foi posta por nossos maiores, bastando para sintetizar que apenas recordamos agora o que a respeito disseram João de Souza Azevedo, em 1746 e depois o Barão de Melgaço.
Assim falou o primeiro:
Desci pelo rio Cuiabá até entrar no rio Paraguai e navegando por águas deste para cima, entrei no Sipotuba que também foi navegando contra a corrente até as suas vertentes.
Então varei com as canoas e transportando-as assim para o lado oposto cheguei a um rio que só mais tarde soube chamar-se rio “Sumidouro”, o qual naveguei-o águas abaixo, apesar de, como indica seu nome, ocultar-se este rio por não pequeno espaço debaixo da terra, como se fosse um caminho subterrâneo. Passada esta furna e ainda pelo “Sumidouro”, entra-se no “Arinos” e deste rio no “Tapajós”, onde existem cachoeiras vencíveis, ainda que algumas fossem maiores que as do “Madeira”, como seja a das “Três Barras”, 100 léguas abaixo das fontes do “Arinos”.
Diz o Barão de Melgaço, completando:
Foi assim descoberto mais um caminho para Belém do Pará, pois até então ninguém o havia procurado, e depois disso é pelo “Rio Preto” que se faz a navegação interior do país, difícil e real, mas que o atravessa na linha Norte-Sul, e por seu coração.
De Cuiabá a Belém, depois de interrompida por algum tempo essa navegação, mais difícil pelos obstáculos antepostos pelas tribos selvagens do que pela natureza, desceram, em 1812, Antônio Thomé da Franca e Miguel João de Castro, o que concorreu para se tornar contínua a navegação, muito principalmente quando no ano seguinte se soube terem subido o rio e, sendo os primeiros que tal fizeram, declarando que, como outros experimentadores dessa navegação e a do “Madeira-Guaporé”, reconheceram ser mais abreviada, muito mais fácil do que a segunda, até então.
Devido a isto e ao comércio do guaraná, fabricado pelos índios, estão abertas diversas estradas que servem para as canoas vararem das águas dos rios “Arinos” e “Preto”, para as do “Cuiabá” e do “Paraguai”, havendo outras do rio “Preto” para o “Ribeiro dos Nobres”, afluente do “Cuiabá”.
Ferreira Pena, quando em 1862, presidia a Província do Mato Grosso, disse em relação a esses meios de comunicação:
Quatro são os varadouros que tem sido efetivamente aproveitados para passar objetos pesados e volumosos das vertentes do rio Tapajós para as do rio Paraguai.
O primeiro foi que abriu em 1746 o sargento-mor João de Souza Azevedo para passar as suas canoas de Cipotuba para Sumidouro. Tinha este varadouro três léguas de extensão. Nunca mais foi aproveitado, nem tampouco a navegação do mesmo Sumidouro, por muito custosa.
Em 1814, o capitão Bento Pereira de Miranda, abriu um varadouro de 6 a 7 léguas do rio Preto para Ribeirão dos Nobres, que deságua no Cuiabá, e por esta via transportou muitas igarités vindas do Pará.
Em 1820, o tenente de milícia Antônio Peixoto de Azevedo conduziu, pela navegação dos rios Tapajós, Juruena, Arinos e Preto, quatro canhões de ferro de calibre 6 e 9, que foram posteriormente varados do rio Preto para o rio Sant’Ana e por este e pelo Paraguai, transportados à Vila Maria.
Em 1846, o capitão José Alves Ribeiro abriu outro varadouro de um ponto do Arinos, acima da confluência do rio Preto até o Cuiabá, no lugar Baixo, logo abaixo o Salto e um pouco acima do rio Manso. Cancas e igarités tem vindo pelo varadouro, cuja extensão é de 9 a 10 léguas. Dista 38 léguas do porto da cidade de Cuiabá, e a do capitão Bento, 24 léguas.
Assim, o Pará, como de resto toda a Amazônia brasileira, vem apenas, como a desenha, definindo-a superiormente o emérito escritor Raymundo Moraes “fixando a sua história, desde a conquista, ao longo das artérias fluviais, na orla dos paranás, dos furos, dos igarapés”.
Quatro séculos decorridos, são já suficientes para alertar o presente de que, só a ferrovia distendida num aranhol inteligentemente lançado, conseguirá transmudar – acelerando-a para a prevista potencialidade econômica – a rastejante atividade civilizadora que ainda ali impera, sertões adentro, num fatalismo que urge ser contrariado e combatido com elementos de sólida eficácia.
Só as ferrovias levantarão o ânimo de nossos “esjanicados terraniezes” [sic] da Tapajônia, porque também só elas os libertarão das garras dos regatões que por lá euchameiam, ativando negócios shylokianos à custa da ingenuidade de nossos escorraçados compatrícios das selvas.
Esses, de muito sofrerem, já encaram ali a terra qual madrasta de ânimo perseguidor.

NOTA: Publicado originalmente no jornal Gazeta do Norte de 30 de janeiro de 1932.


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