“Dia 17 do mês passado Santarém foi abalada pela notícia de que o Major
Haroldo Veloso interrompera as comunicações telegráficas da Cidade, fora à
Delegacia de Polícia e prendera o Delegado e as praças, mandara dar notícia
pelo alto-falante Ipiranga e que a Cidade estava ocupada militarmente, e por
fim voltara ao aeroporto e ali instalara o seu quartel general.
Entre
aquela data e a tarde do dia 22 viveu a população de Santarém momentos de
nervosismo que se foi acentuando hora após hora. Foram apenas cinco dias de
ocupação pelos rebeldes, e hoje, recordando as aflições, custa-nos acreditar
que tão poucos dias chegassem para tantas ocorrências.
As
notícias eram abundantes: pululavam como praga. Contradiziam-se de tal forma a
aumentar em progressão geométrica a angústia de todos.
Mas
havia os que andavam alegres e nas “barbas” de quantos estivessem presentes levantavam
os olhos para o céu e ao ouvir o barulho de aviões e exultantes apontavam para
cima na direção do “beach” do Major dizendo “aquele é nosso”.
Se
estes “revoltosos de meia tigela” tivessem cometido apenas esta leve falta, não
estaríamos a perder tempo com eles nestas colunas. Fizeram porem coisa muito
pior e execranda. Mantiveram-se em companhia quase permanente com os oficiais
rebelados e não perdiam a ocasião para instigar o Major contra A, B ou C.
Fosse
este oficial pessoa sanguinária e estaríamos chorando inúmeras vítimas entre
nós.
Para
os que se informaram devidamente dessas insistentes tramas diabólicas era certo
vir a constituir-se Santarém em campo de uma guerra civil. Tal não veio suceder
apenas porque os “colaboradores” não dispuseram de tempo suficiente. Bem que
eles foram constantes como a gota d’água em pedra dura!
Supunham
que estavam em segurança para fazer intriga; que não eram ouvidos; que todas as
sombras os protegiam e, no entanto, vínhamos tendo conhecimento de tudo e
aguardávamos a eclosão das forças do mal que eles desencadeavam.
“Miserabili
dictu”, mas é esta toda a verdade!
A
legítima coragem é uma virtude e como tal digna de toda a admiração e respeito;
há outra coragem ainda, distinta daquela por não ser virtude propriamente, mas
que mesmo assim nos infunde simpatia. Quer dizer, porém, daquele que se esconde
por traz de quem tem o peito descoberto e se limita a encher os ouvidos deste
com o zumbido persistente das mais venenosas e instigadoras mentiras?
Eu
me refiro a ti, Santareno ou ádvena, que estivestes ajudando o Major Veloso e
agora não o acompanhas na prisão; que nem ao menos encontras na alma enfezada
força para ir ter com as autoridades e declarar-lhes sinceramente que te julgas
culpado e que desejas uma punição qualquer; e que muito menos terias a
hombridade de reconhecer o teu erro publicamente!
Não
estamos incluindo entre estes revoltosos os “pobres diabos” que chegaram a
envergar fardas improvisadas e a empunhar armas. Estes ao menos poderiam vir a
morrer de medo ou nas barricadas.
Acusamos
os indivíduos, velhos conhecidos nossos, que se dizem ou passam por pessoas de
bem nesta terra, algumas das quais até autoridades são. Seus nomes não precisam
ser mencionados por nós: eles irão responder a quem de direito pela
irresponsabilidade de que deram sobejas provas.
Muitas
foram as experiências que o povo deve ter colhido destes dias de desassossego.
Além do comportamento dos “colaboradores” de que acabamos de falar, vale a pena
lembrar quanto se mente sob a ação do medo. Para uma verdade, mais de cem
mentiras circulavam.
Porém,
neste terreno nada foi mais elucidativo, nem causou maior espanto do que o
papel dos repórteres que vieram com a precipitação de “formigas de açúcar”
atrás do mel das novidades sensacionalistas. O povo via uma coisa e os jornais
contavam outra. Os mais ladinos perceberam que, ou a mentira veiculada pelos jornais
era total, ou era meia-mentira, tudo dependendo da sensação que pudesse causar.
E
quantas vezes ouvimos exclamações como esta, das pessoas que liam os diários da
Capital do Estado: “É assim então que os jornais informam sobre acontecimentos
sérios? Santo Deus, quanta mentira tenho eu engolido desde que li o primeiro
jornal!”
O
que relatamos neste artigo não é fábula, mas não é só destas que colhemos
proveito ou formulamos sábias sentenças.
É
sobretudo vivendo em poucos dias e muitos anos, como ocorreu conosco há pouco,
numa precipitação de intensas emoções, que podemos obter as mais completas e
perduráveis experiências”.
NOTA: Publicado no Jornal de
Santarém de 03 de março de 1956.
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