domingo, 28 de fevereiro de 2016

A Ocupação de Santarém pelo Major Veloso – 1956


Dia 17 do mês passado Santarém foi abalada pela notícia de que o Major Haroldo Veloso interrompera as comunicações telegráficas da Cidade, fora à Delegacia de Polícia e prendera o Delegado e as praças, mandara dar notícia pelo alto-falante Ipiranga e que a Cidade estava ocupada militarmente, e por fim voltara ao aeroporto e ali instalara o seu quartel general.
Entre aquela data e a tarde do dia 22 viveu a população de Santarém momentos de nervosismo que se foi acentuando hora após hora. Foram apenas cinco dias de ocupação pelos rebeldes, e hoje, recordando as aflições, custa-nos acreditar que tão poucos dias chegassem para tantas ocorrências.

As notícias eram abundantes: pululavam como praga. Contradiziam-se de tal forma a aumentar em progressão geométrica a angústia de todos.
Mas havia os que andavam alegres e nas “barbas” de quantos estivessem presentes levantavam os olhos para o céu e ao ouvir o barulho de aviões e exultantes apontavam para cima na direção do “beach” do Major dizendo “aquele é nosso”.
Se estes “revoltosos de meia tigela” tivessem cometido apenas esta leve falta, não estaríamos a perder tempo com eles nestas colunas. Fizeram porem coisa muito pior e execranda. Mantiveram-se em companhia quase permanente com os oficiais rebelados e não perdiam a ocasião para instigar o Major contra A, B ou C.
Fosse este oficial pessoa sanguinária e estaríamos chorando inúmeras vítimas entre nós.
Para os que se informaram devidamente dessas insistentes tramas diabólicas era certo vir a constituir-se Santarém em campo de uma guerra civil. Tal não veio suceder apenas porque os “colaboradores” não dispuseram de tempo suficiente. Bem que eles foram constantes como a gota d’água em pedra dura!
Supunham que estavam em segurança para fazer intriga; que não eram ouvidos; que todas as sombras os protegiam e, no entanto, vínhamos tendo conhecimento de tudo e aguardávamos a eclosão das forças do mal que eles desencadeavam.
“Miserabili dictu”, mas é esta toda a verdade!
A legítima coragem é uma virtude e como tal digna de toda a admiração e respeito; há outra coragem ainda, distinta daquela por não ser virtude propriamente, mas que mesmo assim nos infunde simpatia. Quer dizer, porém, daquele que se esconde por traz de quem tem o peito descoberto e se limita a encher os ouvidos deste com o zumbido persistente das mais venenosas e instigadoras mentiras?
Eu me refiro a ti, Santareno ou ádvena, que estivestes ajudando o Major Veloso e agora não o acompanhas na prisão; que nem ao menos encontras na alma enfezada força para ir ter com as autoridades e declarar-lhes sinceramente que te julgas culpado e que desejas uma punição qualquer; e que muito menos terias a hombridade de reconhecer o teu erro publicamente!
Não estamos incluindo entre estes revoltosos os “pobres diabos” que chegaram a envergar fardas improvisadas e a empunhar armas. Estes ao menos poderiam vir a morrer de medo ou nas barricadas.
Acusamos os indivíduos, velhos conhecidos nossos, que se dizem ou passam por pessoas de bem nesta terra, algumas das quais até autoridades são. Seus nomes não precisam ser mencionados por nós: eles irão responder a quem de direito pela irresponsabilidade de que deram sobejas provas.
Muitas foram as experiências que o povo deve ter colhido destes dias de desassossego. Além do comportamento dos “colaboradores” de que acabamos de falar, vale a pena lembrar quanto se mente sob a ação do medo. Para uma verdade, mais de cem mentiras circulavam.
Porém, neste terreno nada foi mais elucidativo, nem causou maior espanto do que o papel dos repórteres que vieram com a precipitação de “formigas de açúcar” atrás do mel das novidades sensacionalistas. O povo via uma coisa e os jornais contavam outra. Os mais ladinos perceberam que, ou a mentira veiculada pelos jornais era total, ou era meia-mentira, tudo dependendo da sensação que pudesse causar.
E quantas vezes ouvimos exclamações como esta, das pessoas que liam os diários da Capital do Estado: “É assim então que os jornais informam sobre acontecimentos sérios? Santo Deus, quanta mentira tenho eu engolido desde que li o primeiro jornal!”
O que relatamos neste artigo não é fábula, mas não é só destas que colhemos proveito ou formulamos sábias sentenças.
É sobretudo vivendo em poucos dias e muitos anos, como ocorreu conosco há pouco, numa precipitação de intensas emoções, que podemos obter as mais completas e perduráveis experiências”.


NOTA: Publicado no Jornal de Santarém de 03 de março de 1956.

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