terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Esboço Bibliográfico de Inglês de Souza – 1878

O Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza, tão pouco conhecido nesta Província quanto o é nas outras, é nada mais e nada menos do que um desses meninos que há 18 anos atrás traquinavam e brincavam nesta cidade.
Mas o menino que ontem aventurava seus passos vacilantes na estrada da vida é hoje um dos mais distinto filhos do orgulhoso rei dos rios, e se já não é uma literatura, como se disse do imortal José de Alencar, é sem dúvida um dos nossos esperançosos literatos, um romeiro infatigável da longa jornada das letras, e ao mesmo tempo um jornalista de grande crédito.

Nascido na cidade de Óbidos em 1853, a sua imaginação ardente como o sol do Equador que alumiou seu berço, sua cabeça repleta das harmonias e grandezas do seu pátrio rio, não podiam trocar as cenas singelas e variadas desta vasta e majestosa natureza pelas pálidas divindades gregas e romanas, ou por essas proezas da cavalaria da Idade Média.
Com efeito, nas suas produções literárias que correm impressas e ocupam as atenções da imprensa e do mundo ilustrado, procurou ele sempre tornar conhecidas as crenças, hábitos e costumes das duas províncias banhadas pelas águas do Amazonas, especialmente os desta, que ama como sua e o atestam suas obras.
Dedicando-se por vontade de seus pais ao estudo das ciências jurídicas e sociais na Academia do Recife, onde conquistou um nome invejável pelo seu não vulgar talento e pelo seu trato ameno e delicado, teve de remover-se no seu 4º ano para a de São Paulo, onde formou-se em direito em 1876 com geral aplauso de seus colegas e contemporâneos, e louvores de seus ilustres professores.
Como jornalista fundou e redigiu o Lábaro, jornal acadêmico destinado à crítica literária; redigiu o importante Diário de Santos, e na cidade deste nome, onde seu ilustre pai, hoje desembargador da Relação do Ceará, era então festejado juiz de direito, foi perseguido e quase preso por questões políticas, como consta dos jornais, merecendo por sua nobre atitude, e ainda mais pelo vigor e energia com que vibrava golpes de morte na situação descabida, os elogios da imprensa da corte e de várias províncias.
Voltando a São Paulo, ali fundou a Tribuna Liberal, órgão do partido liberal, de companhia com os ilustres chefes liberais, conselheiro José Bonifácio, desembargador Gavião e dr. Leôncio de Carvalho, atual ministro do império, sendo sempre por estes vultos de nossa política estimado, considerado e atendido, tanto pela energia consorciada com a linguagem moderada e argumentação cerrada com que defendia os princípios liberais, e combatia os erros e desmandos da passada situação política, especialmente na parte relativa à administração provincial, merecendo por esses e outros títulos a estima dos paulistas e os sufrágios gerais do partido no último pleito eleitoral para deputados provinciais.
Como literato, fundou a Revista Nacional de ciências, artes e letras e publicou os seguintes romances de costumes do Amazonas: História de um Pescador; Cacoalista; Feiticeira, Amor que mata; o Recruta; O Sineiro da Matriz; O Coronel Sangrado; e Acanan – dos quais muito lisonjeiramente se tem ocupado a imprensa.
Em todas essas produções, nas quais brilha o gênio por entre a variedade das cenas e das imagens, como o sol por entre as nuvens, o jovem romanista abandonou inteiramente o sublime extravagante próprio da sua idade para ligar-se à escola do século atual, substituindo o vago dos sonhos e dos mistérios da mitologia pela realidade desta grandiosa e imponente natureza que o viu nascer, conservando-nos assim na esfera de nossas crenças, hábitos e costumes, sem contudo faltar a combinação do real com o ideal, que caracteriza a escola que segue.
Eis aqui em ligeiros traços o jovem e talentoso literato e jornalista político, que tanto honra o Amazonas.
Falta-nos tempo para apreciarmos detidamente cada uma de suas produções literárias que temos à vista, mas basta o que ai fica dito para revelar o nosso juízo acerca do merecimento delas e do jornalista”.


NOTA: Publicando no Jornal Amazonas Nº 110, de 1878.

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